terça-feira, 3 de agosto de 2021

Explorando os Mythos mais obscuros - Rhan-Tegoth, o Terror dos Hominídeos


Muitos Horrores ancestrais se originaram no mítico Yuggoth, a nona esfera girando nos recônditos mais distantes do Sistema Solar. Foi lá que nasceram entidades indizíveis e abominações cósmicas sobre as quais é melhor sequer falar. É lá que os terríveis Mi-Go, montaram sua base avançada e de onde lançaram seus planos de conquista. Não por acaso, quando se estabeleceram nessa esfera de céus plúmbicos e superfície gélida, tomaram para si o nome Fungos de Yuggoth

O "três vezes maldito Yuggoth" é citado por sábios e teóricos dos Mythos pela sua importância cósmica, Abdul Al-Hazred fala a respeito dele em seu nefasto Necronomicon, referindo-se à esfera como Útero fecundo de mil horrores, nascidos e ainda por nascer. Segundo algumas teorias, as Sementes de Azathoth, lançadas do Centro do Universo, berço da criação, onde habita o Sultão Demoníaco, encontraram seu caminho até Yuggoth, e lá acharam terreno fértil para brotar nas mais repulsivas formas.

Uma destas formas é a do hediondo Rhan-Tegoth, um dos legítimos filhos blasfemos de Yuggoth.

Três milhões de anos parece ser muito para nossa limitada existência, mas para os Grandes Antigos, não é mais do que um piscar de olhos. Pois, os Antigos são eternos e o tempo, para eles, nada significa. Foi há três milhões de anos que Rhan-Tegoth, partiu de seu lar, em Yuggoth com destino à Terra primitiva. Não se sabe a razão pela qual ele empreendeu esse êxodo cósmico, mas é óbvio que tal coisa não deve ser creditada ao acaso.


Ao chegar em "nosso" planeta no Plioceno, Rhan-Tegoth se estabeleceu no Ártico, no território gélido que hoje corresponde ao Alasca. Ele se precipitou da abóboda celeste, em uma bola flamejante que rasgou os céus e se chocou com a superfície fazendo o solo tremer, criando uma cratera profunda. Este se tornou o covil do Deus, enquanto ele se recuperava das agruras de sua transposição. Por muito tempo, ele hibernou nos recessos essa grota escura, enquanto imóvel e silencioso foi tomando conhecimento dos seus arredores e das formas de vida aborígenes. Expandindo sua consciência, ele contatou os primitivos hominídeos que viviam nos arredores de sua toca e os atraiu com visões. Estes foram responsáveis por conceder a Rhan-Tegoth o alimento necessário para seu sustento. Sua força e vigor carecia de sangue e ele encontrou suficiente entre estas formas de vida simplórias.

Com o passar dos milênios, essa raça de hominídeos progrediu, dando origem a parentes distantes do homem que ocupavam degraus da cadeia evolutiva. Com maior capacidade intelectual, estes hominídeos fundaram o primeiro culto rudimentar de Rhan-Tegoth, devotando a ele total e irrestrita adoração. Esse povo viajava grandes distâncias até a cratera sagrada, onde deitava sacrifícios de animais e de membros das suas próprias tribos em honra do Deus que satisfeito, estendia seus tentáculos ávidos, para agarrar e arrastar o alimento tão necessário para sua nutrição.

Em contrapartida, a deidade lhes oferecia portentos de magia e profecias que lhes permitiram comungar em primeira mão com o saber profano do Mythos. Isso também permitiu que essa raça de ancestrais dos Inuit tivessem o primeiro contato com os ferozes Gnoph-Keh, os grandes predadores da tundra gelada. Os Gnoph-Keh também rendiam homenagem a Rhan-Tegoth e o tinham como um de seus deuses, ainda que venerassem primordialmente Itaqua, o Andarilho dos Ventos. Da interação entre proto-humanos e esses seres, podem ter surgido as bases para o sistema religioso xamanista dos povos do norte. Com certeza, muitos totens ancestrais erigidos pelos Inuit se dedicavam tanto aos Gnoph-Keh, quanto ao próprio Rhan-Tegoth.


O culto se espalhou pelo hemisfério norte da Terra, encontrando adeptos entre os membros de tribos isoladas no norte do Canadá, na Groenlândia e até mesmo tão longe quanto a Sibéria, além de é claro, manter-se no Alasca. Contudo, em algum momento, a adoração ao Grande Antigo começou a arrefecer e o culto entrou em franca decadência. É possível que a ruína tenha ocorrido após uma disputa com Itaqua que foi se tornando a divindade preponderante nessa região. Também se cogita a possibilidade de que os Gnoph-Keh tenham ganhado mais e mais importância, passando a ser vistos como semi-deuses pelas tribos Inuit mais isoladas. Enquanto isso, na Groenlândia, Tsathoggua também ganhava seguidores, sobretudo entre os povos que haviam tido contato com os degenerados voormis. Seja por qual motivo tenha ocorrido esse declínio, ele foi progressivo e em pouco tempo, as peregrinações de fiéis até o covil foram minguando. Sem a sua fonte de sustento principal - os sacrifícios, o Deus se viu forçado novamente a hibernar para suportar a carestia que lhe foi imposta.

Rhan-Tegoth foi quase que totalmente esquecido: a entrada de sua caverna sagrada ruiu ou foi deliberadamente ocultada por Xamãs Inuit. A maioria das tribos passou a considerar a criatura como um Demônio a ser temido. Os poucos que conheciam a lenda de Rhan-Tegoth e que ainda rendiam a ele homenagens eram tratados como hereges insanos. De fato, estes foram os primeiros Angakkuq, os feiticeiros proscritos e banidos, por ainda praticar rituais para o deus de seus ancestrais, principalmente quando a Aurora Boreal estava em seu ápice. Não há como saber se nesse período o Deus estava ciente de seus poucos cultistas remanescentes, mas é provável que eles continuassem a receber profecias e visões.

Em 1926, George Rogers um ocultista britânico e pesquisador dos Mythos de Cthulhu, após estudar antigos tomos de conhecimento esotérico, entre os quais o Necronomicon, os Manuscritos Pnakóticos e o Unausprachlichen Kulten, tomou conhecimento da lenda de Rhan-Tegoth. Depois de consultar  astrólogos e oráculos da misteriosa raça Tcho-Tcho, e possivelmente ter usado um método especial de meditação, conseguiu captar emanações mentais do próprio Rhan-Tegoth. Ele conseguiu traçar a localização aproximada da caverna em que o deus permanecia hibernando. Rogers usou seus recursos para organizar uma expedição até o local, seguindo o curso do Rio Noatak a partir de Fort Morton. Lá, sonhos e presságios o conduziram até a localização exata. Apesar do protesto de seus guias ele conseguiu acessar a caverna e em suas profundezas descobriu o deus em estado de torpor, sentado em um imenso trono de marfim.


Rogers conseguiu levar a criatura fossilizada para Londres à bordo de um cargueiro e o manteve nos subterrâneos de seu modesto museu de cera em Sheffield. As poucas pessoas que o viram acreditaram se tratar de uma grotesca estátua. Rogers proclamou a si próprio Alto Sacerdote de Rhan-Tegoth (o primeiro em milênios) e o serviu oferecendo pequenos sacrifícios que gradualmente ajudaram a romper seu estado de torpor. O ocultista pretendia usar o deus dormente para seus próprios intentos, mas seus planos foram frustrados pelo breve despertar da entidade que o consumiu.

Aparentemente esses sacrifícios não foram suficientes para devolver Rhan-Tegoth à vida. Pouco tempo depois, ele ressurgiu no Museu Real de Ontario, no Canadá, vendido como uma estátua pertencente ao Povo das Aleutas. Um ambicioso estudioso, Ph.D em história e mitologia Inuit declarou que a estátua era uma fraude e ela terminou guardada em um depósito por décadas até desaparecer. O paradeiro atual de Rhan-Tegoth é desconhecido, mas alguns acreditam que a criatura possa ter sido capturada por indivíduos que cientes de sua natureza, usaram algum método arcano para reanimá-la.

Descrever Rhan-Tegoth recorrendo a um vocabulário comum é tarefa quase impossível, pois nada nem remotamente semelhante existe na natureza, nem mesmo no reino da imaginação humana. Ele parece algo remotamente ligado aos vertebrados de nosso planeta, embora sua origem contrarie qualquer conceito terrestre. A criatura tem dimensões colossais, mas seu tamanho pode variar, dependendo de quando ele se alimentou pela última vez. Em sua plenitude, esse Grande Antigo pode atingir mais de 10 metros de altura, com uma massa de várias toneladas. Contudo, quando sujeito a privações, Rhan-Tegoth encolhe até metade de seu tamanho normal, parecendo uma massa pálida, ressequida e esquálida fundida ao trono no qual jaz acocorada.


A criatura possui um torso mais ou menos globular e bojudo de onde brotam seis membros sinuosos terminando em garras negras similares às de grandes caranguejos dos mares profundos. Estas abrem e fecham produzindo um ruído de estalido enervante. Na porção superior se projeta um segundo bojo carnudo que se funde a uma cabeça grande e medonha cujas laterais apresentam estruturas semelhantes a guelras. A pele tem uma coloração cinza-azulada e uma aparência rugosa de borracha. A cabeça chama atenção pela sua natureza incrivelmente alienígena, marcada por uma estrutura de três olhos rosados e vítreos. Uma probóscide musculosa surge do centro dessa face, como a tromba de um elefante. Esse órgão tem função táctil e se move de um lado para o outro, sondando o ambiente, possivelmente captando odores ou lendo assinaturas de calor. A criatura não possui uma cavidade bucal, no lugar desta, tem uma densa "barba" que um exame mais criterioso revela se tratar de centenas de tentáculos delgados ou aparelhos de sucção. Cada um destes tem o diâmetro de uma corda e possui na extremidade uma boca afunilada dotada de filamentos espinhosos. Para se alimentar, a criatura usa esses tentáculos que agarram e esfregam sua superfície áspera contra a vítima provocando sangramento. O sangue uma vez detectado é sugado rapidamente pelos tentáculos que agem como um sifão drenando rapidamente sua presa. Em poucos segundos, um homem adulto pode ser totalmente "esvaziado" de sangue e fluidos, o corpo transformado num saco murcho de pele e ossos. 

Rhan-Tegoth está sempre em busca de sustento e quando identifica uma vítima em potencial ataca com o intuito de se alimentar dela. Em sua ânsia por comida, ele não se importa de devorar aliados, cultistas ou qualquer um que estiver ao alcance de seus tentáculos vorazes. Por esse motivo, aqueles que lidam com a entidade costumam se aproximar dela apenas depois de lhe oferecer uma quantidade considerável de sacrifícios.


Esse Horror Ancestral raramente se move, ainda que possa fazê-lo se necessário, ele prefere se manter inerte a maior parte do tempo. Ele possui um tipo de trono colossal de marfim, esculpido provavelmente no passado remoto por cultistas que o ofereceram como presente. A criatura passa a maior parte do tempo sentada nesse enorme trono, com a tromba e os os tentáculos serpenteando de um lado para o outro. Eles parecem lentos, mas quando se projetam para o ataque, o fazem com a rapidez de uma áspide dando bote. É possível que os movimentos ritmados desses tentáculos provoquem um tipo de efeito hipnótico nas vítimas que se sentem incapazes de reagir a eles.  

Rhan-Tegoth se vale de projeções mentais e estabelece comunicação com seres humanos através de telepatia. Esta, no entanto, não é nada sútil. Aqueles que sofrem essa intrusão psíquica reportam uma sensação indescritível de repulsa à medida que suas mentes são inundadas de visões incompreensíveis de mundos e horrores inenarráveis. Ainda que absolutamente inumana, a mente da criatura parece ser especialmente maligna, cobiçosa e perversa.

Uma teoria controversa afirma que se Rhan-Tegoth for destruído os Grandes Antigos jamais poderão despertar. A destruição de uma entidade poderosa como Rhan-Tegoth, entretanto, parece estar muito além das habilidades da raça humana.

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O obscuro Grande Antigo Rhan-Tegoth fez sua primeira e única aparição no conto "O Horror no Museu" (The Horror in the Museum), escrito por H. P. Lovecraft trabalhando como Ghost-Writer para Hazel Heald em outubro de 1932. O conto foi publicado no ano seguinte com créditos apenas para Heald. 

Ela é uma das cinco histórias que Lovecraft revisou para Heald ao longo de sua carreira. A história foi reimpressa em várias coleções, como "The Horror in the Museum e Other Revisions".

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