Na imensidão dos desertos de gelo no extremo norte do planeta existem inúmeros perigos. O isolamento absoluto pode levar um homem à loucura, os ventos podem arrancar a pele de seus ossos e a temperatura congelante é capaz de matar em poucos minutos. Além do clima impiedoso, existem predadores vagando pela tundra, feras que se alimentam da carne dos homens para sobreviver ao ambiente hostil.
Mas se enganam aqueles que acreditam que estas são as maiores ameaças desse ambiente insalubre.
Em meio à vastidão espreitam coisas piores que os ursos polares e lobos das estepes. Mais ferozes e aterrorizantes que qualquer outro predador das planícies frígidas, eles são conhecidos como Gnoph-Keh. As tribos Inuit aprenderam a conhecer essas feras e temer seu nome, e tamanho é seu terror diante deles que evitam até mesmo repetir seu nome maldito, já que o vento pode carregar a palavra até eles e soar como um chamado. Nada é mais temido que essas feras, que põem tribos inteiras para fugir, abandonando tudo aquilo que não podem carregar. Quando um Gnoph-Keh reclama um território, nenhum caçador, por mais bravo que seja contesta seu direito, pois eles são tidos como as feras que caçam homens e almas em nome dos Deuses.
O mito está associado à várias lendas Inuit, sobretudo aquelas que envolvem Sedna, a cruel divindade dos mares e tempestades. Algumas versões assumem que Gnoph-Keh é o verdadeiro nome de Tuumbaq, a fera que serve Sedna, outros afirmam que os míticos Tupilaq, seriam crias deles. Mas a verdade é muito mais estranha e aterradora.
Os Gnoph-Keh são criaturas monstruosas dotadas de chifre e cobertas por uma grossa pelagem branca, andam por vezes em quatro patas, mas podem correr sobre seis. Alguns Inuit acreditam que existe apenas um Gnoph-Keh, mas eles são uma raça de seres abomináveis ligados intimamente ao Mythos. Não se sabe a origem de tais seres, mas muitos acreditam que eles não são nativos de nosso planeta, outros estudiosos dispõem que eles seriam oriundos de uma outra dimensão ou realidade. Fato é que os Gnoph-Keh não surgiram em nosso planeta como os demais seres da natureza, outrossim, foram invocados para cá através de poderosa feitiçaria.
Nos tempos da mítica Civilização da Hiperbórea, estas feras já eram conhecidos pelos sábios da capital resplandecente, Commorium, onde eram considerados como feras fabulosas. Mais de uma expedição de guerreiros que tentou caça-los falhou em seu intento, sendo aniquiladas pelas feras. Mesmo assim, na biblioteca da cidade existiam textos sagrados escritos na pele curtida desses monstros, enquanto seus chifres eram tidos como poderosos artefatos que guardavam propriedades mágicas, sendo por isso cobiçados por feiticeiros.
É possível que os primeiros Gnoph-Keh tenham sido trazidos para a Terra por xamãs que serviam o abominável Rham-Tegoth, proclamado Terror dos Hominídeos. Existe uma proximidade entre o Deus e as criaturas, sendo que estes podem muito bem render ao primeiro homenagem e devoção. As lendas Inuit atestam que Rham-Tegoth é capaz de invocar os Gnoph-Keh para agir em seu nome, sobretudo em missões de vingança e destruição. As tribos do passado remoto que habitavam o Alasca, norte do Canadá e a ilha da Groenlândia temiam desagradar ao Deus pois este poderia convocar uma caçada selvagem composta de feras de todo tipo, encabeçada pela mais temível de todas - o Gnoph-Keh.
Por milênios, os Gnoph-Keh serviram Rham-Tegoth fielmente, mas em determinado momento muitos deles passaram a servir outras divindade polar: Itaqua, o Wendigo. Esse cisma custou o posto do Terror dos Hominídeos como Deus mais importante da porção setentrional do planeta e arruinou seus planos de conquistar todo o hemisfério usando para isso seus aliados bestiais. Com efeito, as tribos Inuit também foram abandonando Rham-Tegoth que demandava inúmeros sacrifícios de seus cultistas e lhes devolvia muito pouco. O temor diante de Itaqua também pode ter causado essa debandada, já que o temido Wendigo podia estar em toda parte ao contrário de seu rival enterrado numa caverna de gelo. Seja qual for a razão, Rham-Tegoth teve sua área de influência gradualmente reduzida ao Alasca, enquanto o poder de Itaqua se espalhou pelo hemisfério norte do Canadá até Vladivostok como uma implacável nevasca.
Os Gnoph-Keh encontraram na Groenlândia seu território ideal, com alguns poucos reclamando territórios esparsos em Yukon, Nunavit e mais para ao leste, nas tundras siberianas até a costa do Mar de Bering. Estes passaram a ser considerados como avatares, reverenciados pelas tribos que habitavam seus territórios e lhes rendiam sacrifícios e direitos pleno sobre a caça. Navegadores nórdicos segundo algumas sagas avistaram essas feras ou ao menos tomaram conhecimento de sua existência através do contato com povos gronelandeses. Em tempos mais modernos, exploradores e antropólogos que visitaram regiões setentrionais encontraram nas planícies geladas grandes totens representando o que julgaram ser ursos demoníacos e criaturas da mitologia local. Na realidade, estes eram símbolos totêmicos de Gnoph-Keh, reverenciados coletivamente há gerações.
Uma expedição russa em 1858 supostamente encontrou e abateu um Gnoph-Keh no Vale da Baixa-Tunguska usando para isso artilharia pesada e até mesmo canhões. O enorme chifre e a pele da criatura, conhecida pelos nativos como o "Grande Deus Branco", foram presenteados ao Czar que condecorou o responsável pela caçada com a Ordem Imperial de Valor e Bravura. Outros encontros não foram tão bem sucedidos, uma outra Expedição Russa em 1866 nos arredores de Primorsky Krai, na fronteira com a atual Coréia foi totalmente destruída pela fúria de um Gnoph-Keh. Já no século XX, a Expedição americana Baldwin-Ziegler (1901) avistou e tentou capturar uma destas feras na Groenlândia, ao custo de boa parte de seus homens. Boatos persistem que a malfadada Expedição Franklin (1845) que buscava a Passagem Noroeste no Canadá pode ter sido destruída também por um destes monstros.
Um Gnoph-Keh se assemelha a um enorme mamífero, similar a um urso, mas dotado de três pares de membros musculosos. Ele é capaz de se mover em quatro ou seis patas, dependendo de sua necessidade de deslocamento, sendo obviamente mais rápido quando usando todos os pares simultaneamente. A velocidade de um Gnoph-Keh em linha reta pode atingir 70 quilômetros por hora, mais do que um rinoceronte negro. Essa velocidade é notável, sobretudo pelo tamanho da criatura. Um Gnoph-Keh adulto mede pelo menos 4 metros de comprimento e pesa mais de 800 quilos, é uma besta possante, quase um metro mais alta que o Urso Kodiak e consideravelmente mais forte. Há lendas sobre exemplares ainda maiores, mas tal coisa jamais foi corroborada. A criatura é totalmente coberta por um grosso cobertor de pelos ásperos de coloração branca-acinzentada. Essa pelagem densa garante a ele uma proteção considerável, potencializada pelo seu couro espesso. Apenas armas com grande poder de penetração conseguem atravessar essa carne rija, e mesmo assim, com boa parte de seu poder de impacto mitigado. Armas brancas dificilmente conseguiriam a proeza de ferir o monstro.
A criatura possui um chifre que mede entre 1,50 e 1,80 de comprimento e que é uma protuberância óssea pálida, brotando reta de seu focinho. Esse chifre agudo é usado como arma e pode trespassar um homem com facilidade causando ferimentos mortais com apenas um golpe. Tanto o chifre quanto as garras e presas são potencialmente letais dada a força brutal desses monstros titânicos. Os corpos destroçados das presas são devorados por essas bestas essencialmente carnívoras.
Ao contrário do que muitos podem cogitar, os Gnoph-Keh não são animais selvagens movidos por instinto primitivo. Ao contrário, são criaturas dotadas de inteligência, adeptas de caçadas pacientes e capazes de planejar emboscadas como nenhum outro predador da natureza. Eles usam o profundo conhecimento da geografia à seu favor. Outro detalhe importante à respeito dessas criaturas é que elas exercem uma espécie de controle sobre o clima polar, podendo invocar tempestades e nevascas localizadas. Além disso, eles conseguem afetar a temperatura ao seu redor, causando quedas acentuadas de temperatura que tornam insustentável para um ser humano suportar esse frio glacial. Uma das estratégias dos Gnoph-Keh envolve atrair suas presas cada vez mais para dentro de seu território e então imobilizá-las em uma área da qual não há escapatória, fuga ou esperança. A criatura pode decidir manter seus caçadores aprisionados ao longo de dias, desgastando e enfraquecendo-os até decidir atacá-los.
A acometida de um Gnoph-Keh é algo aterrorizante de se ver e pior ainda enfrentar. As muitas histórias sobre a legendária ferocidade dessas criaturas, são totalmente verdadeiras. A besta se move através da neve, tundra e geleiras, velozmente, sem ser bloqueada ou obstruída pelo gelo. De fato, é impressionante como uma criatura tão grande e pesada consegue ser furtiva à ponto de não ser percebida até ser tarde demais. Há teorias de que eles conseguem ficar virtualmente invisíveis na paisagem gelada, revelando sua presença apenas quando lhes interessa. O ataque tende a ser rápido e devastador: a besta avança atropelando suas vítimas e esmagando-as sob as suas potentes patas. Durante essa investida, ela se vale do seu chifre frontal para trespassar com a força de um aríete. Após o ataque surpresa, o Gnoph-Keh geralmente se equilibra sobre as patas traseiras adaptadas para sustentar seu corpo, enquanto isso luta com os quatro braços frontais. Sua tática lembra a de um enorme urso, com um alcance e força devastadoras. Garras, presas e chifre constituem suas armas favoritas e bastam uns poucos segundos para a fúria de um Gnoph-Keh deixar impresso na neve um rastro de sangue, morte e destruição.
Um ditado Inuit diz que o mundo treme quando o Gnoph-Keh investe contra suas presas, diz ainda que se um Deus quisesse ser um animal de carne, osso e sangue, sem dúvida escolheria ser o Predador da Tundra Gelada.
Gostei muito do texto devido a grande quantidade de informações sobre a criatura e gostaria de saber se posso utilizá-lo como base em um dos dos episódios do meu Podcast.
ResponderExcluirlore bem interesante. mesmo que seja mais headcanon/fanon, eu acho.
ResponderExcluirExcelente texto, bem detalhado, e com a agregação das gravuras o deixou bem imersivo. Minhas congratulações.
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