quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Ilha dos Homens Mortos - O Macabro Cemitério de Sheppey Isle


Histórias de horror transmitidas de geração em geração geralmente envolvem lugares misteriosos, malditos e aterrorizantes, em que parece brotar do próprio solo uma aura de indescritível pavor.

Muitas vezes essas histórias não passam de lendas exageradas que crescem como uma bola de neve, acumulando com o tempo rumores e boatos. Boa parte dessas narrativas também não podem ser verificadas ou confirmadas, sendo na melhor das hipóteses baseadas única e exclusivamente em disse me disse.

Há no entanto alguns lugares que confirmam as lendas a seu respeito e que se mostram mais reais do que podemos imaginar e desejamos conceber. São localidades tristes e perdidas, onde fantasmas cinzentos parecem ter deixado parte de sua matéria. E mesmo hoje, essa aura melancólica ainda pode ser sentida.

Um destes lugares fica na Inglaterra, mais especificamente na embocadura do Rio Swale, na Costa do Condado de Kent. Essa ponta de terra com pouco mais de 1,2 quilômetros de extensão recebeu o nome de Ilha de Sheppey, mas atende por um nome mais sinistro e bastante adequado: a Ilha dos Homens Mortos.

A história desse lugar abandonado, repleto de memórias amargas e um passado medonho, começa em meados do século XVIII.


Na época, a população das principais cidades da Inglaterra estava crescendo fora de controle. Os principais centros urbanos como Londres, Birminghan, Bristol e York, transbordavam com cada vez mais gente, atraídas para essas metrópoles pelas oportunidades de trabalho fornecidos pela Revolução Industrial. Infelizmente boa parte dessas pessoas não encontrava o tão almejado emprego e acabavam vivendo nas ruas ou em cortiços infectos. Muitos destes acabavam vivendo no submundo e realizavam pequenos crimes para sobreviver.

Na Inglaterra do século XVIII, as leis eram extremamente severas para com os cidadãos. Crimes relativamente pequenos como furto, vadiagem ou bebedeira podiam receber pesadas penas. Os legisladores britânicos acreditavam que a maneira mais eficiente de combater o crime era agir com dureza impondo penas cada vez mais pesadas aos transgressores. A situação chegou a tal ponto que roubar um pão podia ser punido com até quinze anos de prisão.

Com isso, criou-se um grande problema: onde colocar todos os condenados e como administrar uma população de prisioneiros cada vez maior?

Num primeiro momento, a Coroa Inglesa investiu pesado na Construção de imensos complexos prisionais para dar conta dos condenados, mas chegou um momento em que não havia lugar para todos. De fato, eram tantos detentos que não existia espaço físico para comportar tanta gente quem dirá alimentar, cuidar e confinar. Para piorar, as Guerras Napoleônicas e a Revolução Americana aumentaram ainda mais a demanda de instalações para colocar os prisioneiros feitos nas guerras.

Foi nesse momento que alguém teve a "brilhante" ideia de transformar navios em prisões. Os Prison Hulks eram basicamente grandes embarcações avariadas ou com problemas estruturais que deveriam ser desativadas. Ao invés disso alguém achou que poderiam ser convertidas em cadeias flutuantes até que o problema de super lotação das cadeias fosse resolvido de uma vez por todas. Desse modo, os Prison Hulks foram reformados, receberam grades, correntes e foram rebocados para áreas isoladas da costa. No papel parecia uma boa ideia, já que os internos ficariam confinados e não conseguiriam escapar. Um dos planos era fazer com que essas prisões reunissem os presos já que havia planos de enviar os condenados para as colônias mais distantes do Império.


Não demorou muito para as coisas darem errado, muito errado.

O grande problema é que mais uma vez a execução esbarrou em um grave problema: lotação e acomodações. Se as condições nas cadeias já não eram boas, imagine manter dezenas, às vezes centenas de homens em porões apertados de navios caindo aos pedaços. É claro, a Coroa Inglesa não estava propensa a gastar mais do que o necessário para acomodar prisioneiros, de modo que as condições à bordo dos Hulks eram austeras - para dizer o mínimo.

Os guardas reportavam que os prisioneiros tentavam se ajustar aos espaços, mas que por serem tão apertados os homens não conseguiam o mínimo de conforto. Eles tinham que dormir literalmente uns sobre os outros, além de comer e fazer suas necessidades no mesmo espaço. Não havia espaço para se exercitar ou para tomar sol. A luz do sol era vista apenas através de grades nas janelas que permitiam pouca circulação de ar. Enfim, imperava a violência, o desespero e a imundice à borda das Prisões Flutuantes.


Mas o pior era quando as costas britânicas eram açoitadas por fortes vendavais e tempestades que faziam os Prison Hulks serem jogados de um lado para o outro. Embora estivessem presos a pesadas âncoras, mesmo elas não impediam o movimento da embarcação o que causava enjoo, vertigem e confusão. Dizia-se que era necessário apenas alguns dias nas embarcações para deixar um homem completamente louco.

Charles Dickens chegou a mencionar o horror das Prisões Inglesas, aludindo que, embora horrendas, as condições nelas não eram nem sequer próximas do que se passava nos Prison Hulks.

Ok, tudo isso parece medonho, mas o que isso tem à ver com a Ilha dos Homens Mortos?

Bem digamos que a região ocidental da Inglaterra, mais especificamente a costa lamacenta de Kent, foi um dos lugares escolhidos para acomodar vários Prison Hulks. A Ilha de Sheppey foi escolhida para se tornar um ancoradouro para as prisões flutuantes. Elas foram rebocada até lá, colocadas lado a lado, presas com pesadas correntes formando pequenas cidades flutuantes.

Ao longo de quase uma década, um número desconhecido de prisioneiros foi transferido para esse lugar decrépito, algo entre 10 e 30 mil indivíduos, segundo estimativas, tornaram-se hóspedes desse inferno sobre as águas.


É claro que os prisioneiros não sobreviviam por muito tempo às condições insalubres dessas prisões. Havia um sistema de triagem para que nenhum homem ficasse mais do que um ano nesse lugar, contudo, muitos não completavam seu tempo e morriam antes.

Os administradores da Prisão começaram a transportar então os mortos para a enseada da Ilha Sheppey, um lugar encantador que passou a ser chamado de Baía dos Caixões. Os primeiros cadáveres eram transportados em caixões de madeira que eram depositados além da praia onde o terreno permitia sepultamentos, contudo, à medida que os mortos se multiplicavam na Cadeia Flutuante o espaço começou a ficar apertado e não havia mais onde colocar os cadáveres. Como resultado, eles passaram a ser colocados em um terreno arenoso onde o solo não era profundo o bastante. Além disso, faltavam caixões, então os mortos eram simplesmente envolvidos em tecido, enrolados em esteiras ou depositados em caixas.

Aos poucos a Ilha dos Homens Mortos começou a merecer o seu tétrico nome. Os cadáveres se multiplicavam em covas rasas comunitárias e bastava uma tempestade mais forte para que eles fossem desalojados e lançados ao mar. Não era estranho para os prisioneiros ter a visão de cadáveres boiando logo abaixo de suas celas. Em certos momentos, as praias ficavam repletas de corpos inchados e apodrecidos se empilhando na faixa lamacenta de areia. à noite a gordura dos corpos tornava-se fosforescente e os restos brilhavam com uma luz fantasmagórica. Gaivotas, caranguejos e outros animais marinhos se fartavam com a carne dos pobres diabos, disputando com bicos e garras seus restos mortais.


O fedor era tamanho que as pessoas no vilarejo pesqueiro de Queensborough, que ficava no outro extremo do estuário, viviam nauseadas. A situação se tornaria ainda mais grave quando as condições insalubres de saúde na Prisão causaram uma epidemia de cólera que matou centenas de prisioneiros. Com isso o já precário sistema de sepultamento da Ilha entrou em total colapso.

Por algum tempo os cadáveres foram amarrados a pesos e jogados no mar e cogitou-se queimar os mortos, mas finalmente as autoridades decidiram dar um basta naquele espetáculo grotesco. A solução não foi tão boa, já que ela contemplava deportar um número cada vez maior de apenados. A Austrália, a mais distante das possessões do Império Britânico se converteu em um destino comum para a maioria dessas pessoas.

Os Prison Hulks na região de Kent foram desativados e a frota de navios prisionais acabou sendo desmantelada naquela área. Contudo, ao longo da história, vários outros navios foram utilizados como confinamento. Até meados do século XX, sobretudo durante o auge da Segunda Guerra Mundial, a Inglaterra fez uso de embarcações transformadas em prisões.

Mas o que aconteceu com a Ilha dos Homens Mortos?


Nada, basicamente ela continua no mesmo lugar, uma testemunha silenciosa de tempos brutais. Os cadáveres abandonados naquela faixa de terra jamais foram removidos e muitos permanecem no mesmo local onde foram depositados sem cerimônia 200 anos atrás.

Por algum tempo, muitas pessoas esqueceram a história, mas recentemente ela retornou para saudá-los. O fluxo da maré e um processo cada vez mais acelerado de erosão, fez com que mais de 200 cadáveres, ossadas em sua maioria, fossem jogados ao mar e flutuassem da Ilha de Sheppey até as praias no outro lado do estuário. A visão chocou os ingleses e fez com que as pessoas ponderassem à respeito desse horrível capítulo de sua história.

Acima de tudo, temia-se que os cadáveres, muitos deles pertencentes a homens que morreram de doenças infecciosas pudessem espalhar doenças controladas há séculos. Muitos curiosos que desconheciam a história de Sheppey também rumaram para a Ilha afim de satisfazer sua sede de morbidez. Encontraram dezenas de covas rasas, caixões. algas e ossadas semienterradas brotando diretamente do lamaçal. Como definiu um desses visitantes "era como um jardim de ossadas espalhadas em todo canto, difícil até andar por lá sem pisar em algum osso".


As autoridades britânicas decidiram proibir a visitação da área e traçar um perímetro delimitando o acesso de pessoas não autorizadas. Arqueólogos e historiadores estão entre os únicos que receberam credenciais para escavar o local em busca de artefatos históricos. Há planos para remover as ossadas, catalogar cada uma e erguer um memorial no Centro da Ilha para onde os restos seriam transferidos, mas nada disso ainda foi feito.

Não há um consenso sobre quantos cadáveres ainda estão na Ilha dos Homens Mortos, mas alguns acreditam que possam ser mais de quatro mil.

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