Desde que as majestosas montanhas do Himalaia estão lá, elas sempre foram fonte para incríveis histórias sobre misteriosas criaturas. Parte central no folclore do Nepal e do norte da India; real para alguns, mito para outros, o Yeti, também conhecido como Abominável Homem das Neves possui uma lenda muito difundida.
Um monstro humanoide, gigantesco, coberto de pelos e dono de uma ferocidade incomparável. Ele se confunde com a paisagem gelada, desaparecendo nas escarpas e ravinas espreitando aqueles que ousam adentrar nos seus domínios. Ninguém realmente viu a criatura, ao menos ninguém que tenha conseguido provar sua existência como fato. Muitas vezes, no entanto, sua existência é presumida pela descoberta de enigmáticas pegadas deixadas na neve.
Um dos avistamentos mais sensacionais de pegadas de Yeti nos últimos tempos – que gerou bastante agitação nas mídias sociais – foi relatado pelo exército indiano em 19 de abril de 2019. Nele, as autoridades oficiais afirmavam que uma expedição militar de montanhismo havia visto e fotografado pegadas de um animal desconhecido medindo gigantescas 32x15 polegadas (aproximadamente 81cm de comprimento por 38 cm de largura).
O tweet emitido pelos militares indianos dizia:
"Pela primeira vez, uma equipe de montanhistas do Exército Indiano localizou pegadas da besta mítica 'Yeti' medindo 32x15 polegadas perto do acampamento base de Makalu em 09 de abril de 2019. Este ser indescritível foi avistado no Parque Nacional Makalu-Barun no ano passado".
Por sinal, foi o próprio Eric Shipton quem fotografou pela primeira vez pegadas reputadas ao Yeti em 1951, quando liderava uma expedição ao Everest. Shipton buscava possíveis rotas para chegar ao cume e esbarrou na descoberta fantástica. Na bacia de Menlung, a 5800 metros, sua expedição encontrou uma série de rastros de um bípede de grande porte. As pegadas desciam a geleira por cerca de uma milha e depois se perdiam. O colega montanhista de Shipton, Tom Bourdillon, escreveu na parte de baixo de uma das fotos: "Estou certo de que não é nenhum animal conhecido no Himalaia e que tem um tamanho considerável, bem maior que um homem"
Curiosamente, as fotografias compartilhadas pelo exército indiano mostram que as supostas pegadas do Yeti estão em linha reta, sem cambalear para a direita ou para a esquerda, como seria de esperar de um animal bípede. É quase como se o Yeti estivesse desfilando pelo terreno coberto de neve com desenvoltura incrível. As passadas, no entanto, são gigantescas, e as marcas na neve são profundas, indicando que ela foi feita por um enorme bípede, com mais de 250 quilos e cuja natureza permanece desconhecida.
Sempre que o tema das pegadas do Yeti surge em algum estudo, as pessoas supõem que de fato elas pertençam a Ursos Marrons do Himalaia. Estes animais embora raros, são bastante conhecidos por montanhistas e deixam pegadas bastante curiosas. Contudo, dessa vez, eles não parecem ter sido os responsáveis por tais rastros.
O primeiro ponto que devemos ter em mente é que ursos não são bípedes. Eles geralmente se locomovem sobre quatro patas, especialmente em encostas íngremes e cobertas de neve. Eles se levantam nas patas traseiras apenas para forragear ou se defender. Por outro lado, quase todas as pegadas registradas do Yeti foram fritas por um bípede. Além disso, as pegadas são muito maiores do que qualquer uma deixada por ursos. Os maiores de ursídeos, os Kodiak habitam o arquipélago de mesmo nome, no sudoeste do Alasca. O maior urso Kodiak registrado pesava 751 kg e tinha uma pata com 46 centímetros de comprimento. Ou seja, muito menor que os rastros achados em Makalu.
Não temos outra opção a não ser admitir que, se as pegadas gigantescas realmente foram deixadas por animal selvagem, este não é um animal conhecido pelo homem. Nesse caso, a teoria de que elas são do lendário Yeti, ganha força.
O povo Sherpa que vive nessa região isolada do mundo possui inúmeras lendas à respeito de animais espirituais e seres sobrenaturais habitando as montanhas desde os primórdios. Eles não estão preocupados com o ceticismo dos cientistas que consideram o Yeti como um mito. A existência da criatura, para eles, é um fato entrelaçado em seu folclore e faz parte de suas vidas. Os sherpas vivem principalmente da criação de iaques, do cultivo de batatas e liderando expedições de montanhismo nessas encostas traiçoeiras. Conhecem estas paisagens como a palma da mão e são, reconhecidamente os melhores guias da região.
Não faltam histórias sobre pegadas de Yeti achadas pelos sherpa nas encostas nevadas. Alguns relatam ter ouvido os peculiares assobios e ruídos guturais que o Yeti faz durante suas aventuras noturnas, ou ainda, sentiram seu odor corporal vil e pungente. Os sherpas descrevem o Yeti como uma besta semelhante a um macaco com cabeça cônica, mãos longas, rosto humano com nariz achatado, corpo coberto de cabelos avermelhados ou pretos (cobertos de neve por vezes). Embora ande ereto, às vezes é visto correndo pelas encostas das montanhas muito rapidamente usando as mãos e os pés.
Os sherpas acreditam que a razão pela qual o Yeti não pode ser visto regularmente é porque ele é um animal noturno. Qualquer montanhista poderá dizer seguramente que ninguém costuma se aventurar pelas montanhas depois do anoitecer e que fazê-lo pode ser um erro fatal. Além disso, é tido como mau presságio ver um Yeti. Aqueles que vislumbram a criatura estão fadados a sofrer um acidente ou morrer nas montanhas e por essa razão, costumam guardar para si a experiência. Muitos exploradores foram abandonados pelos seus próprios companheiros depois de relatar ter visto o monstro. Finalmente, o folclore dos povos que habitam essa parte do mundo afirma que o Yeti tem à sua disposição certos poderes sobrenaturais, entre os quais a faculdade de desaparecer à vontade e de fazer a spessoas esquecerem de tê-lo encontrado.
Há diferentes interpretações para o que ocorre quando uma pessoa encontra o Yeti. Se a criatura vir a pessoa primeiro, os Sherpas acreditam que ela lançará algum tipo de feitiço que impedirá o indivíduo de se mover. Então o Yeti irá devorá-lo.
Qualquer sherpa dirá que a única chance de escapar de um Yeti é correr ladeira abaixo, o mais rápido possível. Por vezes, o Yeti não seguirá a presa ou desistirá se esta correr sem olhar para traz. O contato visual no folclore sherpa irrita a criatura e faz com que ele veja o indivíduo como um inimigo em potencial. Um Yeti que inicia a perseguição se desloca com grande velocidade e geralmente consegue alcançar a presa. Ele pode também conjurar uma forte ventania que ergue a neve e cega a presa, dificultando sua fuga. Em geral, o Yeti não é hostil aos humanos e prefere apenas se defender. O melhor é deixar a criatura quieta; fazer de conta que não a viu e se afastar com calma, sem fazer movimentos bruscos, ao menos até estar longe o bastante para correr.
O Yeti se alimenta principalmente de pequena fauna, como sapos, pequenos ratos e lebres amplamente difundidos pelo Himalaia. No entanto, eles são conhecidos por atacar e matar iaques, que são grandes animais de tração. É possível que eles vejam esses animais como inimigos ou que seu tamanho avantajado cause uma sensação de desafio. Há muitas histórias sobre iaques sendo massacrados pelas garras e presas afiadas de Yetis raivosos. Os sherpas acreditam que expedições organizadas para capturar ou caçar o Yeti nunca darão frutos pois eles são dissimulados demais.
O que torna as pegadas do Yeti compartilhadas pelo exército indiano ainda mais interessantes é que, ela guardam semelhança com pegadas encontradas quase 80 anos atrás. Estas foram registradas pelo Major Bill Tilman em 1937, um dos primeiros aventureiros a explorar a região. Coube a ele apresentar ao ocidente a lenda do Yeti e inaugurar o nome pelo qual a criatura ganharia fama: "Abominável Homem das Neves".
O trecho de Tilman dizia:
“Enquanto contornamos o sopé entre duas geleiras alimentadoras, vimos na neve os rastros do Yeti, que os sherpas chamam de Abominável Homem das Neves. As pegadas tinham mais de 50 centímetros de comprimento. Elas haviam sido deixadas sobre a neve que caíra na semana e portanto tinham entre três e quatro dias. O mais notável era que elas estavam em linha reta uma atrás da outra, sem pender para direita ou esquerda, diferente do movimento natural de alguém que caminha sobre duas pernas."
Um animal de quatro patas caminhando lentamente se desloca colocando o sobrepé à frente e o antepé atrás, deixando marcas características de sobreposição. Isso ajuda a identificar vários tipos de ursos. No entanto, as pegadas vistas na neve não eram de um urso, ou assim disseram todos os especialistas que avaliaram as evidências. O animal também era pesado, com pegadas deixando sulcos com mais de vinte centímetros de profundidade. Essas informações tornavam a identidade do animal desconhecida e acentuavam o mistério à respeito dele. Ele não se movia como um urso, iaque ou qualquer outro animal da região.
Tillman registrou ter seguido o rastro por cerca de uma milha, quando eles desapareceram em uma formação rochosa. Os rastros vinham de um vale nevado, mais precisamente de um lago onde ele provavelmente havia bebido água. Na beira do lago haviam mais rastros evidenciando que um animal de grande porte havia se colocado na margem.
Os sherpas que acompanhavam Tillman julgaram que as pegadas pertenciam a um yeti. Explicaram ao Major, fascinado pelas histórias, que haviam duas espécies distintas de Yeti: a menor, cujo rastro eles haviam encontrado, que pertencia a um animal que se alimenta de homens, enquanto que o outro, maior se limita a uma dieta de iaques. A observação do explorador de que pretendia capturar o animal e levá-lo para a Inglaterra não caiu bem entre os sherpas. Eles consideraram as palavras como uma brincadeira de mau gosto e inoportuna, ainda que Tillman estivesse falando sério. Para os Sherpas tal coisa era como ir atrás de uma tragédia.
Quando o Major mencionou que estava falando sério, os sherpas que o acompanhavam declararam que não serviriam como guias para um propósito tão absurdo. Diante da postura dos guias tão necessários para o trabalho de campo, Tillman teve de desistir de seus planos, do contrário temia ser abandonado por eles. Ele retornaria outras tantas vezes à essas montanhas, sempre disposto a ver o Yeti, mas seus planos foram frustrados e ele (até onde se sabe) jamais encontrou ou viu a criatura.
É fascinante que as pegadas do Yeti vistas pelo Major Tillman, há mais de 80 anos, tenham uma correlação com as encontradas pela Expedição Militar Indiana em Makalu. A diferença mais significativa, dizia respeito ao tamanho delas, já que as de Makalu eram ainda maiores do que as vistas pelo Major Tillman. Se as pegadas vistas pelo Major Tillman eram da “variante menor” do Yeti, parece justo assumir que as pegadas em Makalu pertencem a “variante maior” que se alimenta de iaques.
O folclorista britânico Graham Hoyland, um especialista nas lendas do Himalaia estuda o mito do Yeti há mais de 20 anos. Com base em suas interações com aldeões em toda a cordilheira do Himalaia, de Arunachal Pradesh a Ladakh, ele atestou haver três tipos de Yeti:
O primeiro, e maior, é o aterrorizante dzu-teh, que tem 2,5 metros de altura quando está apoiado nas patas traseiras. Ele pode matar um iaque com um golpe de suas garras.
Há o menor, chu-the, uma criaturinha de cor avermelhada do tamanho de uma criança que anda sobre duas pernas e tem braços longos. Ele é visto nas florestas de Sikkim e em boa parte do Nepal.
Finalmente, há o meh-teh, que é mais parecido com um homem e tem pelos vermelho-alaranjados em seu corpo. Ele ataca os humanos e é o mais frequentemente retratado nas pinturas murais dos mosteiros. Yeti é uma mutação de seu nome. Ele se parece mais com a imagem que nós, ocidentais temos dos Yeti como o Abominável Monstro da Neves.
Com base na classificação de Hoyland, as pegadas de Makalu pertenceriam a um dzu-teh de 2,5 metros de altura, um espécime especialmente grande. Uma das histórias narradas por Hoyland fornece uma pista importante para entender a verdadeira natureza do Yeti a partir do contexto das tradições mitológicas da Ásia central.
Segundo ele, o primeiro relato ocidental de um "gigante selvagem" no Himalaia, foi feito por Brian Hodgson em 1832. Hodgson foi o primeiro residente britânico do Nepal e o primeiro inglês com permissão para visitar esta terra proibida. Ele escreveu em seu diário:
"Certa vez, meus guias ficaram alarmados nos arredores do Vale de Kachár com a aparição de um "gigante selvagem", possivelmente um ourang, mas duvido de sua precisão. Eles confundiram a criatura com um demônio ou raksha e fugiram dele apavorados em vez de atirar nele. A criatura se movia, diziam, ereto como um homem, era grande, coberto por longos cabelos escuros e não tinha cauda. Eles ficaram assustados e disseram que tal criatura possui poderes mágicos".
O fato de os atiradores nepaleses terem chamado o Yeti de “Rakshas” é curioso, pois os Rakshasas são parte importante de dois poemas épicos indianos, o Ramayana e o Mahabharata. Eles são geralmente descritos como seres noturnos demoníacos, de aparência feroz, alguns dos quais tratados como "devoradores de homens". Quando o mundo inteiro vai dormir, é quando eles emergem de seus covis e vagam pelas florestas em busca de presas. Eles têm corpos enormes cobertos de cabelos ruivos e são extremamente poderosos. Os humanos não são páreo para sua força. Eles habitam florestas densas e remotas e as encostas inacessíveis do Himalaia. Sua força e poderes de ilusão são dramaticamente ampliados próximo do crepúsculo – amanhecer e anoitecer – que é quando eles devem ser evitados a todo custo. Os Rakshasas podem usar seus poderes mágicos para desaparecer, voar pelo céu, assumir forma de animais e, em geral, usar ilusões para afetar a frágil mente humana.
O Mahabharata tem várias histórias sobre esses monstros devoradores de homens, mas as mais interessantes são aquelas que envolvem uma luta entre um Rakshas e o príncipe Bhima – que era um semideus e sem dúvida o homem mais forte do mundo de seu tempo.
"Certa vez, Bhima e seus irmãos estavam passando por uma densa floresta à noite, na qual morava um Rakshasa chamado Hidimva. Os irmãos de Bhima haviam adormecido enquanto ele ficava acordado para vigiá-los. Foi quando os Rakshas sentiram o cheiro de presas humanas, em sua floresta."
O texto continua:
"Possuído de grande energia e destreza, Hidimva era um cruel canibal com seus dentes longos e afiados. Ele estava sempre com fome e desejando carne humana. Seu corpo coberto de pelos grossos avermelhados, seus ombros largos com o pescoço grosso como o tronco de uma árvore; suas orelhas pontudas e olhos selvagens".
Depois de algumas reviravoltas na história, Bhima se envolve em um terrível combate corpo a corpo com o Rakshasa, os dois rolando no chão e lutando, emitindo rosnados altos e golpes devastadores. É neste ponto que o irmão mais novo de Bhima, Arjuna, acorda de seu sono e aconselha Bhima a matar o monstro antes que seus poderes de ilusão aumentem pouco antes do amanhecer.
Eventualmente, Bhima prevalece sobre o Rakshasa e o mata quebrando sua espinha com uma chave devastadora. É curioso pois em outro trecho, o Rakshasa é descrito como "um gigante enorme, muito forte, de olhos vermelhos, barba e cabelos ruivos. Um ser terrível de se ver, mais fera que homem.” Claramente, os monstros noturnos comedores de homens do Mahabharata estavam cobertos de cabelo ruivo, assim como a variante menor do Yeti Nepalês, o monstro que devora humanos.
O Mahabharata (na menos que o livro mais sagrado da India) também nos conta que os Rakshasas geralmente habitavam florestas densas, particularmente aquelas localizadas nas encostas remotas do Himalaia. Existem várias passagens no Mahabharata que confirmam isso. Por exemplo:
"O Himalaia é inacessível e está repleto de Rakshasas, procurando por presas. Eles vagam pelas montanhas, sempre famintos e cobiçando a carne dos homens."
O que podemos concluir desses relatos antigos é que o Yeti está intimamente ligado aos monstros assustadores dos épicos indianos chamados Rakshasas. Talvez eles sejam exatamente as mesmas criaturas.
Uma vez que a maioria dos cientistas e acadêmicos atualmente desprezem as lendas antigas como se fossem mera fantasia, nos encontramos em uma situação complicada em que não podemos explicar os numerosos avistamentos de seres estranhos e bizarros, como o Yeti, o Pé Grande, Sasquatch e outros. Ainda assim, as pistas e indícios de sua existência continuam surgindo nos recantos mais afastados do mundo. Talvez um dia possamos provar que eles são mais do que apenas lendas, mas por enquanto eles seguem habitando a fronteira entre o real e o imaginário.
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