terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

A Dama Desaparecida - O dia em que Agatha Christie sumiu sem deixar vestígio


Por anos seu nome foi sinônimo de suspense, mistério e assassinato. Por décadas ela foi a Rainha inquestionável dos romances policiais. Seus personagens, detetives e investigadores dedicados a provar a verdade e desvendar os mais intrincados casos, ganharam fama mundial.

Na Idade de Ouro das histórias de mistério, não havia nome mais conhecido do que o de Agatha Christie.

Contudo, nenhum mistério da ficção é tão intrigante quanto o desaparecimento da própria autora ocorrido em 1926. Um caso que permanece sem solução, mas que foi tratado com seriedade e como um acontecimento chocante em todo mundo.

Tudo teve início em uma fria manhã de dezembro quando a celebrada autora, então com 36 anos de idade desapareceu de sua propriedade em Sunningdale, condado de Berkshire. Christie sumiu repentinamente e embora tenha deixado um bilhete avisando que se aumentaria para desfrutar de férias, todos se surpreenderam com a atitude intempestiva. Uma espécie de workaholic, a criadora de Hércules Poirot, Miss Marple e outros personagens eternos, raramente abandonava sua rotina, ainda mais na véspera de concluir um de seus romances.

Se a sua estranha ausência já era uma surpresa, a descoberta de seu automóvel encontrado abandonado numa estrada, tornou tudo aquilo ainda mais complexo. O carro não havia sido simplesmente deixado de lado: a porta aberta, as luzes acesas e a capota baixada, mesmo em um dia chuvoso davam a ideia de que ela havia descartado o veículo.

Para tornar tudo ainda mais dramático, o carro estava numa estrada que levava até uma pedreira abandonada. O local já havia servido como palco para o suicídio de duas mulheres num espaço de seis meses. As duas se lançaram no vazio, vindo à despencar no fundo de um abismo com mais de 40 metros de altura. A preocupação era evidente.

As autoridades revistaram o interior do veiculo e lá estava um casaco de pele que pertencia a autora, sua licença de motorista e uma bolsa arrumada as pressas contendo roupas amassadas. Circulou o boato de que haveria ainda uma pistola de um único tiro, uma Lady Derringer, embalada em uma echarpe, mas tal informação não foi comprovada.


As manchetes na manhã seguinte estampavam a notícia de que Agatha Christie a escritora mais popular do mundo havia desaparecido.

Muitos suspeitaram imediatamente de crime.

As autoridades acreditavam que ela tivesse sido atraída por um criminoso sob falsas alegações, e uma vez levada até um lugar deserto teria sido sequestrada. Uma autora responsável por vários best sellers, sua fortuna pessoal era considerável, e isso poderia justificar o crime. Outros suspeitavam de assassinato, já que não havia sinal dos seus passos.

A maioria, no entanto, temia que a Sra. Christie pudesse ter cometido suicídio. Não era exatamente um segredo que seu casamento com o Coronel Archie Christie não ia bem e que ela dava sinais de depressão. Amigos próximos diziam que ela estava emocionalmente vulnerável considerando o divórcio.

Notícias sobre o desaparecimento de Christie se espalharam rapidamente e uma imensa caçada humana teve início. Mais de 1000 oficiais de polícia e 15 mil voluntários varreram a região enquanto equipes de mergulhadores e escaladores vasculhavam lagos e a pedreira. Até mesmo dois biplanos foram alugados para vasculhar os bosques do ar, a primeira vez que tal recurso foi empregado.

Até mesmo colegas de profissão se envolveram na busca. A autora Dorothy L. Sayers visitou a cena do crime e ofereceu seu auxilio e observações. Sir Arthur Conan Doyle foi outro que se manifestou pedindo um par de luvas que pertenciam a Christie e as entregando a uma médium na esperança de que o mundo espiritual pudesse auxiliar na resolução do mistério.


A medida que os dias passavam sem uma solução, o caso se transformou em uma Obsessão nacional.

Os ingleses estavam profundamente envolvidos em cada aspecto da investigação. O tema chegou a ser discutido no Parlamento e foi objeto de análise da Coroa britânica que chegou a cogitar oferecer uma recompensa por informações sobre sua ilustre súdita.

Alguns acreditavam que a Rainha do Crime estivesse morta. Mas se tal coisa havia acontecido, quem seria o responsável? 

Muitos suspeitavam do marido, o Coronel Archie Christie. O velho militar havia se envolvido em um caso amoroso com uma jovem chamada Nancy Neele, e nao havia feito qualquer tentativa de esconder a relacao de sua esposa. No dia do desaparecimento, o casal havia discutido asperamente e Archie teria dito que passaria o final de semana com sua amante.

Agatha Christie ficaria desaparecida por 11 longos dias. Entao, em 14 de dezembro ela finalmente foi encontrada - nao em uma cova rasa, mas em uma estância hidroterápica em Harrogate. Um músico que também era hóspede a viu e reconheceu seu rosto. Estranhamente, Agatha havia se registrado no spa com o nome Theresa Neele e dado como referência a Cidade do Cabo, na África do Sul. Ela havia tomado emprestado o sobrenome da amante do marido.


A reviravolta terminou chocando o público. Alguns furiosamente creditaram o ocorrido a um golpe de publicidade, sobretudo por conta do romance "O Assassinato de Roger Ackroyd" que estava sendo lançado. Outros resumiam o incidente a uma tentativa bizarra de ensinar ao marido uma lição. 

Mas alguns sugeriam algo mais sinistro - depressão suicida, golpe de seguro ou um esperto esquema para incriminar Archie e sua amante.

A própria Christie falou muito pouco sobre o desaparecimento. Ela se negava a discutir o assunto em entrevistas e o bizarro episódio não aparece em sua autobiografia. 

Para alguns amigos íntimos o episódio seria ainda mais estranho, em especial para uma misteriosa fonte anônima que ofereceu uma história incomum para os tabloides da época. Segundo a sua versão do ocorrido, Agatha Christie não teria apenas se registrado em um Hotel para terapia, mas sim, desaparecido em uma outra realidade - um tipo de dimensão paralela.

A autora teria revelado para essa confidente uma história incrível e surpreendente. Seu interesse ao deixar a casa intempestivamente era realmente se afastar do marido infiel e se esconder do mundo. Ela teria contemplado cometer suicídio, o que a levou a pegar a estrada que levava até a famosa pedreira abandonada. No caminho, segundo ela teria narrado para a confidente, algo estranho aconteceu e ela sentiu uma forte vertigem acompanhada de uma sensação de confusão mental.

Nessas condições, ela teria deixado o automóvel e vagado pelo bosque sem rumo, sendo encontrada por um casal, Leslie e Albert Bunnian que a levaram para casa e prestaram socorros. Após dormir e descansar por quase 48 horas, ela agradeceu ao casal que gentilmente disse que a levaria até Sunningdale onde ela residia. Estranhamente os Bunnian não conheciam a famosa autora, mas o mais estranho viria a seguir. Albert começou a comentar sobre estranhos acontecimentos que não eram inteiramente incomuns, mas que demonstravam pequenas discrepâncias - por exemplo, ele assegurava que a Grande Guerra tinha durado até 1921 e não 1918. Afirmava que o Primeiro Ministro Britânico era outro, que o Império estava enfrentando uma questão delicada na sua colônia da Índia com um sangrenta revolta e que uma nova Guerra, contra a Alemanha, era vista como certa.


Apesar de estranho, o que aconteceu a seguir é que realmente deixou a Sra. Christie em choque: Ao chegar em Sunningdale ela descobriu que a casa onde afirmava residir pertencia a outra pessoa, e que segundo o morador, a propriedade estivera em nome de sua família nos últimos 40 anos. Depois disso, ela ficou hospedada mais alguns dias na Casa dos Bunnian, vindo a encontrar uma série de outras pequenas incongruências no mundo que parecia estranhamente deslocado. O Canadá estava em um processo de separação do Reino Unido, a Itália havia lançado uma ofensiva bem sucedida contra o norte da África e a Liga das Nações havia criado uma delegação para tratar de conflitos em larga escala. Além disso, uma linha de aviões fazia o transporte ligando Europa e América (algo que não aconteceria até 1935), um explorador do qual ela jamais ouvira falar conquistava a Antártida e estranhas descobertas arqueológicas eram realizadas no Egito (algo que só começaria em 1930).

De forma muito curiosa, o mundo que surgia diante dos olhos de Agatha Christie não era exatamente o mundo que ela conhecia. Era como se ele fosse muito parecido, mas alguns pequenos detalhes tornavam tudo diferente, sobretudo no que dizia respeito a datas e figuras históricas. Nesse mundo alternativo, Agatha Christie jamais havia escrito um livro sequer e seu marido não vivia na Inglaterra, e sim numa colônia do Oriente Médio.

Agatha ficou na companhia dos Bunnian por alguns dias, lendo jornais, livros e enciclopédias que traziam notícias e informações estranhas que não se encaixavam na história que ela conhecia. Finalmente, certa manhã ela se recorda de ter despertado no Hotel Hidroterápico, como hóspede registrada lá sob nome falso.

A estranha narrativa, publicada em um jornal em maio de 1926 recebeu pouca importância. O público que havia passado dias grudados em boletins de rádio e jornais, à espera de notícias sobre o paradeiro de Agatha Christie perdeu momentaneamente o interesse por ela. Demorou até ela reconquistar seu prestígio como grande escritora que era. Algumas pessoas se perguntaram quem seria o estranho casal que deu a ela guarida por alguns dias, mas ninguém jamais soube ao certo quem eram e mesmo se eles existiam.


Curiosamente, Agatha Christie apenas aceitou falar sobre seu curioso desparecimento em uma entrevista prestada em 1959. Ela mencionou um misterioso estado de sonho consciente, ou transe, do qual se recordava muito pouco. Posteriormente ela assumiu uma identidade totalmente nova: "Durante 48 horas eu vaguei em um estado de sonho, e então me encontrei em Harrogate como uma mulher feliz que acreditava ter acabado de chegar da África do Sul."

Sobre os boatos envolvendo sua experiência dimensional, ela não quis tecer comentários, e apenas reconheceu que lembrava bem pouco do que havia ocorrido nos onze dias nos quais esteve desaparecida.

O que podemos tirar dessa confusa história? O que teria acontecido com uma das mulheres mais famosas de seu tempo? Ela teria cogitado suicídio? Seu estado de confusão mental teriam criado um tipo de lapso de memória? E o que dizer de sua alegada história confidenciada para uma amiga que permaneceu anônima? Haveria algum fundo de verdade na teoria sobre sua viagem para outra realidade? Ou tudo não passou de um colapso?

O Caso do Desaparecimento da Dama do Mistério permanece como uma curiosidade de outra época e uma estranha narrativa da qual, a verdade provavelmente jamais saberemos.

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