Ocupando uma área remota do norte da Itália encontramos uma formação rochosa, repleta de ravinas e despenhadeiros naturais que formam uma série de cavernas. Esse lugar há séculos desafia a imaginação das pessoas, afastando os supersticiosos com lendas e mitos aterrorizantes.
Não é por acaso que ela recebeu um nome igualmente macabro: Dolina dell’Inferno, ou Escoadouro do Inferno. O nome é mais do que merecido, uma vez que o terreno inteiro é pontilhado por grutas escuras, grotas que nunca foram iluminadas e cavernas que se estendem pelo interior da terra. A pedra porosa e escura forma estruturas estranhas que se assemelham a algo incomodamente orgânico, como se tivesse sido gerado em outro planeta. Esses túneis escuros vão serpenteando rocha adentro levando a câmaras e grutas que ate hoje não foram inteiramente exploradas. Há túneis estreitos que mal permitem a passagem de um adulto rastejando, áreas dominadas por cristais de rocha afiados como navalha e câmaras que tendem a se inundar pela ação de lençóis freáticos.
A exploração desse complexo é extremamente difícil e não foram poucos os que se perderam e jamais conseguiram encontrar o caminho de volta para a superfície. Mesmo exploradores experientes como o famoso espeleologista francês Marcel Loubens acabou vencido pelas cavernas no final do se ulo XIX e perdeu sua vida naquele interior insalubre.
O corpo se Loubens, que pretendia mapear o interior da caverna nunca foi recuperado. Em sua homenagem, uma área central do complexo subterraneo recebeu seu nome. Localizado a 85 pés abaixo do nível do mar, a câmara é de difícil acesso mesmo para exploradores calejados. Loubens esteve nessas passagens pois foi ali que uma mochila pertencente a ele foi achada durante as buscas.
Uma das razões pelas quais essa área em especial é tão perigosa tem relação direta com o nome pelo qual ela é conhecida. Os antigos a chamavam de Meandro della cattiveria, ou, o Labirinto Malicioso. O nome pouco convidativo decorre do fato da geografia interna nos túneis e passagens se alterar de tempos em tempos, decorrente de deslizamentos e tremores de terra que ao mesmo tempo em que abrem passagens, fecham outras. Um explorador, mesmo que tenha um mapa, poderá se perder nesse labirinto e não encontrar a saída por conta de um deslizamento repentino. Quanto mais fundo se avança, mais o panorama parece diferente: a configuração do labirinto pode ser alterada fazendo com que seja extremamente difícil se guiar através desse subterrâneo. Para piorar, o tipo de rocha porosa tende a se desintegrar, lançando no ar partículas de uma poeira muito fina que uma vez aspirada dificilmente deixa o pulmão. Essa poeira é tão fina quanto talco e pode causar problemas respiratórios crônicos se aspirada em grande quantidade. Quando ocorre um deslizamento essa poeira domina as câmaras reduzindo a visibilidade e tornando muito difícil se guiar através delas.
Apesar das autoridades no norte da Itália desaconselharem a descida às cavernas Dolina dell’Inferno, ela ainda é um local popular para aventureiros interessados em desafiar seus perigos. E os perigos se multiplicam no interior insalubre do Labirinto Malicioso.
Em 1998, um grupo composto de quatro exploradores italianos se perdeu no interior da caverna e passou 7 dias desaparecido. Os homens, todos com experiência em cavernas, simplesmente não conseguiam encontrar a rota que os levaria de volta à superfície. Um tremor de terra fez com que uma passagem que seria usada por eles se fechasse o que os obrigou a buscar outra saída. Em meio a poeira, sua situação foi desesperadora, mas grupos de resgate conseguiram retirá-los. Em 2007 outro grupo, dessa vez de croatas, se perdeu na caverna e um deles sofreu um grave acidente no qual quebrou a perna. A operação para retirar o ferido da caverna foi realmente complexa.
Mais recentemente, em 2015, um grupo de exploradores da Universidade de Milão, usando aparelhos modernos de GPS e mapeamento digital atingiram um novo recorde de descida nas cavernas avançando por túneis até uma profundidade de 350 metros. Mapearam passagens até então desconhecidas e fizeram uma descoberta sinistra na escuridão absoluta.
O grupo de exploradores estava avançando lentamente por um poço vertical que mal permitia a passagem de uma pessoa, quando atingiram uma saliência natural na qual uma visão macabra os esperava. Sobre essa pequena plataforma rochosa, no meio deste remoto sistema de cavernas estava um crânio humano olhando para eles através de suas órbitas vazias. O crânio estava virado para cima e sem o maxilar, mas fora isso parecia estar notavelmente bem preservado. O fato de ter sido encontrado naquela saliência, em um local que não poderia ser alcançado sem equipamento de escalada especializado era bastante estranho, mas o que tornava ainda mais bizarro era que não havia outros restos humanos por perto, nenhum vestígio de quem poderia ter colocado a caveira ali. Para todos os efeitos havia apenas aquela caveira solitária deixada por alguém no escuro.
As perguntas do grupo eram muitas: De onde veio esse crânio misterioso? Como tinha chegado àquela saliência quase inacessível? Por que estava lá e há quanto tempo? Onde estava o restante dos ossos? Ninguém sabia!
Os exploradores o deixaram onde estava e começaram a contatar especialistas para informá-los sobre sua descoberta. Em 2017, uma expedição de arqueólogos foi enviada para recuperar o crânio e, após uma jornada angustiante por passagens estreitas claustrofóbicas serpenteando pelas entranhas da terra, eles conseguiram escalar o poço e coletar o crânio misterioso. Mas ao invés de respostas, eles esbarraram em ainda mais perguntas.
O crânio foi enviado à Universidade de Bolonha para análise e descobriu-se que era de uma mulher de 20 ou 30 anos e que tinha cerca de 5.300 anos de idade. Outros detalhes também foram obtidos do crânio, como o fato de que a mulher sofria de anemia crônica, estresse metabólico e também parecia ter um distúrbio endócrino. Além de tudo isso, o crânio parecia ter recebido uma aplicação de tintura ocre, algo feito com intuito de preservação em ritos funerários primitivos. Os médicos forenses também determinaram a existência de alguns arranhões e marcas de corte que são consistentes com a remoção da carne, sugerindo que a pele macia da pessoa, os tecidos, foram removidos com uma ferramenta afiada. Considerando que não havia sinal de cicatrização, foi determinado que isso foi feito após a morte, possivelmente como algum tipo de ritual.
Descarnar cadáveres era uma prática pré-histórica relativamente comum que remonta aos neandertais. O objetivo era preservar uma parte do corpo, em geral uma prática reservada para pessoas importantes para o restante do clã. Acreditava-se que a cabeça podia ser removida do corpo ritualisticamente. A antropóloga Alessia Zielo, da Universidade de Pádua, explicou:
"Nas culturas primitivas, a cabeça era considerada a sede da alma, que continha a força vital e que possuía qualidades extraordinárias. Era também o símbolo profundo de um poder intimamente ligado aos conceitos de vida, morte e fertilidade. Além disso, após a morte, a manipulação dos crânios demostra que os restos mortais do falecido continuavam a desempenhar um papel importante na vida da comunidade a que pertenciam."
Os estudiosos sabiam a quem pertencia o crânio e que provavelmente havia sido removido e a carne retirada como parte de algum tipo de ritual de morte, mas a pergunta que pairava sobre a cabeça de todos era como ele havia chegado aquele local na caverna. Por um tempo, isso intrigou os cientistas. Devido à sua idade, seria impossível que o crânio pudesse ter ido parar onde foi encontrado no fundo daquele sistema traiçoeiro de cavernas levado por alguém. Os povos antigos não teriam o equipamento necessário para acessar aquele local. Simplesmente não havia contexto arqueológico para ele estar ali, e era como se tivesse acabado de se materializar do nada.
Claro, deveria haver uma explicação científica para explicar como ele havia chegado ali. Depois de muitos estudos e discussão, uma equipe liderada pela arqueóloga Maria Giovanna Belcastro, conseguiu montar um cenário provável para o que poderia ter acontecido.
De acordo com a equipe de Belcastro, a mulher provavelmente viveu na área, era alguém importante, uma mística, uma parteira ou uma matriarca respeitada pelo seu clã. Após sua morte, seu corpo foi preparado em um ritual que envolvia a remoção da carne, decapitação e provavelmente o desmembramento. Depois disso, especula-se que a cabeça desencarnada foi levada para o sistema de cavernas. As cavernas deveriam constituir um grande mistério para os povos primitivos, um lugar de grande superstição e onde as cerimônias mais sagradas eram conduzidas pois ali acreditavam que os deuses ou espíritos residiam.
Então o crânio pode ter caído em uma fissura surgida após um terremoto ou por um deslizamento de terra, ou quem sabe ainda, uma torrente de água que o carregou. Considerando que os túneis e passagens foram de fato formados pela erosão natural, e estão sujeitos a frequentes movimentos causados por cursos de água, acredita-se que ao longo dos milênios o crânio foi caindo ao longo dos túneis e passagens conduzidos por cursos de água e outros processos geológicos ativos. Após o que, veio a descansar naquela saliência para ser encontrado 5.300 anos mais tarde. Mesmo os pesquisadores não têm certeza se essa é realmente a explicação correta, mas parece ser o cenário mais plausível até agora.
O que aconteceu com essa mulher antiga e sem nome e como sua cabeça acabou empoleirada em uma saliência esquecida em algum labirinto subterrâneo de cavernas? Foi realmente obra da água e dos processos geológicos ou foi outra coisa? Ninguém pode dizer que outras surpresas o Labirinto Malicioso guarda em suas profundezas insondáveis.
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