Bem, True Detective finalmente chegou ao fim.
Por seis semanas, os espectadores não conseguiram desgrudar os olhos do que acontecia na trama tentando encontrar uma solução para o mistério. Quem matou a ativista inuit Annie K? Em que circunstâncias ocorreram as mortes dos cientistas da estação científica TSALAL? Estariam esses dois crimes bárbaros de alguma forma conectados? E qual a relação dos acontecimentos ocorridos no Alasca com os assassinatos na Louisiana? Estaria tudo conectado? Haveria algum nexo causal entre as mortes cometidas pelo maníaco devoto do Rei Amarelo nos pântanos do sul dos Estados Unidos e os incidentes na gelada Ennis?
A showrunner Issa López se debruçou sobre a história original, de longe a mais bem sucedida da série. Ela buscou na primeira temporada elementos interessantes para atrair o público e criar um mistério instigante. Desde o primeiro capítulo, a quarta temporada de True Detective lançou perguntas difíceis de serem respondidas e um enigma embalado por cenas onde o sobrenatural parecia dominar a história. Eram muitos elementos inexplicáveis, desde fantasmas e espíritos inquietos, passando por visões e premonições bizarras, até uma presença espreitando - Ela.
Amparado por um elenco de primeira grandeza, onde se destaca a brilhante Jodie Foster, Terra Noturna começou acertando em cheio no alvo. Crítica e audiência foram unânimes, aplaudindo essa reinvenção do suspense investigativo e procedimental. As terríveis mortes nos forçavam a questionar o que estaria acontecendo. Muito espertamente, o roteiro foi colocando alguns easter eggs aqui e ali, supostamente remetendo a primeira temporada: o pai de Rustin Cohle visto como fantasma, o envolvimento da Família Tuttle e é claro, o Símbolo de Espiral estavam lá novamente. Elementos que os fãs pescavam nas entrelinhas, frases no contexto exato e referências apareciam em todo canto, movimentando as suspeitas.
Por seis semanas, acompanhamos os episódios fazendo recapitulações dos fatos, levantando hipóteses e apostando em um determinado caminho para a conclusão. É inegável que True Detective: Terra Noturna criou algo que fazia tempo, nenhuma série conseguia - gerou enorme repercussão e interesse.
Com tantos mistérios, um dos grandes receios dos fãs era que nem todas perguntas fossem respondidas à contento. Nada pior para uma trama de mistério do que lacunas sendo deixadas abertas.
Bem, True Detective chegou a sua inevitável conclusão e esta dividiu opiniões.
Sim, foram oferecidas explicações para os crimes cometidos e a história teve um fechamento, contudo essas soluções deixaram um gosto amargo de decepção. Se a série conseguiu ser brilhante até o penúltimo episódio, justamente no derradeiro capítulo a coisa degringolou. Para usar uma analogia polar, o trenó de neve saiu da pista, capotou, explodiu e ainda foi soterrado por uma avalanche.
Infelizmente no episódio onde tudo é resolvido, aquela que, até então, vinha sendo uma temporada brilhante que muitos até comparavam com a notável primeira perdeu o rumo. Eu escrevo isso chateado, não apenas por ter ficado frustrado com a conclusão, mas pela sensação de que a série perdeu uma ótima oportunidade de ser grandiosa.
Na minha opinião foram três os pecados capitais do derradeiro episódio de True Detective - Terra Noturna: ele força demais a conclusão, pede para acreditarmos em coisas pouco plausíveis e recorre a saltos de lógica enormes para corroborar os incidentes. A sensação é que foram dadas as peças finais para montar o quebra-cabeças, mas as peças para encaixar precisam ser aparadas, cortadas e marteladas no lugar. Como consequência, a imagem final, é pouco satisfatória, não fecha direito.
A seguir eu vou fazer um recap do episódio, é claro, mergulhando em um mar de SPOILERS. Aqueles que ainda não assistiram a série e seu final devem parar de ler nesse momento. Apenas um disclaimer: eu não sou o dono da verdade, essa resenha é minha opinião e se alguns divergem dela e gostaram do final, fico feliz por eles... não estou escrevendo esse recap para criar polêmica ou fazer uma crítica demolidora de uma conclusão que alguns podem ter gostado (apesar do final). Sendo totalmente franco, eu adoraria ter gostado do final, mas achei ele desastroso, pelos motivos que irei explicar em seguida.
Então vamos lá?
1 - O Túnel de Gelo
No empolgante episódio 5, as Detetives se aproximaram da verdade convencendo Otis Heiss a acompanhá-las até as famigeradas cavernas de gelo onde Annie K havia sido assassinada. Encontrando a cena do crime, elas esperavam obter a pista decisiva para entender o que aconteceu e quem sabe desvendar o restante do caso.
Com a morte de Heiss baleado por Hank Prior, e a a surpreendente morte deste nas mãos do próprio filho, Pete, a coisa parecia cada vez mais complicada. Danvers e Navarro decidem ir por conta própria vasculhar as cavernas de gelo que as tribos Inuit chamam de "Terra Noturna" e cujas entradas são marcadas com o misterioso símbolo em espiral. Uma busca rápida em um dos lugares previamente assinalados por Heiss num mapa revela a entrada para os túneis. As duas detetives decidem ir até lá por conta própria ignorando o alertas de perigo de desmoronamento dessas cavernas.
No fim das contas, encontrar a entrada para a Terra da Noite nem era algo tão complicado, já que as detetives localizam a entrada mesmo em meio a uma forte nevasca. Alguns golpes de picareta revelam o acesso ao vasto complexo de Cavernas de Gelo pontuado de fósseis de baleia arranjados no formato de espirais. Um lugar sinistro sem dúvida! O lugar se mostra um labirinto, mas as detetives contando com a sorte e com vozes que parecem guiar Navarro acabam caindo em uma câmara mais abaixo onde encontram equipamento usado para perfuração. Danvers inclusive percebe uma broca com a ponta em formato e estrela que sugere ter sido a arma usada para matar Annie K.
Tudo indica que aquela caverna foi onde Annie K viveu seus últimos momentos e onde encontrou seu destino. Enquanto investigam o local as detetives são surpreendidas por ninguém menos do que Raymond Clark em carne e osso.
2 - Enfim, o elusivo Sr. Clark
No episódio dois ficamos sabendo que Raymond Clark não estava no meio do Picolé de Cadáveres que um dia foram seus companheiros de pesquisa na Estação TSALAL. Clark estava desaparecido e se tornou um dos suspeitos mais convenientes da trama.
As detetives haviam descoberto que Clark não apenas se comportava de uma maneira bizarra como havia estabelecido um relacionamento secreto com Annie K. Relacionamento esse restrito a encontros amorosos num motor-home coberto de fotos, frases estranhas escritas nas paredes e símbolos bizarros - inclusive, a Espiral.
Clark estava sumido e ninguém sabia de seu paradeiro. A polícia de Ennis o procurava há dias e a melhor pista havia sido sussurrada por Otis Heiss que afirmou categoricamente que Clark estava escondido na Terra da Noite. Quem diria, Heiss estava certo!
Infelizmente assim que as detetives o encontram, Clark decide correr. Durante a perseguição Danvers e Navarro acabam se separando e são levadas até uma estranha escada que por sua vez conduz até uma escotilha no interior da Estação TSALAL (!!!)
Ninguém sabia da existência dessa escotilha. Clark a havia utilizado para se esconder bem debaixo do nariz da polícia que o procurou inutilmente nas últimas semanas. Clark consegue prender Danvers em uma sala, a obrigando a quebrar uma vidraça para escapar. A essa altura ele havia golpeado Navarro com um extintor de incêndio, mas a patrulheira logo se recupera e nocauteia Clark e tem que ser contida por Liz para não matá-lo.
Conforme esperado Clark não fala coisa com coisa... está completamente delirante e Navarro decide amarra-lo e obrigá-lo a ouvir os gritos de horror de Annie K quando esta foi assassinada. Enquanto o sujeito se desespera, as detetives aproveitam para conversar já que a nevasca as impede de deixar a instalação.
3 - A Verdade sobre a Morte de Annie K
Até esse momento, o episódio vinha bem e ainda parecia promissor. O primeiro escorregão vem justamente quando a verdade sobre a morte de Annie K é revelada por Clark quando interrogado pelas detetives.
O sujeito conta que o objetivo de TSALAL era encontrar os fósseis de raros micro-organismos que poderiam auxiliar na obtenção de DNA que curaria uma infinidade de doenças. Clark revela que os cientistas haviam tido sucesso em sua busca e que estavam prestes a recuperar as tão cobiçadas amostras. Para isso, contavam com uma ajuda inesperada. Já era de nosso conhecimento que a Mina Silver Sky estava trabalhando junto com TSALAL, e que ambas pertenciam a famigerada Família Tuttle. Os altos índices de poluentes criados pela Silver Sky tinham, afinal de contas um objetivo. A poluição servia para amolecer a Permafrost e permitir que o trabalho dos cientistas avançasse. Ou seja, sem produzir 11 vezes mais poluição do que o normal, eles não conseguiriam chegar ao seu objetivo. Os fins justificariam os meios, ou ao menos era nisso que os cientistas acreditavam.
[Não vou entrar no mérito desse método para chegar até as amostras, mas me parece algo absurdo. Embora perfurar a crosta gelada da permafrost seja uma tarefa realmente complexa, um dos maiores desafios para esse tipo de prospecção envolve preservar a pureza das amostras. Se os níveis de poluentes foram aumentados tão drasticamente, é óbvio que as amostras acabariam comprometidas. Bastava pesquisar um pouco para saber que esse método é uma tremenda furada. Mas enfim...]
Annie K aparentemente descobriu essas informações quando estava namorando com Clark e conseguiu acesso aos túneis de gelo em que a extração das amostras acontecia secretamente. Na câmara exatamente abaixo de TSALAL Anne descobre as provas e furiosa com a revelação começa a arrebentar tudo destruindo anos de trabalho. Nesse momento a coisa começa a ficar forçada, e o roteiro pede que o espectador acredite em eventos bem pouco plausíveis.
Primeiro: a presença de Annie é descoberta por Anders Lund, diretor do TSALAL, que não fica nada satisfeito com a presença da ativista no túnel, ainda mais destruindo seu precioso equipamento. Ele imediatamente tenta agarrá-la, mas Annie consegue afastá-lo usando um braço robô (que era essencial para a coleta das amostras). Ela usa o braço como arma afastando Lund momentaneamente, mas ele acaba conseguindo imobilizá-la e feri-la. Os gritos terminam por atrair os demais cientistas da estação que se deparam com a cena de uma mulher ferida e do diretor já a dominando.
Segundo: Embora Annie estivesse contida, ela ainda resistia. Nesse momento o roteiro força mais uma vez as coisas já que os demais cientistas acabam se juntando a Lund em um verdadeiro linchamento da mulher, com direito a espancamento, surra e punhaladas com as infames brocas com ponta em forma de estrela. 32 punhadas!!! Me parece incrivelmente exagerado querer do público que aceite que TODOS os cientistas, de comum acordo, e sem pestanejar, decidiram que aquela mulher deveria morrer. E pior ainda, que a assassinam de uma maneira tão truculenta sem pensar duas vezes.
Terceiro: Anne K é literalmente trucidada pelos cientistas, mas surpreendentemente ainda está viva. Cabe então ao próprio Clark acabar com a sua agonia a estrangulando com as próprias mãos. Embora o sujeito continue dizendo que amava Annie (e que sempre a amaria), fica claro que ele também preferia matá-la do que permitir que a pesquisa fosse interrompida pela revelação do escândalo.
Quarto: O corpo de Annie K é então recolhido por Hank Prior à pedido dos donos da mina e colocado em um lugar como recado para outros ativistas. A língua dela é cortada (supostamente por Hank) para que todos entendam que ela teria sido assassinada por falar demais (vamos voltar à língua mais adiante, um dos grandes furos do roteiro).
Ok... essa é a explicação para a morte de Annie K.
A meu ver, é uma explicação que não convence. Eu poderia até entender que a morte dela tivesse sido resultado de um desentendimento entre os cientistas e a ativista. Com certeza as coisas estavam quentes e poderiam descambar em empurra-empurra e numa morte acidental, mas o linchamento promovido é um enorme exagero. Nenhum dos cientistas titubeou por um momento sequer? Nenhum deles tentou evitar a morte dela? Nenhum deles sentiu remorso ou arrependimento? De fato, todos os envolvidos naquele massacre brutal simplesmente continuaram trabalhando na estação como se nada tivesse acontecido. Mais esquisito ainda, embora Clark fosse o único a manifestar algum arrependimento, agindo de forma cada vez mais excêntrica, ele não foi despedido, não foi mandado para outro lugar e nem mesmo eliminado como um possível risco para o projeto. Não... eles o deixaram ficar lá, apesar de sua sanidade claramente cada vez mais deteriorada - outro baita furo do roteiro.
O roteiro aliás parece querer que o espectador aceite essas explicações absurdas apenas porque as coisas acontecendo dessa forma justificam o que estaria por vir.
4 - Presas em TSALAL
Após ouvir as revelações de Raymond Clark, as detetives deliberam sobre o que fazer em seguida. Como elas deverão agir e como vão conseguir explicar tudo isso de forma coerente?
Embora Clark seja testemunha do que aconteceu com os cientistas ele continua dizendo que seus companheiros foram mortos por Annie K que retornou para obter vingança contra eles. Clark é incapaz de explicar como ocorreram as mortes já que ele afirma ter sentido que Annie havia despertado e que aterrorizado fugiu para a escotilha onde ficou escondido enquanto os demais morriam um a um. Clark acredita que algo sobrenatural aconteceu com seus companheiros, e que conseguiu escapar apenas pelo acaso se refugiando na Terra Noturna (os túneis de gelo abaixo de TSALAL). Ao sair dos túneis, Clark acreditava que seus companheiros haviam sido mortos pelo espírito vingativo de Annie K e é essa a explicação que ele oferece para a dupla de detetives.
Danvers e Navarro aliás estão em maus lençóis. Embora tenham descoberto as circunstâncias do assassinato da ativista talvez não sobrevivam para revelar o que descobriram. A nevasca está muito forte e as duas acabam ficando presas na estação que não tem energia para permitir que elas sobrevivam à noite.
Enquanto decidem sobre o que fazer, as duas conversam sobre o que aconteceu no Caso Wheeler, quando Navarro executou o sujeito com um tiro à queima roupa. Danvers admite que era sua intenção ter feito exatamente a mesma coisa, o que não explica porque então a morte de Wheeler acabou causando o afastamento das duas.
Após uma série de desentendimentos e bate-boca, que culmina com Navarro andando na neve e Danvers caindo no gelo as detetives conversam sobre as visões de Navarro com Holden, o falecido filho de Danvers. O garoto parecia estar querendo desesperadamente se comunicar com a mãe e usava Navarro como interlocutora. A mensagem do menino era muito simples: ele queria que Liz soubesse que "ele a estava observando sempre". Francamente, essa era a mensagem que o menino queria tanto transmitir? Mais uma vez, a revelação soa frouxa e sem grande impacto.
Enquanto Danvers tenta se recuperar da hipotermia, Clark acaba encontrando seu fim de uma forma semelhante aos seus colegas envolvidos na morte de Annie K. O sujeito acaba saindo na nevasca e morre congelado. Navarro diz que não soltou o sujeito, mas que ele simplesmente conseguiu sair. Suicídio ou morte induzida, Clark morre sem revelar maiores detalhes sobre o que aconteceu em TSALAL. Interessante é que uma de suas declarações, que ecoa as célebres palavras "o Tempo é um círculo plano" acabam fazendo sentido nesse momento. Aparentemente Clark teve uma visão de Navarro (e Navarro dele) onde o cientista percebe o futuro. Ele sofre então uma convulsão que o leva a se proteger na escotilha, escapando assim do que ele acredita ser a vingança de Annie K. Esse trecho é uma ótima sacada e um dos únicos pontos positivos do episódio.
5 - Os problemas de Prior estão apenas começando
Enquanto isso, Peter está lidando com as repercussões de seus atos e de suas escolhas. Ele decidiu ficar ao lado de Liz quando teve que escolher entre ela e seu próprio pai. Peter tem a dura tarefa de se livrar do corpo de seu pai e de Otis Heiss para que eles simplesmente desapareçam.
Navarro o instrui a levar os corpos até Rose Aguineau para que ela o ajude a se livrar deles mandando-os para onde está Julia. O plano é se livrar dos mortos e fazer com que eles jamais sejam encontrados. Peter faz a sua parte à risca, limpando as pistas do tiroteio e o sangue de seu pai. Ao longo da série Pete acatou ||à risca todas as ordens de Danvers, mesmo quando elas o faziam bater de frente com os interesses escusos de seu pai. No fim, Peter acaba fazendo novamente o que lhe é dito, embora ele diga à esposa que decidiu por conta própria qual caminho seguir.
Embora fosse um personagem interessante na trama, Pete acaba ficando em segundo plano na maior parte da trama e seu desfecho é um tanto dúbio... talvez se a série tivesse oito episódios (como as demais temporadas) esse personagem poderia ser desenvolvido mais à contento. Infelizmente, ele acaba sendo desperdiçado na história.
Quando Peter se livra do corpo do pai, Rose que havia perfurado os pulmões do cadáver para este não voltar à superfície, explica que o pior ainda está por vir. A parte mais difícil depois de fazer o que fez, será viver com aquilo. O jovem Pete começou a série como um inocente - um cara puxado no centro de um cabo de guerra. No final, ele se torna um homem que carrega um pesado fardo, o de ter um segredo torturante para sempre.
6 - A Verdade sobre a Morte dos Cientistas
Mas ainda resta uma revelação final e cabe a Danvers descobrir a pista decisiva para desvendar quem matou os cientistas de TSALAL. O testemunho de Clark deixa claro que ele apenas escapou porque se refugiou na escada da escotilha e que o "espírito de Annie K" tentou abrir a porta sem sucesso.
Danvers tem a ideia de colher digitais do lado de fora da escotilha e improvisando luminol com compostos químicos da base, ela obtém uma impressão perfeita de uma mão feminina onde faltam dois dedos. Aparentemente em Ennis, apenas uma pessoa possui esse perfil: Blair, uma jovem que trabalha na Empresa de pesca de caranguejos e que havia sido vista no primeiro episódio sendo vítima de um sujeito que a espancava frequentemente. Blair não chamou a atenção em nenhum momento da série, portanto, seu envolvimento no crime é uma surpresa. Era sabido que ela trabalhava em TSALAL fazendo a limpeza, mas como ela poderia estar ligada ao caso?
Quando Danvers e Navarro rastreiam Blair até a cabana de Bea, uma senhora que trabalhava com a moça, a coisa começa a ser explicada. E essa explicação é o segundo grande deslize do roteiro de True Detective, pois ele pede mais uma vez que o espectador aceite soluções mirabolantes que além de pouco plausíveis só são obtidas mediante saltos de lógica que beiram o ridículo.
Então vamos lá...
Bea relata às detetives como ela e as demais funcionárias que faziam o serviço de limpeza e conservação em TSALAL descobriram o envolvimento dos cientistas na morte de Annie K. Vemos em um flashback como Bea encontra por acaso a escotilha que leva às Cavernas de Gelo onde Annie K havia sido assassinada seis anos atrás. Ela decide descer as escadas, movida por uma curiosidade inexplicável que só podemos creditar às necessidades de um roteiro preguiçoso. Bea explora o túnel e em um salto de lógica absurdo conclui que teria sido ali que Annie K foi morta.
Como ela chegou a essa incrível conclusão? Intuição pura e simples, já que nas suas próprias palavras, até aquele momento todos achavam que Annie K havia sido morta por pessoas da Mina Silver Sky. Não havia nenhum motivo razoável para que ela ou qualquer um suspeitasse dos cientistas, mas inesperadamente ela conclui que tudo teve lugar ali com a participação deles. Não é razoável assumir que os cientistas tivessem deixado pistas claras no local, menos ainda passados SEIS anos. Ainda assim, Bea, uma senhora sem qualquer treinamento investigativo, que apenas posteriormente teve acesso ao relatório policial, correlaciona a infame broca com ponta em forma de estrela, com os ferimentos sofridos pela ativista.
Mas a coisa piora! Como ela concluiu que TODOS os cientistas estariam envolvidos na morte de Annie fica sem explicação! Não há NADA, absolutamente NADA que possa indicar que a ativista teria sido morta por um, dois, três, seis ou todos os homens que compunham a equipe da estação científica. Nada a não ser a necessidade do roteiro indicar isso para justificar o que acontece em seguida.
Determinadas a vingar a morte de Annie K, as mulheres se armam com espingardas e atacam a base rendendo facilmente os homens que simplesmente se entregam sem qualquer resistência. Ora, não seria de se esperar ao menos algum deles reagisse? Mas nenhum, nenhunzinho, esboça qualquer reação e todos, com exceção de Clark (que se escondeu na escotilha) acabam sendo capturados. Em seguida, os cientistas são conduzidos para caminhões e levados para um lugar no meio do deserto de gelo. Mais uma vez, é pouco razoável supor que eles simplesmente aceitaram seu destino, especialmente quando fica claro o que as mulheres pretendem fazer, ao ordenar que eles tirem suas roupas e corram nus pela planície congelada. Não haveria como sobreviver a isso, mas mesmo assim, eles se entregam a esse destino.
É exigir demais que o espectador aceite essa patética cronologia de eventos como algo plausível. Desde o descobrimento do envolvimento dos cientistas, passando pelo plano de matá-los e pela realização do mesmo, tudo é horrivelmente forçado.
Não vou nem entrar no mérito da cansativa resolução do caso envolvendo cientistas brancos malvados de meia idade que são punidos pela ação conjunta de uma sororidade (já que só há mulheres no grupo) que quando a justiça falha, decide tomar para si a obrigação de punir os transgressores. Francamente, ficou muito, muito, muito forçado.
No fim, as detetives concluem que o "Esquadrão da Morte das Senhoras da Faxina" agiu de forma correta e que a vingança delas deve permanecer em segredo. Já que os legistas de Anchorage apuraram que as mortes foram decorrentes de uma avalanche, então elas não irão questionar, mantendo as coisas como estão.
Ai, ai...
7 - Os Casos sem solução
Uma das coisas mais incômodas nessa temporada é que a investigação acaba não dando em absolutamente nada.
A morte de Annie K e dos Cientistas do TSALAL acabam ficando sem qualquer solução. Para todos os efeitos, ninguém fica sabendo quem matou a ativista e quem foi o responsável pelas mortes da equipe. É ainda mais surreal que o grupo de homens era composto por vários estrangeiros. Aparentemente, ninguém se importava muito com eles já que a falta de conclusões não incomoda ninguém. No mundo real, as autoridades cobrariam alguma providência, mas na série, os caras morreram e ninguém dá a mínima.
Nem mesmo a morte de Clark, que pereceu posteriormente em circunstâncias no mínimo suspeitas acaba chamando a atenção da corregedoria do Alasca que aparece no final entrevistando Danvers quatro meses depois. Que trabalho miserável pessoal! Ela conta que o cara correu para a neve e morreu de hipotermia e ninguém, absolutamente ninguém, questiona.
O pior, no entanto, é constatar que das 11 mortes apresentadas na temporada, TODAS acabaram sendo acobertadas pelas Detetives. Duvida?
Então vejamos:
- A morte de Anne K fica sem solução pois ninguém é apontado como responsável
- A morte de William Wheeler causada por Navarro é acobertada como suicídio
- As mortes dos seis cientistas são abafadas e consideradas um bizarro acidente de avalanche
- A morte de Otis Heiss e de Hank Prior são abafadas pelas detetives com ajuda de Peter
- A morte de Clark é considerada acidental
Caramba... vou te dizer, a Chefe Danvers deve ter muitos contatos para ter sido mantida na chefia da Polícia de Danvers depois de uma investigação tão pífia e sem resultados.
8 - A Conclusão
No fim, os crimes terminam sem uma solução prática. Quatro meses depois dos acontecimentos na noite de ano novo, Danvers dá seu testemunho para dois agentes da Corregedoria que parecem satisfeitos com a versão dela.
A Mina Silver Sky é fechada e encerra suas atividades depois que um vídeo com Clark revelando a liberação proposital de poluentes no meio ambiente vaza na internet. O vídeo havia sido feito por Navarro pouco antes da morte do cientista, apenas não fica claro se por vontade própria dele ou por coação. Com a mina fechada, não se sabe qual será o futuro de Ennis, mas a cidade terá que lidar com essa mudança e se adaptar se quiser sobreviver dali em diante.
Ficamos sabendo também que Navarro simplesmente desapareceu. Como era esperado, a patrulheira acabou sucumbindo ao que ela própria considerava "sua maldição de família". Ela já havia dado indicações de que preferia simplesmente andar pelo vazio em direção ao esquecimento e é justamente o que ela faz conforme vemos em uma cena de flashback. Embora não fique claro, o destino de Evangeline Navarro, é razoável assumir que ela fez isso por vontade própria.
Anteriormente, durante uma visão, Navarro havia entrado em contato com aquilo que eu assumo ser uma divindade inuit chamada Sedna (embora não seja nomeada assim em momento algum). Esta entidade estende a mão e toca Evangeline transmitindo a ela seu nome inuit Siqiññiaqtuaq (que significa "o retorno do sol após uma longa noite"). Esse encontro e a descoberta de seu nome enfim parecem satisfazer os espíritos que a atormentavam. Navarro cumpre a profecia de sua mãe, de que ela estava sendo aguardada não apenas por ela, mas pela irmã em um lugar onde enfim encontraria sua paz.
Quanto a Danvers, após o caso, ela acaba conseguindo se reaproximar da filha, aparecendo em uma viagem na companhia dela no que aparenta ser um final feliz. Liz Danvers passou por maus bocados durante a série mas supostamente encontrou um equilíbrio para sua vida.
Entretanto. estamos em Ennis, o "fim do mundo", e nesse lugar remoto os mortos sempre estão lado a lado dos vivos. Então não é surpresa ver Evangeline Navarro na porta da frente da casa onde Danvers está passando férias. Talvez ela esteja sempre com ela dali em diante.
E esse é o fim...
9 - Espera aí... mas e a Língua?
Alguém poderia, por favor, explicar como aquele diabo de língua foi parar na TSALAL?
Estou me referindo à língua de Anne K que teoricamente foi cortada por Hank para dar o recado de que ela estava falando demais. Se foi Hank quem cortou a língua, para que ele trouxe a coisa para a base e a deixou lá? O que ele ganhava com isso senão levantar a suspeita de que os crimes tinham ligação?
Mais esquisito ainda, para que ele manteve a língua guardada em um freezer por SEIS FUCKING ANOS?!?!?!?
Por que simplesmente não descartou a língua no meio do nada, jogou em um buraco no gelo ou no meio da estrada. Jesus, que coisa sem sentido!!!!
O que podemos imaginar é que a língua surgiu na base por intermédio de alguma força sobrenatural que assim desejou. Embora no fim o sobrenatural não tenha realmente figurado nos assassinatos, essa parece ser a única explicação. De outra forma temos que aceitar que Hank foi burro o bastante para guardar a língua, manter em sua posse até resolver descartar ela na base e fazer com que Navarro se envolvesse no caso.
Meu Deus, que furo no roteiro!!!!
10 - Espera aí... e o pai de Rusty Cohle?
Com tudo que aconteceu nesse último episódio, uma dúvida ficou em aberto. Qual era o papel de Travis Cohle, o pai do Rustin nessa história?
Sério, faria diferença se ao invés de Travis o sujeito se chamasse "João das Couves"?
Nenhuma!!!
O personagem só estava ali para atrair a atenção do público e fazer os espectadores se perguntarem se em algum momento haveria alguma conexão direta com a primeira temporada. Golpe baixo, Issa López, golpe muito baixo.
11 - Espera aí.... e os Tuttle?
Mais uma bola fora do roteiro.
Parecia ser algo de enorme importância o fato da Mina Silver Sky ser propriedade da Família Tuttle. Da mesma forma, quando se descobriu que o TSALAL era patrocinado pela mesma corporação, a Tuttle United, parecia ser uma informação essencial na trama.
Mas não... se ao invés dos Tuttle, a Mina e o TSALAL pertencessem à família "Silva", daria no mesmo.
Mais uma vez, Issa López explora elementos da primeira temporada que não resultam em absolutamente nada. Ridícula essa insistência do roteiro em fazer uma conexão que não se sustenta e que não tem qualquer significado para a temporada.
12 - Espera aí... e as Espirais?
Mas o pior, o pior mesmo, foi o uso das espirais que estiveram presentes ao longo de toda temporada, mas que no fim não tinham qualquer ligação com os casos.
Ao que tudo indica, as Espirais que na primeira temporada representavam a posse do Rei Amarelo sobre uma pessoa ou sobre um sacrifício, não tinham o mesmo significado nessa temporada. De fato, o Rei Amarelo não é citado em nenhum momento. Tudo leva a crer que o que ocorreu em Ennis não tem qualquer ligação com o caso da Louisiana. Absolutamente nada!
Apesar de Travis Cohle viver em Ennis e dos Tuttle serem os donos da Mina e da estação científica, o mais provável é que isso não passe de uma bruta coincidência. Se bobear Travis Cohle nem é o pai de Rustin e os Tuttle citados são outra família com o mesmo sobrenome. O que é RIDÍCULO!
Mas e as espirais. pelo amor de Deus?
Talvez elas também não passem de uma coincidência. A despeito do símbolo ser exatamente o mesmo, a função das espirais parece ser apenas marcar as entradas para a Terra da Noite que são as cavernas de gelo. Apesar de Rose Aguinou comentar no segundo episódio que sabia o significado das espirais, ninguém lembrou de perguntar a ela qual é (!!!). No fim, ficamos com a explicação capenga de que é algo ruim e muito antigo, mais nada. Que desperdício!
O que posso intuir é que o roteiro quis usar as espirais para atrair os fãs da primeira temporada que ficaram felizes quando viram no trailer o símbolo e elucubraram teorias de como o Rei Amarelo seria usado na Quarta Temporada. Tudo no fim não passava de uma isca para atrair o público. Golpe muito baixo, Issa López!
* * *
Então é isso...
Na minha opinião True Detective: Terra Noturna começou bem, mas foi ambiciosa demais no sentido de lançar muitas perguntas para prender o público e envolvê-lo num grande mistério. O problema é que justo na hora de revelar esses mistério, o roteiro falha, levando a um final absurdo, pouco plausível e tolo.
Uma das minhas maiores queixas é que Terra Noturna deliberadamente usa a primeira temporada como bengala para estabelecer o interesse e atrair os espectadores sob uma premissa falsa de que haveria uma ligação entre as duas histórias.
Não havia!
Esse uso indevido e injustificável de elementos chapinhados da outra temporada acabou frustrando expectativas e esvaziando a série na sua conclusão. Não por acaso, Nic Pizzolato, o criador de True Detective criticou enormemente a condução de Issa López e o uso de temas que ele introduziu quando estava à frente da série.
Mas apesar dos altos e baixos, True Detective retomou o interesse do público, alcançando uma excelente audiência. Com isso, uma quinta temporada deve estar nos planos do Canal Max Prime. Se vai valer a pena assistir ou não... veremos.
Concordo em gênero, número e grau. A série conseguiu manter um nível de tensão e mistério absolutos ao longo dos 5 primeiros episódios para entregar o que me pareceu também um desfecho extremamente apressado.
ResponderExcluirMinha " sensação " sobre essa tão aguardada quarta temporada após o término foi : um grande clickbait ! Uma amiga ( amiga minha, mulher do sexo feminino ) que também estava assistindo parou de ver no segundo episódio porque, nas palavras dela, " enfiaram agenda " em True Detective ", perguntei o que ela queria dizer com isso e ela respondeu " aguarde a decepção, protagonismo feminino exageradamente irreal e homens idiotizados nível filmes da Marvel, você vai ver como vai terminar"...enfim, até o quinto episódio eu gostei muito, principalmente pela ambientação, mas o final foi difícil de engolir.
ResponderExcluirAgenda?
ExcluirAh ! Só uma interpretação pessoal sobre uma cena final, quando a Danvers aparece no final, no rancho, e a Navarro se aproxima, interpretei que a Navarro tinha empreitado fuga acobertada pela história inventada pela Danvers ( suposto suicídio se perdendo na neve ) e que na verdade a Navarro estava escondida no rancho da Danvers ( já que ao longo da série foram dados vários sinais que elas eram bem próximas e até íntimas em algum determinado ponto da relação...), mas gostei da interpretação " sobrenatural " levantada ao final do texto ( que Navarro permanecia como um fantasma, sei lá, próxima a Danvers ).
ResponderExcluirÉ, foi bem ruim esse final. Depois de seis episódios saio com um enorme "Pra que?" Pra que a língua, a espiral, os aviltamentos, a loucura após o contato com algo indescritível, a caverna de gelo malvadona que esperamos por vários episódios e foi desbravada em cinco minutos, o topografo que enlouqueceu após terminar seu trabalho, o cientista que desapareceu mas antes disso já mostrava sinais de insanidade... Entendo que o problema de criarmos expectativas é só nosso mas essas expectativas foram geradas pela narrativa, que se afastou da segunda e da terceira temporada (que eu achei qualquer coisa) para se aproximar da primeira. Não gostei e não recomendo a quarta temporada para ninguém, e isso não tem nada a ver com o protagonismo feminino e sim com uma conclusão que tenta soar como mística mas só parece desconexa, tenho a impressão que a quarta temporada não tinha nada de místico e alguém provavelmente do estúdio mandou um "mete uns amuleto ai, e uma galera ficando doida"
ResponderExcluirAlguém me explica a Danvers? ela era casada e o esposo e filho morreram em um acidente de carro? eu não entendi... e a filha adotiva dela veio de onde? foi impressão minha ou quando as detetives foram atender aquele caso antigo de violência domestica que terminou em assassinato deu pra ouvir o choro de uma criança? Tem algum motivo mínimo que seja pra Denvers implicar tanto assim com as tradições da filha adotiva? Outra personagem que não serviu pra nada né? toda a problemática LGBT desapareceu de um episodio para outro. Outro personagem que começou bem e terminou qualquer coisa foi o Hank, o cara tinha um poder na delegacia que eu não entendia, ele falar e o filho obedecer eu entendo, afinal ele é o filho, mas a Danvers? o cara tem arquivos da policia em casa? a delegada mandou buscar, pq esta desobedecendo?
ResponderExcluirO Clark também fala nesse episódio que "o tempo é um circulo plano" o Reggie Ledoux fala a mesma coisa pro Rust.
ResponderExcluirQuanto mais leio sobre essa série, mais me convenço que não perdi nada ao não assisti-la.(E estou falando de TODAS temporadas!)
ResponderExcluirEu gostei da série no geral! Há atos falhos, com certeza, mas não me arrependi de ter assistido. Sobre a espiral, me parece que o local como um todo sempre foi tocado pelo culto do Rei de Amarelo, que está lá (sob outros nomes, aparentemente) desde tempos imemoriais. A vingança das mulheres indígenas nada mais foi do que um sacrifício que foi aceito. Há algo mais bizarro, inumano e a cara do Mythos do que aquele picolé de de cadáveres?
ResponderExcluirPra quem gosta dos mitos, a primeira temporada foi muito boa, misturando detetive noir com horror cósmico. Aí os caras da grana falaram: "vamos fazer de novo!" E virou piada da "praça é nossa"...
ResponderExcluirOlá, eu já havia comentado na postagem anterior, a roteirista deixou claro que os elementos em aberto como a lingua e o paradeiro da navarro, essa dubiedade e as vezes misterio foram intencionais. Já os elementos do primeiro ele deixou bem claro foi fan service mesmo e a medida que ela achava que dava pra enciaxar algo ela encaixava.
ResponderExcluirNa entrevista dela ela esclarece:
https://variety.com/2024/tv/news/true-detective-season-4-ending-who-killed-annie-scientists-1235908415/
Não ajuda muito, mas coisas como a questão da lingua foram deixadas por ela de forma proposital pra quem se tenha sempre um dupla interpretação do que aconteceu.