Você já pensou n significado do termo "No meio de lugar nenhum"?
É uma expressão usada comumente para determinar que uma pessoa, coisa ou local se encontra em uma posição tão distante, perdida ou isolada que é como se ela estivesse além de qualquer posição capaz de ser determinada.
Surpreendentemente, o "Lugar Nenhum" existe e se chama Point Nemo.
Ele é tratado como o polo oceânico de inacessibilidade e está localizado nas coordenadas 48°52.6’S 123°23.6’W.
Apontar o "lugar mais inacessível do planeta" parece algo que exploradores e cartógrafos deveriam ter descoberto há séculos. Acontece que isso não podia ser feito antes do advento da computação moderna e da tecnologia GPS. Apenas em 1992, o engenheiro de pesquisa croata-canadense Hrvoje Lukatela escreveu um programa geo-espacial chamado Hipparchus e apenas através dele foi capaz de encontrar o Ponto Nemo exato.
Ele nomeou o lugar em homenagem ao personagem Capitão Nemo, o perigoso comandante do submarino Nautilus no romance Vinte Mil Léguas Submarinas de Júlio Verne.
Nemo é um nome apropriado para o que é sem dúvida o lugar mais remoto da Terra, não apenas porque em latim significa "ninguém", mas também porque em seu romance posterior The Mysterious Island, Verne revelou que a base do Nautilus era uma ilha no Pacífico Sul, posteriormente destruída por uma erupção vulcânica. Na história ela ficava não muito longe do verdadeiro Ponto Nemo.
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Ao norte, a Ilha Ducie, um pequeno atol desabitado destituído de água doce e com vegetação inexpresiva. Ele é um fragmento desgarrado da lendária Ilha de Pitcairn, onde os amotinados do Bounty se esconderam no século XVII.
Na direção nordeste o ponto é Motu Nui, a maior das três ilhotas ao sul da Ilha de Páscoa. Não por acaso, é o ponto mais distante pertencente ao Chile.
Finalmente, ao sul, temos a Ilha de Maher, que é parte da Antártida. Maher foi descoberta apenas em 1947, como parte da Operação Highjump da Marinha Americana que buscava sítios para experimentos com detonação nuclear.
A intercessão desses três pontos fornece a localização exata do Ponto Nemo ocupando o centro de um espaço vazio composto de 22,405,411 quilômetros quadrados. Para se ter uma ideia de suas dimensões, essa é uma área maior que a da antiga União Soviética, o maior país da era moderna.
Em termos gerais, Ponto Nemo é o lugar mais distante de qualquer massa de terra no planeta. É o ponto mais isolado no planeta, onde a vida seria virtualmente impossível. Além da falta de humanos, a vida marinha no local também é rara devido à ausência de correntes ou ventos carregando matéria orgânica dos continentes com nutrientes suficientes para o desenvolvimento da flora e fauna marinhos. Segundo o oceanógrafo Steven D’Hond, da Universidade de Rhode Island, “trata-se da região com menor atividade biológica de todos os oceanos do mundo. Quase nada vive ali, as formas de vida comuns encontram enorme dificuldade de se desenvolver nesse ponto. É como outro planeta existindo dentro da Terra".
Antes mesmo de receber sua designação oficial como "Lugar Nenhum do Planeta" essa vasta porção do Pacifico Sul já cumpria uma peculiar função. Dado o seu isolamento completo ele foi considerado ideal para ser o que alguns chamam de Cemitério Espacial.
Centenas de satélites, naves e estações espaciais construídas por russos, japoneses e pela agência espacial europeia foram direcionadas para cair nesse local. Precipitando-se do espaço direto nas águas profundas do Pacífico, esse é o lugar para o descanso final desse lixo espacial sem que haja perigo.
Essas quedas controladas são realizadas aqui por uma razão: durante a violenta reentrada na atmosfera, os veículos espaciais indesejáveis tendem a se esfacelar fazendo com que fragmentos flamejantes sejam lançados em todas direções. Mesmo sendo esta uma área inóspita e afastada de linhas aéreas regulares, as agências espaciais notificam as autoridades do Chile e Nova Zelândia bem antes de qualquer procedimento de derrubada espacial. Dessa forma, pilotos e marinheiros podem evitar a área na véspera de um desses procedimentos.
A Estação Espacial russa Mir provavelmente é a mais famosa das estruturas lançados sobre o Ponto Nemo. Entretanto, mais de 300 outros satélites e naves despencaram sobre ele desde 1971. Uma das mais bem documentadas reentrada sobre Ponto Nemo foi a do Veículo automatizado de Transferência Júlio Verne, que levou suprimentos para a Estação Espacial Internacional em 2008. A nave de 28 metros de comprimento, pesando 89 toneladas despencou do céu em uma formidável explosão sobre Ponto Nemo.
Mas outro curioso elemento torna Ponto Nemo interessante.
Décadas antes dele ser determinado e nomeado, antes de satélites caírem do céu, H.P. Lovecraft usou essas águas solitárias como localização quase exata para a remota "cidade ciclópica de R'Lyeh" onde hiberna o terrível Deus mitológico, o Grande Cthulhu.
Em "O Chamado de Cthulhu", conto seminal escrito em 1928, R’lyeh é descrita como um grande banco de areia na paisagem desolada no qual se ergue uma parede de pedra gigantesca, edificada eons atrás, quando a raça humana sequer existia. No interior dessa fortaleza primeva, repousa atrás de paredes e portais colossais o próprio Deus Cthulhu.
A cidade submersa é sua prisão eterna coberta de algas e limo formado ao longo das eras e do tempo imemorial. Os seguidores de Cthulhu recebem sonhos e profecias, enquanto aguardam o despertar do Deus ancestral. Eles repetem o mantra incompreensível: Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn (“Em sua morada, em R’lyeh, o morto Cthulhu aguarda sonhando").
Surpreendentemente, Lovecraft localizou sua legendária cidade perdida nas coordenadas 47°9′S 126°43′W, apenas a 330 quilômetros de distancia do Ponto Nemo. August Derleth, que cunhou o termo Cthulhu Mythos, também posicionou R´lyeh em 49°51′S 128°34′W, na vizinhança imediata do local mais inóspito do planeta. Claramente ambos estavam buscando um local afastado da civilização para situar a Ilha decrépita onde a entidade habitava.
Point Nemo é tão remoto que poucas expedições chegaram a visitá-lo conscientemente. Em 2015, os participantes da Corrida Oceânica Volvo entre Auckland, na Nova Zealand até Itajai, no Brasil passaram por ele. Quando tocaram o Ponto Nemo, foi salientado que as embarcações estavam mais próximos dos ocupantes da Estação Espacial Internacional, circulando a uma altitude de 400 quilômetros em uma de suas órbitas ao redor do globo do que de qualquer outro indivíduo no planeta.
Em 2024 dois pesquisadores se tornaram as primeiras pessoas a nadar e mergulhar nas águas gélidas e insondáveis de Point Nemo. Na ocasião eles disseram que foi uma sensação estranha, como se de alguma forma estivessem em um lugar proibido que "nega a própria perspectiva de vida".
Pensar nesse grau de isolamento pode causar uma sensação estranha, especialmente considerando que Point Nemo não é apenas remoto e inóspito, mas também assustador ao extremo por incidentes ocorridos nas suas profundezas.
Em 1997, oceanógrafos captaram um som de frequência ultrabaixa emanando das profundezas abaixo de Point Nemo. Chamado de Bloop, o som enigmático era poderoso demais para ser produzido até mesmo por baleias azuis, as maiores criaturas marinhas conhecidas. Cientistas sugeriram desde então que ele foi causado por um eco de icebergs partindo na Antártida. Não foi excluído, no entanto, que o Bloop pudesse emanar de uma fonte animal, talvez de um ser subaquático gigante, ainda desconhecido.
Talvez Cthulhu estivesse apenas bocejando ou quem sabe se preparando para o despertar, incomodado pela queda frequente de fragmentos espaciais sobre sua cabeça.
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