Por definição, um cenário com Roteiro Linear apresenta uma linha contínua de eventos ou cenas que os PCs devem resolver em ordem. Cada cena se encaixa na anterior formando assim uma espécie de trilha da qual não se pode desviar. A maioria das aventuras segue essa fórmula, pois é mais fácil trabalhar com esse tipo de cenário.
Roteiros não-Lineares, no entanto, oferecem elementos que transportam a estória de um ponto para outro através de flashbacks, cut scenes e outros recursos que podem ser empregados pelo mestre como uma maneira de alterar a percepção dos jogadores diante da narrativa.
Há algumas maneiras interessantes de usar o Roteiro não-Linear em seus cenários:
1 - A Cena Introdutória - Imagine que a aventura que você está mestrando é um episódio de sua série favorita de televisão. No início dos programas, sobretudo os de mistério, uma introdução é apresentada para a audiência como chamariz do que vai acontecer naquele episódio.
Se na sua aventura haverá uma investigação de assassinato, que tal descrever a cena do crime sob a perspectiva de quem foi morto? Mostrar a cena inicial pelos olhos do personagem que irá ser investigado é uma maneira de lançar a isca para fisgar a atenção dos jogadores. Lembre-se porém que o mistério deve ser preservado à todo custo.
Uma cena introdutória cria o tom para a investigação e já lança os personagens direto na ação. Se a introdução for atraente o grupo ficará imediatamente compelido a entrar na estória.
Outro exemplo de introdução? A aventura será num pequeno vilarejo perdido no meio das montanhas. Comece o cenário com dois homens conversando a respeito da vinda de estranhos que foram chamados para investigar os inexplicáveis desaparecimentos que vem acontecendo. Um dos homens, comenta que os estranhos são a última chance da cidade. O outro levanta uma suspeita a respeito dos investigadores, mas concorda que a cidade está em perigo.
Corta a cena: a aventura se inicia com os investigadores já à caminho da cidade dentro de um trem, eles receberam uma carta e precisam chegar ao povoado nas montanhas onde são aguardados.
2 - Introduzindo Cut-Scenes - Uma cut scene é uma cena que quebra o foco da trama e introduz um acontecimento simultâneo em um local diferente.
Em geral, os jogadores são meros espectadores/ouvintes durante a cut scene, seus personagens não podem se manifestar ou agir, tudo o que eles podem fazer é torcer. Cut Scenes são ótimas para gerar tensão na mesa de jogo.
Imagine que o grupo está investigando sangrentos assassinatos nas ruas do East End, na Londres Victoriana. Eles decidem se aventurar pelas vielas escuras a fim de descobrir quem é o matador que está eliminando prostitutas ao estilo Jack, o estripador. Uma de suas testemunhas, uma jovem que escapou da morte é advertida para não sair de um pub onde os investigadores a encontrarão mais tarde.
Mas então o keeper dá início a uma cut-scene descrevendo a jovem sendo abordada por um homem misterioso. Ela acaba saindo do pub, o mestre narra a cena sob a perspectiva da jovem caminhando na companhia do homem (cuja face permanece oculta). Os dois se encaminham para um beco.
A cut scene termina, e então os investigadores podem voltar a agir, mas antes de permitir qualquer ação o keeper informa que o grupo ouve um horrível grito.
Para que uma cut scene funcione, o mestre deve ser rápido e direto na sua condução. Alongar demais uma cut scene acaba frustrando os jogadores que estão ali para ser os protagonistas e não meros ouvintes. Outra dica útil é escrever as cut scenes previamente.
3 - Os olhos do Observador - Esse é um recurso típico de filmes de horror: proporcionar ao espectador a sensação de estar sendo observado.
Em meio a uma cena, faça uma cut scene e narre a cena em que alguém observa de longe os investigadores como se estivesse seguindo seus passos.
Uma maneira clássica de descrever essa cena é narrar a chegada dos investigadores a um lugar e fazer com que eles sejam vistos pelos olhos de alguém cuja identidade ainda é deconhecida. Por exemplo, o grupo chega a uma estação de trens, logo em seguida um automóvel pára e alguém desce do trem e fica observando por alguns instantes. Lembre-se de não estragar a surpresa e revelar mais do que deve.
Esse recurso é ótimo para criar uma sensação de paranóia no grupo e fazer com que eles desconfiem de todos os NPCs à sua volta.
4 - O Flashback - Em certos momentos uma aventura pode dar saltos no tempo e abordar acontecimentos cuja ação já transcorreu.
O keeper pode usar esse recurso para enfatizar uma situação ou inserir algum detalhe na trama. Em cenários de mistério esse é um recurso valido quando uma revelação é feita.
Imagine que os investigadores enfim descobrem quem é o assassino que está matando as mulheres no East End. O grupo tem alguns instantes para absorver a informação, mas ao invés de fazê-lo através do assassino, que tal descrever cada uma das mortes em um flashback, como se os investigadores testemunhassem o acontecimento em primeira mão?
Esse recurso é muito usado em filmes e séries em que a identidade do assassino só é descoberta nos instantes finais.
Flashbacks também são interessantes para relembrar de pistas que os investigadores ignoraram ou para juntar duas peças de informação que vão levar a uma importante conclusão.
5 - Flashback Distante- Nem todos os flashbacks precisam envolver a presença dos investigadores ou fatos recentes. Na verdade, alguns flashbacks podem se referir a acontecimentos em um passado distante.
Esse recurso é interessante por exemplo quando um antigo diário é encontrado. Ao invés de entregar um handout, o keeper pode insere um cut scene temporal que remete a estória para a data em que o diário foi escrito. Se o diário menciona um acontecimento nos tempos coloniais, nada mais justo que o keeper descrever aconteciementos com indivíduos trajando as roupa da época e falando com aquele estilo inconfundível.
Flashbacks distantes são bastante usados em filmes e séries, principalmente aquelas envolvendo mistérios do passado e acontecimentos vividos no passado e que repercutem no presente.
6 - O Epílogo - Assim como a Introdução, o epílogo é uma cena da qual os jogadores não participam e da qual eles estão proibidos de tomar parte ativamente.
Diferente da introdução, ela concede um fechamento para o cenário ou abre uma porta para um retorno a esses acontecimentos num futuro próximo.
Um exemplo clássico de epílogo é quando os investigadores acreditam que eliminaram um mal antigo e que as coisas dali em diante voltarão ao normal. O grupo acredita ter enfim acabado com a ameaça de um bruxo imortal, um detestável feiticeiro que tinha por hábito torturar suas vítimas enquanto ouvia um trecho em especial de ópera.
Deixe-os pensar que o terror terminou, mas na última cena descreva que uma criança os observa atentamente do outro lado de uma rua. De repente a criança sorri de forma maligna e ao se afastar assovia o trecho da mesma ária que o bruxo tanto gostava. Será que isso significa que o terror não terminou? Será que o bruxo conhecia algum feitiço que permitia projetar sua mente em outro corpo? O futuro dirá... mas por hora, a aventura terminou.
Muito bom!
ResponderExcluirArtigos desse gênero realmente ajudam muito, se não for pedir muito, teria como publicar mais desse tipo?
Agradeço
Excelentes dicas! Vou divulgar no meu blog.
ResponderExcluirEu acho que isso funciona em filmes, livros, quadrinhos... mas não em RPGs...talvez atrapalhe por causa do metajogo.
ResponderExcluirTudo depende da forma como é feito. Eu usei esses recursos várias vezes e funcionaram bem.
ResponderExcluirO risco do meta-jogo existe, mas conhecendo os jogadores e sabendo como eles se comportam em determinadas situações ajuda o mestre a saber até onde ele pode ir e quais as situações que ele pode empregar.
...otimo post...concordo que tudo depende da maneira como é usado esse recurso de narração...se empregado em excesso pode tornar a aventura/investigação arrastada, cansativa...mas se for empregado no momento certo pode dar uma sacudida nos jogadores rsrs...alem de CoC mestro tambem DnD 3.5...e uma boa narração de uma cena pode ser tão empolgante quanto uma batalha...
ResponderExcluirExcelente!!! Adorei.
ResponderExcluirComo a resposta a esse artigo foi boa, ele se tornará mais frequente no Mundo Tentacular.
ResponderExcluirExcelente artigo. Já utlizei algumas técnicas, como os Flashbacks e epílogos e realmente funcionam.
ResponderExcluirA próxima será das cut-scenes. Gostei!
Mamedes
Muito bom o artigo, realmente. Já utilizei algo parecido, mas na cena "extra" que eu coloquei, os jogadores interpretaram os personagens dela. Foi em Vampiro. Numa tentativa de trazer o horror pessoal, eles interpretaram suas primeiras vítimas. É complicado de fazer funcionar e, como o Luciano disse, tem que conhecer bem o teu pessoal.
ResponderExcluirO que é handout?
ResponderExcluirMuito bom o artigo, fico contente que mais destes sejam divulgados!
Vamos ver se consigo um grupo para aplicar eles com o Rastros.
Pelas suas palavras creio que tu narre o CoC clássico?
Arquimago, Handouts são pistas físicas usadas em Call of Cthulhu.
ResponderExcluirAo invés do mestre dizer o que o grupo encontra digamos em uma pesquisa numa biblioteca ele produz um pergaminho ou um recorte de jornal e entrega para o grupo ler como se fosse apista verdadeira.
No link abaixo um artigo sobre Handouts.
http://mundotentacular.blogspot.com/2009/11/handouts-de-call-of-cthulhu.html
Eu achei este um dos melhores artigos para ajudar os mestres (keepers) a narrar.
ResponderExcluirJá usei várias destas dicas e claro, funcionaram muito bem. Numa mesa de RPG você precisa conhecer seus jogadores e colocar limites claros para o meta-jogo. Uma roda ciente aproveitará muito mais o que lhes é colocado e proposto!
Parabéns!