terça-feira, 22 de abril de 2014

Buscando Inspiração para seu RPG - Cloverfield Monstro


Esta é uma ideia que vi em um blog chamado "A More Interesting Life" que trata de vários temas, não apenas RPG.

Quem joga RPG e gosta de escrever aventuras por conta própria, já deve ter assistido um filme qualquer, viu uma determinada cena e teve um repentino estalo: "Cara, isso funcionaria perfeitamente na aventura que estou escrevendo". Quem não se surpreendeu em encontrar num filme uma frase de efeito, um estilo de luta ou um detalhe que poderia ser usado na sua sessão de jogo?

E é engraçado como a relação que se estabelece não tem necessariamente ligação com o gênero ou mesmo com o tema do jogo. Já tive ideia para uma aventura de Ravenloft assistindo um desenho do Pernalonga, escrevi um roteiro para Deadlands a partir de um episódio de Battlestar Galactica e de um game sci-fi veio a base para um cenário de Call of Cthulhu.

Não é só a estrutura central, mas algumas cenas, detalhes e sequências da sua aventura podem ser influenciadas por algum pequeno fragmento (seja de um filme, seriado, game, HQ).

O objetivo aqui é pegar alguma mídia (em geral filmes funcionam muito bem para esse propósito!) e ver como podemos dissecá-lo em busca de ideias para serem aplicadas em nossos RPG favoritos.

O primeiro filme que escolhi para esse exercício é CLOVERFIELD - Monstro (2008). 

Confesso que quando assisti esse filme pela primeira vez achei muito meia boca, mas nem por isso ele não pode ser canibalizado em busca de algumas boas idéias que podem ser incorporadas a uma sessão. Quero lembrar que o objetivo aqui não é analisar o filme em si, apenas elementos dentro dele que possam ser usados em nossas mesas. Mesmo filmes medianos (ruins mesmo!) podem ter algumas ideias aproveitáveis.

Pela sua natureza, é natural que esse tipo de artigo contenha MUITOS spoilers, portanto se você não assistiu o filme em questão, considere que o texto a seguir pode estragar sua diversão.

A escolha para esse primeiro artigo foi totalmente aleatória, basicamente, era o que estava passando na televisão na hora em que pensei em escrever o artigo. Vejamos o que dá para aproveitar, mas antes uma pequena sinopse extraída do IMDB para nos situar na trama do filme.

Cloverfield segue cinco jovens moradores de Nova York através da perspectiva do que é gravado em uma câmera de vídeo carregada por um deles. O filme começa em uma festa onde se reúnem vários amigos. Inesperadamente um estrondo é ouvido na vizinhança. Saindo para investigar o que está acontecendo, eles descobrem que um tipo de monstro gigantesco de origem desconhecida, está atacando a cidade. O filme acompanha a jornada dos personagens pelo cenário devastado da metrópole, enquanto eles tentam resgatar a namorada de um deles do outro lado da cidade.

Para mais detalhes aqui está a página no IMDB

Aqui está o que eu pensei em pegar emprestado de Cloverfield separado em tópicos:

1 - Ninguém sabe o que está acontecendo




Logo no início do filme, quando os personagens ainda estão na festa e de repente ouvem explosões eles não imaginam o que está acontecendo. A medida que o ruído se torna cada vez mais claro, eles correm para o telhado do prédio onde estão para ter uma ideia do que está acontecendo. Na escada um deles pergunta: "Será um ataque terrorista"?

Uma coisa interessante em Cloverfield é que o filme não tenta explicar o que está acontecendo. Ele simplesmente lança os personagens no meio da ação já em andamento sem tentar em momento algum revelar detalhes sobre o que causou tudo aquilo. No decorrer do filme, os personagens (e os espectadores) conseguem obter apenas fragmentos de informações sobre o que está provocando um verdadeiro inferno na cidade. No caso, um monstro de tamanho colossal que de repente apareceu em Nova York disposto a "tacar o terror".

É o mesmo princípio da maioria dos filmes sobre o Apocalipse Zumbi: em um dia como qualquer outro, sem qualquer motivo aparente, os mortos começam a caminhar pelas cidades famintos por cérebros e salve-se quem puder. Também é a premissa do clássico "Os Pássaros" em que uma cidade litorânea passa a ser atacada sem razões por pássaros assassinos.

Uma aventura pode começar exatamente assim, com os personagens pegos de surpresa por algo de ENORMES PROPORÇÕES que os transforma em meros espectadores dos acontecimentos. Nesse caso, o grupo estaria apenas no lugar errado, na hora errada e antes que pudessem dizer "que diabos está acontecendo" já teriam sido arrastados para a ação e tentaria apenas sobreviver.

E o mais legal desse tipo de cenário é que, no fim das contas, eles podem acabar ficando sem saber o que realmente provocou tudo aquilo... e ter de posteriormente investigar as causas em outra aventura.

2 - O Rugido da Besta


Esse é um truque muito usado em filmes, mas que é usado consideravelmente pouco em mesas de RPG, em parte porque o narrador quer preservar a aparição do monstro para fazer um ataque surpresa.

Mas imagine a cena: 

O grupo está em uma floresta, caçando um lobo que atacou um vilarejo. No final da tarde, eles buscam um local adequado para acampar. De repente os sons comuns da floresta; pássaros, cigarras, insetos zunindo, tudo fica em silêncio, como se o mundo congelasse momentaneamente e então, do nada, um rugido ensurdecedor reverbera em cada canto da floresta. Os personagens nunca ouviram um som como esse. É algo desconhecido, diferente de tudo que eles conhecem na natureza. Algo que por definição, só pode ser sobrenatural.

O objetivo aqui é criar uma sensação de ameaça e despertar a paranoia. Deixar claro que algo grande e perigoso está à espreita e que o grupo passou de caçadores, para a desconfortável condição de caça em um piscar de olhos. O ideal talvez seja manter o grupo em expectativa, repetir o estranho rugido várias vezes. 

Será que está mais perto? Será que ele está à nossa frente? Que tipo de criatura é capaz de fazer esse barulho? Talvez o mero rugido da criatura possa forçar os personagens a fazer testes de coragem, compostura ou sanidade (dependendo do seu jogo). Um som estranho, ameaçador pode afinal das contas ser algo aterrorizante.

Fazer tudo isso sem mostrar em momento algum a forma da criatura, e só no fim revelar o que ela é, funciona muito bem.         

3 - Pegadas causando ondas de choque

Cloverfield é quase um manual de ideias para qualquer narrador que pensa em colocar em sua aventura uma criatura gigantesca para enfrentar seus jogadores. Desde Ogres, passando por Gigantes, até os clássicos Dragões, enfrentar um inimigo gigante é um clássico desde que João escalou o pé de feijão ou Davi deu uma pedrada em Golias.

Uma das coisas que os narradores por vezes esquecem de descrever é que essas criaturas pesam toneladas, às vezes dezenas, centenas de toneladas (quanto pesa Cthulhu ou um Mecha?). E obviamente, quando essas coisas se movem, seus passos provocam ondas de choque no chão que podem ser sentidos de longe.

Em "Jurassic Park" a aproximação do T-Rex podia ser sentida no chão e nos copos de água que formavam círculos concêntricos. É uma ótima maneira de deixar os personagens em expectativa de que "aí vem algo grande". O mesmo acontecia em "O Resgate do Soldado Ryan" onde a aproximação dos tanques alemães era antecedida pela vibração do solo.

Criaturas titânicas, máquinas de guerra, a cavalaria inimiga, tudo isso faz o chão literalmente tremer. Que tal determinar que os personagens tem de fazer testes de destreza, balanço ou equilíbrio (seja lá o que for!) a medida que são perseguidos por algo realmente grande e pesado?

4 - Pessoas vagando pelos escombros da cidade.


Pode procurar que você vai encontrar. 

Em praticamente todos os filmes catástrofe que envolvem alguma ameaça tenebrosa que destrói uma cidade (seja o culpado uma raça de alienígenas conquistadores, uma explosão nuclear ou como aqui, um monstro gigantesco) existe sempre uma cena com habitantes locais tentando em vão entender o que está acontecendo.

Uma maneira de salientar isso é recorrer a presença de NPCs: dezenas deles vagando sem destino pelas ruínas da sua cidade, com olhar perdido, cobertos de poeira, feridos ou desesperados. Todos lembram das imagens da queda do World Trade Center, quando as pessoas na área próxima ao desmoronamento das Torres Gêmeas, tentavam se afastar cobertas de poeira e com um olhar distante e descrente no rosto.

Poucas coisas podem ser mais eficazes para conjurar os efeitos de uma destruição do que inserir civis no centro de uma grande tragédia e detalhar a maneira como eles foram atingidos. Se você quer convencer os heróis a partir para uma missão de vingança, nada melhor do que descrever crianças órfãs, mulheres viúvas e velhos desabrigados. Pode acreditar, se há sangue correndo nas veias dos heróis, eles vão querer ir atrás do responsável por isso... e fazê-lo pagar! 

5 - Parasitas em uma Criatura Imensa


Olha, se esse filme tivesse apenas essa ideia para ser aproveitada já teria valido a pena.

Lá pelas tantas, os pobres moradores de Nova York tem que lidar não apenas com o monstro em si, mas com uma série de criaturas repulsivas que simplesmente se desprendem do bicharoco. Essas coisas seriam algum tipo de parasita que normalmente ficava fixado no monstro mas que diante de outras fontes de comida (leia-se humanos!) resolvem se soltar e procurar um lanche rápido.

Na natureza parasitas costumam cobrir animais de grande porte que muitas vezes nem se dão conta de sua presença. Porque não aproveitar essa ideia para um monstro mítico? Já pensou um Kraken repleto de caranguejos albinos gigantes? Ou um Dragão com Monstros Ferrugem presos em suas placas? Ou ainda quem sabe uma Mega Centopeia acompanhada de milhares de outras menores? (que convenhamos, quando se trata de centopeias jamais são pequenas demais!)

Parasitas podem ser um inimigo mais acessível em determinado momento da carreira dos personagens. Nada impede o grupo de ver ao longe um monstro imenso (que eles sabem, não podem enfrentar), mas para a cena não ficar sem um pouco de ação, que tal colocar os horríveis parasitas que acompanham esse monstro para atacá-los?

6 - O estamos vendo exatamente?


Em um determinado momento do filme, os personagens tem uma visão parcial da criatura e tentam comparar o que viram, mas nenhum deles chega a uma conclusão do que é a criatura. 

Isso me lembrou de uma fábula indiana que envolve 5 cegos que são convidados a tocar em um elefante e descrever o que está diante deles. Cada um toca uma parte do animal, um deles uma pata, outro a orelha, outro a tromba e assim por diante. Quando convidados a dizer o que é aquela coisa, cada um faz uma descrição diferente do mesmo animal. o que tocou a pata diz que se trata do tronco de uma árvore, o que tocou a orelha afirma que era a folha de uma palmeira e o que tocou a tromba diz que era uma grande serpente.

Em mundos habitados por criaturas absolutamente bizarras, algo semelhante deveria acontecer.

Um aventureiro que se depara com um monstro mítico dificilmente seria capaz de reconhecê-lo, ou mesmo de descrever o que viu, ainda mais quando o encontro se dá por breves segundos na escuridão de um túnel ou nos recessos de uma câmara subterrânea. Mas em geral, não é bem isso o que acontece nas mesas de jogo... o narrador dá a descrição mais comum do monstro o que para um jogador experiente basta para reconhecer o que seu personagem viu, e pior, muitas vezes, esse mesmo jogador sabe "de cor e salteado" as estatísticas do que está diante dele.

A melhor solução? Nunca diga o que os jogadores estão vendo. Dê apenas uma sugestão ou um detalhe para cada jogador, ou use uma analogia de que a criatura parece com outra coisa mais comum. E NUNCA, JAMAIS diga o nome do monstro que eles estão enfrentando, a não ser que eles já tenham encontrado criaturas idênticas em outras ocasiões.

Mesmo o mais manjado dos orcs pode parecer uma coisa assustadora e temível se ele for descrito como um humanóide grande, de braços compridos, olhar selvagem e dentes afiados.

7 - Ratos são os primeiros a abandonar o barco

Alguém já se perguntou qual a origem desse ditado?

A resposta é muito simples. Ratos são sobreviventes por natureza, eles foram "construídos" com mecanismos de auto-preservação que lhes permite perceber muito antes de qualquer outra criatura uma alteração no ambiente que pode ser ameaçadora.

Em Cloverfield, em dado momento, os personagens que estão em uma galeria subterrânea são cercados por milhares de ratos que às pressas tentam abandonar os túneis porque sabem que eles estão infestados pelos parasitas que caíram do monstro. É apenas um indício de que alguma coisa está errada, mas funciona que é uma beleza para deixar os PCs em pânico, sabendo que "algo estranho está acontecendo e os animais estão assustados com algo incomum".

Em outra aplicação dessa cena, os ratos podem muito bem mostrar uma rota de fuga de uma ruína, templo abandonado ou masmorra em chamas. Basta seguir os ratos.

8 - Efeito progressivo de Veneno


Em Cloverfield os malditos parasitas tem uma mordida que transmite uma substância desconhecida que provoca uma série de efeitos cumulativos: fraqueza, tontura, febre, a vítima chora lágrimas de sangue e enfim explode. Ok, não é o melhor dos efeitos, mas essa cena me fez pensar numa coisa. 

Vocês já notaram que em aventuras de RPG, geralmente os venenos tem efeito imediato?

É bater e valer, o cara que é picado por uma aranha começa a babar logo em seguida. O sujeito ferido por um dardo paralisante disparado por um nativo cai estatelado assim que é atingido. O espinho de uma planta exótica imediatamente deixa o aventureiro febril incapaz de seguir em frente.

Em certos casos, o efeito de uma toxina, veneno ou droga no organismo é realmente imediato, mas na natureza, a maioria esmagadora dos efeitos provocados por veneno tende a ser lento e progressivo. Isso porque o próprio corpo tenta se defender dos efeitos anulando ou eliminando os efeitos. É uma espécie de queda de braço na qual o corpo tenta combater a substância tóxica. Nesse meio tempo, a vítima passa por uma série de estágios que progridem a medida que seu organismo lida com a substância.

Fraqueza, tontura, náusea, febre, tremores, escurecimento da área da picada, cegueira, paralisia, dificuldades respiratórias, alucinações, incapacidade de raciocinar, torpor, vômitos... todos sabemos enumerar diversos sintomas de envenenamento, mas porque será que quando estamos narrando uma aventura de RPG, a gente convenciona a simplesmente dizer "você está envenenado, perde tantos pontos de vida" ou "você se sente fraco, não consegue andar" e isso,  logo depois do veneno ser injetado ou ingerido.

O certo talvez fosse dizer que o veneno se espalha lentamente e aos poucos vai se fazendo sentir, permitindo que o personagem continue agindo, ainda que com algum desconforto. Não é muito difícil simular isso numa mesa de jogo e talvez seja "divertido" (senão dramático) narrar como o veneno aos poucos vai debilitando o personagem e que se ele não for tratado acabará morrendo ou sofrendo algum efeito danoso.

*     *     *

Bom, é isso. Dependendo da resposta a esse artigo penso utilizar outros filmes como material para buscar inspiração. Sugestões de títulos, é claro, são muito bem vindos.

8 comentários:

  1. Acho que só faltou comentar sobre as cenas de combate e a conclusão quando um mostro desses aparece. Fico imaginando a cena dos exércitos jogando magia e todo seu poder sem fazer nenhum efeito sobre o monstro enquanto os jogadores tentam se esquivar e buscar um lugar seguro.

    Ao mesmo tempo, depois que o monstro fez picadinho de todos ele resolve ir atrás dos jogadores e só quem passa pelos testes é que consegue realmente se esconder antes da "bomba nuclear" acabar com tudo em volta. hehehe

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  2. Belo artigo, tirou leite de pedra, esse filme é ruim que dói!

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  3. Ótimo artigo. Já sugiro fazer algo parecido com "The Descent", "V/H/S" ou "Chernobil Diaries", esse último é bem meia-boca.

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  4. Muito bom mesmo! Eu sugiro: The Thing e The Evil Dead.

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    1. Concordo. O ambiente de The Thing é uma situação bem paranoica e assustadora.

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  5. Excelente!! Estou conhecendo o blog agora, está de parabéns!

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  6. Muito boas sugestões! Um dos motivos que me fez gostar desse filme - mesmo todo mundo odiando - é exatamente o leque de possibilidades narrativas contidas em seu roteiro. Possibilidades que você esquematizou muito bem! Obrigado!

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