quinta-feira, 3 de abril de 2014

Numenéra - 400 páginas de aventura e excitação - Parte 3/3


Aqui está a conclusão da resenha sobre Numenéra, sério prometo, última parte mesmo sem mais delongas.

Já escrevi bastante a respeito da ambientação, sobre os personagens (na primeira parte) e sobre as regras e mecânica (na segunda parte) e agora pretendo me concentrar nos aspectos físicos do livro em si. Para quem chegou atrasado e perdeu as duas partes anteriores, eu sugiro dar uma procurada no Blog e ler na ordem em que foram escritos. Para os que não são muito afeitos de artigos divididos em partes e que estavam esperando a porção final para ler tudo junto, eu peço desculpas pela demora na conclusão. 

Entre uma postagem e outra, no dia primeiro de Abril houve uma descoberta que precisava ser noticiada (ainda não entendo porque alguns tem dado sorrisos cada vez que falo da tal descoberta). Mais grave, é que perdi parte do texto da resenha de Numenéra (no que parece ser um complô dos Antigos para me enlouquecer), coisa que me obrigou a escrever tudo de novo - ao menos as partes que eu ainda lembrava.

De qualquer maneira, aqui está o resultado final redigido entre xingamentos e palavrões que é melhor nem mencionar.

Sem mais, voltemos a Numenéra.

*     *     *

Falar de um livro de 400+ páginas parece ser uma daquelas tarefas titânicas que a gente tem tempo de sobra para se arrepender quando chega mais ou menos na metade. Mas com essa resenha em especial, algo diferente aconteceu...

Talvez por se tratar de um jogo que conseguiu me cativar desde o momento em que folheei suas páginas, talvez por eu ter comprado a ideia central por trás do jogo ou talvez ainda, porque o livro é realmente muito bem escrito as coisas não foram tão complicadas. Desconfio que cada uma dessas razões foi responsável por fazer a resenha tomar a forma que tomou. Fato é que o Livro Básico de Numenéra se mostrou incrivelmente interessante de ler. Os amigos que me conhecem sabem que sou um leitor que prefere digerir os livros lentamente. Verdade seja dita, eu leio devagar mesmo, em parte porque gosto de absorver os detalhes para não precisar retornar desnecessariamente a um trecho. 

No caso de Numenera não foi bem isso que aconteceu. Eu li o livro em uma velocidade fora do normal. Não vou mentir, quando o livro chegou aqui em casa, dei uma olhada, respirei fundo e pensei: "Ok, vou precisar de um mês para ler esse calhamaço inteiro". Mal sabia eu que acabaria devorando o livro em pouco menos de duas semanas, o que deve ser um recorde pessoal se um dia eu computar essas coisas.

E a razão para ter completado a leitura com tamanha rapidez nada tem a ver com tempo livro e disponibilidade (quisera eu, dispor de qualquer um dos dois!). Não, a razão para eu ter lido as 400+ páginas dessa maneira é que o livro flui com uma facilidade incrível.

Numenéra é muito bem escrito e você facilmente se deixa levar pelos detalhes, pelas sutilizas e pelo colorido do texto.



Monte Cook quando inspirado consegue escrever coisas fantásticas, narrativas tão vívidas e cheias de detalhes que você sente como se ele estivesse descrevendo um lugar visitado recentemente. A maneira como o Nono Mundo ganha vida através do texto é nada menos que fantástica. O leitor tem sua curiosidade despertada pelo conto introdutório, passa para um panorama do mundo e quando se dá conta, é tarde demais; já foi fisgado.

"Mas o quem tem nesse livro afinal de contas"? - alguém pode perguntar depois de todos esses elogios. Então vamos por partes. 

Fisicamente o livro tem um acabamento impecável: Capa dura, totalmente colorido, páginas em papel couché brilhante, capa dura, diagramação excelente... não é um livro barato (o preço de capa é US$ 59,99, ainda você o encontre no Amazon com um desconto considerável). Mas apesar do valor elevado, você VÊ onde gastou o seu dinheiro. O livro é MUITO bonito.



A arte de capa é atraente e consegue passar perfeitamente uma sensação de mistério, excitação e aventura. É o tipo de capa capaz de atrair e despertar aquela curiosidade básica de abrir o livro e descobrir do que ele trata. Muita gente que olha a capa rapidamente supõe que é mais um RPG de fantasia medieval, mas olhando com um pouco de atenção se percebe alguns elementos tecnológicos e únicos de Numenéra.

A arte interna é farta, com desenhos excelentes, alguns medianos, mas no geral de boa qualidade complementando bem os textos como recurso visual. O destaque fica por conta das belas vistas do Nono Mundo, onde não faltam cidades estranhas e lugares isolados, remetendo ao clima surreal da ambientação. Temos ilhas flutuantes, cidades com arquitetura claramente medieval mas com toques óbvios de modernidade, florestas com árvores de cristal e toda uma fauna de animais incomuns. A arte dos personagens ajuda muito a situar o jogador e exemplificar como são os exploradores e habitantes desse mundo. A contra capa trás um detalhado mapa colorido do Nono Mundo, colocando em evidência os reinos, cidades e pontos de interesse. Eu gosto desses mapas no verso da capa, embora aqui não houvesse tanta necessidade, uma vez que um mapa idêntico do tamanho de um poster, acompanha o livro. A cartografia aliás é outro ponto de destaque, há uma enorme quantidade de mapas e todos eles são repletos de detalhes.



A primeira metade do livro, logo depois do conto introdutório, trata de criação de personagens e fornece as diretrizes passo a passo para construir seu explorador. As regras de criação contém muitos exemplos e dicas para personalizar seu explorador e torná-lo algo único. Há também um capítulo dedicado a equipamentos, cobrindo moedas, armas, armaduras, lista de itens e objetos especiais usados no dia a dia do Nono Mundo.

Seguem-se dois capítulos sobre regras que explicam detalhadamente o funcionamento da mecânica com direito também a regras opcionais que vão desde maneiras criativas de empregar os pontos de experiência até novas raças não humanas e mutantes que podem ser escolhidos pelos jogadores.

A parte destinada a ambientação é bem completa. O Nono Mundo é um lugar VASTO, com muitas regiões a serem visitadas e exploradas pelos jogadores. Esses capítulos se dedicam a dar um colorido ao Nono Mundo e mostrar como é o dia a dia nesses lugares com um enfoque nas sociedades, nos costumes e tradições. Há três grandes áreas de exploração no Nono Mundo: O Steadfast (a região civilizada), The Beyond (A área selvagem que está nos mapas) e Beyond the Beyond (a área totalmente desconhecida sobre a qual pouco se sabe). Cada uma dessas grandes massas territoriais é apresentada em detalhes com direito a uma descrição de suas cidades, dos principais NPCs e de vários segredos. Essas dicas são úteis para o narrador que deseja criar suas próprias estórias e lançar os exploradores em lugares perigosos sem perda de tempo. A existência de Sociedades Secretas operando no Nono Mundo também concedem valiosas oportunidades para inserir aliados e inimigos para seus jogadores.



Um dos elementos interessantes de Numenéra é a preocupação de fazer o Livro Básico ser o mais completo possível a ponto de permitir que o narrador crie suas próprias estórias logo depois de concluir a leitura. Sendo assim, não poderia faltar uma boa quantidade de criaturas, monstros e animais nativos do Nono Mundo para servirem como desafio aos exploradores. A lista inclui cerca de quarenta seres que formam um bestiário bem diversificado onde se encontra desde monstros medonhos e insetos sanguinários, passando por bestas famintas, robôs bizarros, seres alienígenas  e coisas ainda mais ameaçadoras. 

Eu amo bestiários, sempre adorei os Monstrous Compendium e Monster Manual da vida, e folhear essa páginas contendo uma coleção de criaturas absurdamente medonhas, nunca antes vistas, é extremamente prazeroso. Muitos desses monstros servem como base para criar aventuras já que cada criatura, além das estatísticas possui informações básicas a respeito de seus hábitos e ecologia. Eu sempre achei que uma boa descrição de um monstro deveria incluir dicas para utilização do mesmo e é justamente isso que temos aqui. Os monstros são muito mais do que simples estatísticas a serem zeradas em combate e essa é uma diferença marcante.



Outro ponto chave na ambientação é descrever os efeitos da Numenéra e qual o efeito desses objetos no Nono Mundo. A Numenéra, como já disse anteriormente, é toda fonte de tecnologia criada pelas civilizações antigas. Cada um funciona de uma maneira específica, em termos de jogo, concedem bônus, trunfos ou modificadores positivos para os exploradores. Em uma analogia a outros RPG, os objetos com Numenéra podem ser compreendidos como objetos mágicos. E na verdade, o próprio livro abraça esse conceito citando o princípio de que "tecnologia inexplicável, nada mais é do magia".

A Numenéra se manifesta em três modalidades de objetos: 


As Oddities (estranhezas) são exatamente isso, coisas esquisitas cuja utilidade prática nem sempre é compreendida, mas que concedem um "gosto" da Numenéra. Esses objetos podem ser usados como moeda de troca e são os mais simples e comuns sendo encontrados aos montes em ruínas e velhas instalações. Um quadrado de metal que todo dia na mesma hora toca uma música, um globo de plástico que flutua no ar e emite um brilho azulado, uma jaqueta que jamais fica suja ou amarrotada, uma oddity pode ser literalmente qualquer coisa.

Os Cyphers são dispositivos tecnológicos (mágicos) um pouco mais avançados, sendo capazes de realizar alguns "milagres" assombrosos e inesperados. Cada Cypher é único e via de regra só pode ser usado uma vez, exaurindo suas capacidades depois de acionado. Entre os Cyphers temos todo tipo de traquitana tecnológica esquisita, desde pílulas que são capazes de alterar as feições de uma pessoa, até tatuagens que permitem acessar a Datasphere (a internet que continua ativa) e dispositivos que disparam rajadas mortais de energia concentrada. Um dos princípios do jogo é que os cyphers sejam usados continuamente e que os jogadores não acumulem trocentos itens em sua mochila. A forma como o jogo soluciona essa questão e "obriga" os personagens a usar os itens, prevê que acumular esses itens pode ser perigoso. Cada tipo de aventureiro é capaz de carregar uma determinada quantidade de cyphers, sendo que ultrapassar esse limite pode resultar em efeitos inesperados. Algumas pessoas reclamaram dessa regra que parece existir apenas com o intuito de impedir o "acúmulo de tesouros" (o tal hoarding). É uma regra discutível, mas o próprio livro sugere razões para a interferência dos cyphers e cabe ao narrador escolher qual delas usar ou ignorar completamente isso.


Mais potentes e confiáveis, os Artefatos são objetos com grande concentração de Numenéra. Alguns deles possuem carga e seu uso contínuo pode drenar as suas baterias deixando-os inúteis. Um artefato é semelhante a um cypher, contudo, mais avançado e capaz de efeitos ainda mais surpreendentes: Mochilas com propulsores anti-gravidade, dispositivos de teleporte imediato, armaduras transparentes feitas de material líquido, em resumo, qualquer coisa, fruto da avançada tecnologia das civilizações perdidas. Além de serem valiosos e raros, os artefatos concedem pontos de Experiência em decorrência de sua descoberta.


O livro tem tabelas para que o narrador possa rolar aleatoriamente quais objetos de Numenéra são encontrados pelo grupo. A lista é bem extensa e vários suplementos se concentram em ampliar o número de itens; de modo que tão cedo o narrador não vai ter de repetir objetos. Cada um acrescenta uma pitada de caos à sessão, alguns são realmente poderosos, outros nem tanto, mas o uso de uma tecnologia sempre acrescenta um grau de imprevisibilidade que é bem vinda, sobretudo se o narrador gosta de improvisar as situações mais inesperadas.

Além de várias dicas a respeito de como conduzir uma sessão e de sugestões para os que aspiram a escrever seus próprios cenários, o Livro apresenta quatro aventuras curtas que servem como introdução para o universo de Numenéra. As aventuras são bem simples, acredito que o objetivo era apenas exemplificar situações e fixar as regras, já que elas tocam apenas superficialmente em conceitos essenciais do jogo.


"The Beale of Boregal", a primeira aventura se propõe a ser a clássica introdução e é explicada de maneira quase didática para facilitar o trabalho do narrador. A aventura parte de uma premissa interessante, mas acaba se perdendo em um desenvolvimento um tanto simplório e ao meu ver tem um final pouco satisfatório. Não é uma aventura ruim, mas precisa de umas boas alterações para funcionar. Eu narrei ela com mudanças e ao meu ver o resultado foi bom. A segunda aventura "Seedship" é mais um encontro com algumas reviravoltas do que uma estória. Há algumas coisas interessantes, mas é o tipo da aventura que funcionaria melhor com uma premissa mais detalhada. "The Hidden Price" me pareceu promissora, tanto que pretendo narrar em breve. Ela envolve alguns elementos bem interessantes de investigação e negociação. Também introduz um NPC (amigo ou inimigo dependendo das ações do grupo) que pode vir a se tornar personagem recorrente numa campanha. Finalmente "Three Sanctums" é a cereja no bolo. A aventura mais bem elaborada e com repercussões para o grupo e desdobramentos que podem ser aproveitados a longo prazo. Essa também está no meus planos com as devidas mudanças e ajustes.



De uma forma geral, as aventuras não são ruins, mas carecem desses ajustes, sobretudo na conclusão. Elas servem bem ao propósito de apresentar os jogadores ao jogo e familiarizar o narrador com um sistema diferente.

Então, qual o veredito final?

Posso afirmar que Numenéra, sem dúvida, é um dos melhores lançamentos de RPG nos últimos tempos. Uma ambientação riquíssima, com inúmeras possibilidades que sem dúvida oferecerá algo interessante até aos mais exigentes narradores e jogadores. Seu conceito é maleável a ponto de permitir a inserção de diferentes gêneros indo facilmente da ação vertiginosa, passando por algo que contempla horror, escolhas pessoais ou simples exploração de ruínas com o propósito de matar criaturas e recolher tesouros. O narrador pode adaptar o que bem entender, quando bem entender e o resultado dificilmente será ruim.



A ambientação consegue ser atraente e misteriosa na medida certa, uma ótima opção para qualquer um que goste de exploração, exotismo e excitação. Nas mãos de um bom narrador e de um grupo que compre a ideia, Numenéra tem tudo para resultar em aventuras e campanhas memoráveis. O sistema se encaixa perfeitamente na proposta do jogo, é rápido, fluido e suficientemente simples, sem perder a elegância.

Caras, eu recomendo esse livro sem reservas para qualquer grupo com uma queda por cenários cheios de mistério e aventura. Numenéra tem muito a oferecer e vale a pena mergulhar de cabeça nesse fascinante Mundo de encantamento e maravilhas. 

8 comentários:

  1. Que material interessante ! excelente post Luciano...só gostaria muito que , se possível , uma hora você publicasse um tutorial de como importar livros ( acredito que você compre pelo Amazon não tenho certeza ) ...seria muito bem vindo ! Obrigado...

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  2. Rod, eh simples... vc bota o livro que quer nocarrinho da amazon, paga com o cartao (que tem q ser internacional) e voila. Não tem mistério...

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  3. Luciano, tenho uma dúvida a respeito do cenário.

    Você diz que o Nono Mundo é a Terra bilhões de anos no futuro, é possível (ou relevante) reconhecer em qual região geográfica do nosso mundo esse cenário está disposto?

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    1. É virtualmente impossível, Iguilhermedds. Em algum momento da história antiga, ninguém sabe ao certo, alguma das civilizações ancestrais remodelou as massas continentais em um formato totalmente estranho para nós. Desse modo não tem como dizer onde fica o Steadfast ou o Beyond ou a que eles corresponderam um dia no passado. Eu pelo menos não vi nada nesse sentido...

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    2. Até porque, pelo que entendi, a Terra passou por transformações físicas, geomórficas, então não tem nada igual à Terra atual.

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  4. Posso fazer Rod, mas realmente, como o Filipe disse, não tem segredo.

    A única exigência é fazer um cadastro na loja e ter um cartão de crédito que aceite compras feitas no exterior. No mais, o procedimento envolve apenas colocar o item no carrinho, fechar o pedido, efetuar o pagamento pelo cartão e esperar.

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  5. Show. E agora,quem vai trazer através do Catarse.me?

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  6. Encontrei sua resenha após ter comprado o Livro "Básico" (que me pareceu bem completo), e uma série de outros complementos via eletrônica. E tua resenha só confirmou minha certeza de que o Numenera é tudo que eu sempre gostaria em uma mesa de RPG, mas nunca encontrei por falta de criatividade (ou desinteresse) dos mestres. E só fiquei mais ansioso para a chegada do livro!!

    Eu que cresci lendo os clássicos da ficção científica como Morcoock, Heinlein, entre outros, estou achando que o Nono Mundo vai ser perfeito para tirá-los da imaginação...

    Grande abraço e obrigado pela resenha (em português, está difícil de encontrar lusófonos interessados ou que conheçam o sistema)!

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