sexta-feira, 25 de abril de 2014

La Santa Muerte - Culto devotado a santa padroeira da Morte ressurge no México


Essa matéria no site da CNN me chamou a atenção:

Cidade do México (CNN) - Autoridades do Estado de Sonora no Norte do México prenderam oito pessoas acusadas de terem participação no assassinato de dois meninos e de uma mulher no que foi descrito como rituais de sacrifícios humanos para a Santa Muerte - a Santa padroeira da morte.

As vítimas, duas com apenas dez anos de idade, tiveram suas gargantas cortadas e seu sangue foi oferecido em um altar consagrado a Santa Muerte, de acordo com Jose Larrinaga, porta voz da promotoria local. Os acusados contaram que cometeram esse horrível crime para garantir que a Santa Muerte, retratada como um esqueleto vestindo um manto negro e carregando uma foice, lhes garantisse proteção sobrenatural e causasse a morte de seus inimigos.

O culto da Santa Muerte tem se tornado cada vez mais popular entre criminosos, presidiários e traficantes de drogas no norte do México. A figura religiosa, embora não seja reconhecida pela Igreja Católica, obteve grande popularidade nos últimos anos, sobretudo entre a população mais pobre do Norte do país.

Detalhes sobre o caso tem sido mantidos em sigilo pela Divisão de Homicídios e pela Polícia Estadual Investigativa (PEI), que rotulou todos os casos envolvendo seguidores da Santa Muerte como praticados por "Cultos Satânicos".

A polícia vinha investigando vários desaparecimentos desde o final de 2013. Havia a suspeita de que um assassino em série estivesse agindo na região, mas a própria polícia não tinha pistas e a descoberta de que os crimes foram praticados por um grupo de pessoas foi surpreendente. Os assassinos buscavam crianças em comunidades carentes, se aproximavam delas oferecendo presentes e doces e as sequestravam. As vítimas eram levadas até a sede do culto, numa pequena cidade mineradora chamada Nacozari de Garcia, a cerca de 250 quilômetros ao norte de Hermosillo, a Capital do estado. O Culto funcionava em um rancho que servia como templo, onde os rituais eram realizados. As vítimas eram sacrificadas diante de uma imagem da Santa Muerte em tamanho natural. 

Os corpos eram em seguida esquartejados e enterrados em uma mina desativada nos arredores da cidade. A polícia não quis comentar os insistentes rumores de que dezenas de ossadas humanas foram encontradas na parte mais profunda dessa mina. Especialistas Forenses acreditam que muitas outras ainda possam ser encontradas em um setor alagado do complexo. 

A maioria dos acusados pertencem a mesma família. Além dos oito indivíduos capturados, a PEI expediu mandato de prisão para outros doze suspeitos de terem participado diretamente ou que deram suporte ao Culto durante os 20 anos de sua existência. O mais jovem dos acusados tem apenas 15 anos e supostamente estava sendo treinado para assumir a função de carrasco, responsável por levar à cargo os sacrifícios de sangue.

 "Nunca algo assim aconteceu no Estado de Sonora, estamos todos chocados. Nós não iremos tolerar esse tipo de violência, os culpados serão tratados com todo rigor da lei", disse o governador Guillermo Padres Elias.

*      *      *

A Santa Muerte também conhecida como Santíssima Muerte é a temida Santa Padroeira da Morte, do esquecimento e das almas assassinadas cuja origem data do período Pre-espanhol do México. O povo Mexica a conhecia por outro nome MICTECACIHUATL, "A Senhora das Terras dos Mortos", uma divindade que se acreditava protegia as almas residindo no submundo. Ela era a concubina de MILANTECAHTLI, o Senhor da Terra de Mictlan, o equivalente ao limbo, a morada dos mortos amargurados segundo o folclore local. Ele também era conhecido como o Senhor das Trevas, uma figura posteriormente identificada com o demônio cristão.

Os nativos representavam Mictecacihuatl como uma mulher vestindo trajes tradicionais Mexica, adornada ou decorada com mantos cinzentos tradicionalmente usados nas cerimônias de cremação. Ela vestia ainda uma assustadora máscara de crânio, com uma protuberância que se projetava na cavidade nasal e podia ser usada para ferir seus adversários. Segundo o mito essa ponta afiada era utilizada para perfurar a face dos inimigos provocando um horrível ferimento. 

Mictecacihuatl era uma divindade conectada com o Dia Sagrado dos Mortos, uma das datas mais importantes no calendário festivo do México. O Dia de Los Muertos, era um feriado que originalmente caia no final do mês de Julho e início de Agosto, dedicado às crianças que morriam cedo e que precisavam ser lembradas pelos seus parentes. Nessa data pedia-se que a Senhora da Terra dos Mortos intercedesse e tomasse conta dos pequeninos como se fosse sua verdadeira mãe. 

O feriado foi alterado após a chegada dos Conquistadores Espanhóis, os Padres Católicos mudaram a data das comemorações para coincidir com o Dia de Todos os Santos (Halloween), em uma tentativa flagrante de converter o dia sagrado em uma data cristã. Apesar das tentativas dos padres em mudar também a essência do feriado, o Dia de los Muertos se manteve fiel às suas raízes honrando entre outras coisas a Senhora da Terra dos Mortos. Os nativos acreditavam que os Velhos Deuses haviam ficado tão desgostosos com a chegada dos conquistadores que cogitaram abandonar o Mundo dos Homens e serem esquecidos para sempre, mas na última hora mudaram de ideia. Eles não morreram, optaram por dormir, sendo acordados de tempos em tempos através da fé de seus fiéis e de suas orações em datas específicas.

Representação de Mictecacihuatl
Tanto Mictecacihuatl quanto seu consorte Mictlantecahtli recebiam oferendas de sangue e sacrifícios praticados pelos Mexica. Em troca, as divindades garantiam uma morte favorável e pacífica quando chegasse a hora. Segundo a tradição, para receber o favor da deusa, o fiel tinha que sujar a mão direita com o sangue de seu sacrifício, sangue esse que era passado sobre uma estátua representando a Deusa. Uma vez que o sangue desempenhava um papel central nos rituais religiosos, a cor vermelha tornou-se associada aos Deuses dos Mortos e por extensão a cor atribuída a morte e a todos os rituais fúnebres. Outro elemento curioso é que Mictlantecahtli e sua amante Mictecacihuatl supostamente viviam na escuridão e se sentiam incomodados pela luz. Quando os ritos dedicados a eles eram conduzidos pelos seus seguidores, uma das regras fundamentais era que todas as tochas e fogueiras fossem apagadas e que eles só fossem invocados em noites sem lua.

Seguidores fiéis dos antigos Deuses da Morte dos Mexica existiram até o final do século XIX, sobretudo nas regiões mais interioranas do México. Muito embora a população tenha aderido em massa ao catolicismo romano, grupos esparsos de cultuadores de Mictecacihuatl continuaram realizando rituais secretamente apesar dos fortes tabus e perseguições que seus adeptos podiam sofrer por parte do restante da população.

Embora não existam razões que expliquem os motivos para os Deuses da Morte continuarem tão populares a ponto de sobreviver no período pós-conquista. É possível que o caráter protetor e seu importante papel nas celebrações do dia de los Muertos tenham garantido sua longevidade. Hoje, o Dia dos Mortos é um dos feriados mais populares do país e todo o mexicano legítimo rende reverência a essa data.

O povo Mexican acreditava que os Deuses Antigos um dia voltariam. Eles seriam despertados do esquecimento pelo fervor de seus seguidores para derrubar os invasores e seus "Falso Deus". A Senhora da Terra dos Mortos não sofreu o mesmo destino da Virgem de Guadalupe que era originalmente a Deusa Mexica conhecida como Tonantzin (A Deusa da Lua, um dos aspectos benignos de Coatlicue). Os missionários aproveitaram as imagens de Tonantzin e a transformaram em um equivalente à Virgem Maria a fim de atrair os nativos pagãos para a fé cristã. Mictecacihutal por outro lado manteve seu sentido original, apesar de, por intermédio do sincretismo religioso, ela ter se transformado na Santa Muerte.

Estátua da Santa Muerte 
Acredita-se que a reverência moderna a Santa Muerte tenha surgido na cidade de Hidalgo em meados de 1965 (embora existam referências a pessoas que supostamente seguiam a santa nos anos 1930 ou mesmo antes).

A moderna Santa Muerte possui uma imagem que retém os poderes e características de Mictecacihuatl, a Senhora da Terra dos Mortos e protetora das almas das crianças. Com o tempo, sua imagem se tornou idêntica a figura da Morte clássica (o Ceifador ou Grim Reaper) das tradições necromânticas europeias que tiveram grande influência no México. Além do manto preto e da foice, ela carrega alguns ícones que a identificam como Mictecacihuatl: uma coruja, por exemplo, é vista muitas vezes em destaque em suas estátuas. Outros objetos associados a ela são a balança, a ampulheta, crânios humanos e um globo de cristal (que representa o domínio dela sobre todo o mundo inteiro).

As imagens da Santa Muerte são sempre muito parecidas. Elas retratam uma mulher vestida com um manto preto semelhante ao traje de uma freira, seu rosto e as mãos são a única parte do corpo descobertas. Em geral, as estátuas são pretas, feitas de pedra obsidiana, mas as partes do seu corpo são sempre esqueléticas, pintadas com cal virgem adquirindo uma coloração branca. Na base da estátua, aos seus pés, os fiéis costumam acender velas, queimar incenso ou depositar presentes como grãos e sementes. Ossos, mechas de cabelos de um cadáver e pregos de caixões também são presentes adequados que remetem a ritos necromânticos medievais levados para o Novo Mundo e convertidos na Brujeria. As velas são um claro sinal de sincretismo, já que na tradição dos Mexica as orações a Mictecacihuatl ocorriam na escuridão. As velas aliás desempenham um importante papel nos ritos da Santa Muerte. Essas velas tem diferentes cores, as pretas servem para ferir inimigos (não matar), as brancas buscam proteção espiritual e limpeza, enquanto as de cor vermelha se referem a vingança e pedem a morte dos inimigos.      

A Santa Muerte era popularmente chamada de La Huesuda (A Ossuda) nas áreas rurais e dizem, muitas pessoas mantinham ao menos uma pequena imagem dela escondida em casa, mesmo aqueles que eram cristãos praticantes. Há um ditado no México que afirma que geralmente pessoas poderosas "escondem ossos em suas casas", o que basicamente significa que essas pessoas possuem estátuas de La Huesuda para quem rezam e prestam homenagem, ganhando em troca, favores e poder.

Gangues mexicanas que adotam a Santa Muerte como padroeira em tatuagens
O ressurgimento de Cultos organizados de devotos da Santa Muerte parece ter encontrado praticantes sobretudo entre criminosos e membros do submundo (contrabandistas, prostitutas, ladrões) nas últimas décadas. Indivíduos ligados aos Cartéis e com o Narcotráfico, afirmavam que a Santa Muerte era sua santa padroeira e usavam a imagem assustadora dela para amedrontar seus inimigos prometendo que estes teriam um fim terrível se ficassem em seu caminho uma vez que eles gozavam de sua proteção sobrenatural. 

Desde então, a Santa Muerte foi adotada por várias facções criminosas, usada como forma de intimidação e coerção. Em 1988, um massacre ocorrido nos arredores de Zamacona envolveu um sacrifício à Santa Muerte; na ocasião um grupo de criminosos eliminou sete rivais de outra facção, derramando o sangue deles sobre uma estátua. O crime causou comoção e teve ampla repercussão em todo país. Desde então, os Federales (a polícia de combate ao tráfico de drogas no México) localizaram inúmeros esconderijos usados por traficantes onde pequenos templos dedicados a Santa Muerte são algo corriqueiro.

A Seita homicida descoberta recentemente no Estado de Sonora se difere das demais uma vez que ela não era formada por criminosos que tentavam assustar seus competidores, mas por pessoas comuns, camponeses que aderiram a práticas religiosas ancestrais que provavelmente seus antepassados também seguiam. 

Até que ponto a Santa Muerte (ou quem sabe Mictecacihuatl) encontrará novos seguidores não se pode dizer, mas sem dúvida, o ressurgimento de seitas antigas suscita questões sobre até que ponto velhas tradições podem ser trazidas de volta.

Os Velhos Deuses estariam dormindo, mas quantos fiéis seriam necessários para eles um dia despertarem?

5 comentários:

  1. lembra muito a trama de true detective.

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  2. Novamente, o lema do Blog é válido: o mundo real é tão assustador quanto qualquer ficção.

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  3. From Dusk Till Dawn Series... e um pouco de Breaking Bad

    Esse blog é muito interessante!!

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  4. Cara, o texto está muito bom, mas é sempre bacana deixar o link das fontes que foram utilizadas para escrevê-lo. No caso se foi uma matéria da CNN, deixar o link da matéria pra galera conferir lá também.

    Abraço.

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  5. Por causa de sua imagem, infelizmente La Santa Muerte é vítima de muito preconceito, principalmente de alguns cristãos, sou devota dessa santa e o que posso dizer dessa entidade é que realmente se sente uma energia protetora, consoladora e intensa, quando acendemos uma vela a ela e oramos ou rezamos de coração. Conheço pessoas que conseguiram a cura de doenças e outro milagres para quem pede com fé e coração puro algo a ela.
    Na nossa cultura ela não é muito divulgada, mas no México, estados Unidos você pode comprar imagens, descobrir rezas poderosas e simpatias a santinha.

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