sábado, 24 de outubro de 2020

Mistério Diabólico - Violência, feitiçaria e um crime macabro sem solução


A história está repleta de crimes sem solução que estão destinados a continuar assim para sempre. 

Por várias razões algumas pobres almas parecem fadadas a jamais descansar, seja pelas misteriosas, por vezes absurdas, circunstâncias que envolvem suas mortes ou pelo fato da identidade de seus assassinos jamais serem descobertas. Contudo, poucos casos são tão bizarros ou sinistros, quanto um incidente ocorrido há mais de 40 anos e que ainda desperta interesse por envolver elementos aterrorizantes de feitiçaria, satanismo, rituais sinistros e segredos inomináveis.

A história tem início com um cão. Em 19 de setembro de 1972, em Springfield, Nova Jersey, um cão retornou ao seu dono trazendo na boca algo inesperado e macabro. Para horror de seu dono, ele estava carregando os restos decompostos de uma mão humana. As autoridades foram contatadas imediatamente e começaram a empreender buscas na floresta onde o animal havia estado recentemente. Trouxeram cães farejadores que sem dúvida os levariam até o restante do cadáver, seja lá de quem fosse ele. Não demorou muito para que fosse encontrado nos arredores da Pedreira de Houdaille, um lugar afastado e isolado, desativado fazia alguns anos.

O corpo estava largado em uma área arborizada da pedreira que tinha o agourento nome de "Dente do Diabo" uma vez que as pedras espalhadas pelo terreno lembravam dentes afiados pendendo numa enorme mandíbula. O cadáver pertencia a uma jovem mulher caída de bruços no solo lamacento, a face voltada para o chão. Ela estava totalmente vestida, mas dias de exposição ao sol e chuvas haviam causado uma rápida degradação que dificultava determinar a causa da morte. Seria preciso fazer uma análise dentária para garantir a identificação, o que revelou se tratar do corpo da adolescente Jeanette DePalma de 16 anos. Ela vivia no local e seu desaparecimento havia sido registrado em 7 de agosto do mesmo ano. Na época da comunicação, a polícia conduziu extensas buscas pela garota que não resultaram em nenhuma pista de seu paradeiro. Para todos os efeitos, as autoridades imaginaram que ela havia fugido de casa, algo comum entre jovens.

A análise forense dos dentes demonstrou que ela estava morta fazia 6 semanas, o mesmo período de tempo pelo qual ela estava sumida. Contudo, ainda que o mistério do que havia acontecido com DePalma estivesse solucionado, o verdadeiro mistério estava apenas começando. Afinal, era preciso descobrir como ela havia morrido e em que circunstâncias. A partir desse ponto, a história se torna extremamente estranha.  


A análise da cena do crime onde o corpo foi achado rendeu algumas curiosas descobertas. Próximos do cadáver havia uma coleção de tocos de madeira e galhos que à primeira vista não pareciam ter nenhum significado, contudo, uma segunda análise demonstrou que eles haviam sido posicionados de modo intencional. Mais sinistro ainda, o padrão formava uma imagem ligada ao ocultismo. Uma testemunha que esteve presente na cena do crime afirmava que os galhos e tocos estavam posicionados formando um perímetro ao redor do corpo. Quase como se estivesse delimitando uma área trapezoide de onde ele não deveria ser removido. Exatamente ao lado da cabeça, algumas pedras foram posicionadas para apoiar uma cruz improvisada feita de galhos atados com um pano rasgado. A "cruz" havia caído, mas era óbvio que alguma pessoa a havia colocado de pé. A poucos metros de distância encontraram os restos de uma fogueira e o que parecia ser uma curiosa mesa de pedra e madeira que lembrava uma espécie de altar. Uma análise do tampo dessa mesa confirmou que as manchas escuras que a salpicavam eram realmente sangue. E uma análise mais criteriosa provou que era o sangue da jovem.

A essa altura a polícia começou a suspeitar que tinha em suas mãos algo muito mais sinistro do que um simples crime praticado por um matador de ocasião. A cena inteira indicava que elementos ritualísticos estavam presentes e que talvez, o responsável ou responsáveis por aquela morte, estariam envolvidos com feitiçaria, adoração satânica e sacrifício humano.

Os policiais providenciaram para que um antropólogo especializado em ocultismo fosse chamado e examinasse o local. Na época, havia muitos rumores a respeito de seitas satânicas e cultos, e o medo dessas coisas era palpável na sociedade norte-americana. De fato, alguns jornais sensacionalistas afirmavam categoricamente que cultos satânicos agiam livremente nas cidades e realizavam horríveis rituais de sangue e sacrifício. As autoridades não queriam aumentar ainda mais esse temor, portanto, decidiram manter a investigação em sigilo.

O estudioso pediu que os policiais fizessem uma busca pelos arredores e que escavassem ao redor do altar improvisado. Enquanto isso, ele se dedicou a verificar estranhos entalhes feitos nas árvores que compunham a clareira. Nos troncos haviam vários símbolos arranhados, a maioria destes semelhantes a flechas ou setas apontando para a direção da clareira em que o corpo havia sido achado. A escavação dos policiais revelou ossadas de animais enterrados perto do altar e na base de várias árvores. Encontraram ossos de gatos e pássaros, alguns deles com sinais de terem sido mutilados. A descoberta aumentou ainda mais a suspeita de que um cabal de feiticeiros havia capturado a garota e a assassinado em um ritual sangrento.               


Apesar do caráter sigiloso da investigação, não demorou muito até que a imprensa tomasse conhecimento das circunstâncias aviltantes do crime e fizessem a inevitável conexão do caso com elementos clássicos de bruxaria. Equipes de jornalistas seguiram para o local e a imprensa deu enorme destaque para o caso, rapidamente catapultado os acontecimentos para os principais programas de televisão do país. Na cidade não se falava de outra coisa e vizinhos se entreolhavam com uma expressão de suspeita, imaginando quem poderia estar envolvido com seitas diabólicas.

Feitiçaria não era exatamente algo estranho na área de Springfield, que possuía uma longa e fartamente documentada história de incidentes estranhos, muitos dos quais remontando ao período colonial. Entrevistas conduzidas com moradores revelaram que era fato conhecido que algumas pessoas na cidade tinham ligação com ocultismo, adoração ao diabo e que praticavam diferentes modalidades de feitiçaria. Uma cabala de bruxas teria se instalado lá e era sabido que seus membros se encontravam na Reserva Florestal de Watchung onde dançavam nuas ao redor de fogueiras e homenageavam entidades da natureza. Algumas pessoas comentaram que meses antes do assassinato de DePalma ter ocorrido, vários animais mortos foram achados na reserva.

As lendas locais da região incluem várias fábulas sobre bruxas e magia negra. Sendo uma área antiga remontando aos tempos da colônia, Springfield possuía sua parcela de histórias estranhas nascidas num período de enorme superstição. Ainda que as infames caças às bruxas tenham se concentrado na região da Nova Inglaterra, rumores a respeito de congregações de feiticeiras sempre estiveram presentes na história local. Considerada mais tolerante que as colônias de seus vizinhos puritanos, Nova Jersey teria atraído bruxas verdadeiras para seus limites.

Há inclusive uma antiga lenda local que menciona um incidente no qual 13 bruxas teriam sido mortas e enterradas após uma histeria motivada pelo desaparecimento de crianças no final século XVI. O local escolhido para o sepultamento das acusadas teria sido Johnston Drive, uma isolada trilha que antigamente ligava os povoados de Watchung e Scotch Plains. Não há elementos históricos comprovando esse acontecimento, que sem dúvida, dada a sua natureza, deveria ter sido documentado. Muitos historiadores consideram o incidente um boato que ao longo dos séculos se tornou real aos olhos de muitas pessoas.


Ainda assim, rumores como esse ajudaram a sedimentar a crença de que essa região de Nova Jersey, seria o berço de várias tradições de feitiçaria que remontam ao período colonial e que estas teriam ligação com as conhecidas cabalas da Nova Inglaterra que ensejaram a caça às bruxas. 

De fato, feitiçaria sempre esteve intimamente ligada ao povo dessa região em particular. Algumas testemunhas alegavam que rituais de magia negra eram conduzidos nas florestas há séculos e tinham entre seus praticantes pessoas importantes na sociedade local. Por essa razão, as autoridades faziam vista grossa para o que acontecia. Curiosamente, alguns meses antes do crime, um estranho acontecimento teria ocorrido em Springfield, quando vários roubos de livros pertencentes ao acervo da Biblioteca Municipal foram notificados. Dentre as obras que desapareceram das prateleiras estavam vários títulos ligados ao ocultismo, inclusive um raro volume da Enciclopédia do Ocultismo editada no século XVIII.

Uma vez que as investigações avançavam sob segredo de justiça, o público criava suas próprias teorias sobre o que teria acontecido com a garota. Uma das teorias mais populares é que Jeanette DePalma teria se metido com um dos grupos de feiticeiras ativo na região, mas que se arrependeu desse envolvimento e que cogitou abandonar a sociedade após sua iniciação, algo que teria sido visto como um tipo de traição. Desse modo, ela teria sido morta como punição e para prevenir que revelasse segredos ou a identidade dos demais membros da cabala. Para apoiar essa tese, alguns afirmavam que a garota teria manifestado interesse em assuntos relacionados a bruxaria, o que era confirmado por alguns de seus amigos de colégio. 

Outros, no entanto, defendiam que Jeanette simplesmente estava no momento errado no local errado, ou que teria atraído a atenção da cabala que a usou como sacrifício em um dos seus rituais. Embora a garota fosse descrita pelos pais e pelos amigos como dona de um gênio difícil, as pessoas mais próximas afirmavam que ela nunca iria se envolver com o estudo do sobrenatural. Por muitos anos a garota foi uma cristã evangélica devota, presente nos cultos e participativa em várias ações de apoio a drogados e alcóolatras. Os pais diziam que a própria Jeanette havia superado um problema com drogas e que sua recuperação se devia a sua crença no poder divino. Não faria portanto sentido que ela estivesse andando na companhia de bruxos ou satanistas, o que levou outras pessoas a ponderar se ela não estaria tentando regenerar essas pessoas e que elas teriam se voltado contra ela.


Infelizmente, uma série de contratempos, pistas falsas e até mesmo estranhos incidentes se mostraram um forte obstáculo para a descoberta da verdade. Havia muito poucos indícios para a polícia se concentrar e para piorar várias pessoas na cidade pareciam dispostas a dar sua opinião e oferecer sugestões sobre o que poderia ter acontecido. Após algumas semanas a investigação não havia avançado nenhum centímetro na direção da solução. As melhores pistas envolviam informações anônimas obtidas através de telefonemas ou cartas, mas mesmo estas não pareciam ceder informações sólidas para elucidar o caso. 

O único indivíduo a ser conduzido para interrogatório e que por algum tempo foi considerado suspeito foi um vagabundo local chamado Red Kierra. Algumas pessoas já haviam apontado o sujeito como alguém suspeito visto vagando sem destino pela pedreira e que não parecia mentalmente estável. Mas no fim, Kierra tinha um álibi para a época em que o crime havia ocorrido: ele estava preso em outra cidade por vadiagem. Estranhamente, mesmo inocentado da acusação, o vagabundo sumiu sem deixar vestígio. Alguns acreditam que ele possa ter sido vítima de algum grupo de justiceiros.

Sem nenhuma pista na qual pudessem se concentrar ou suspeitos, o caso inevitavelmente começou a esfriar. Quando o assassinato completou 30 anos, a revista Weird NJ lançou uma ampla investigação sobre o caso, tendo contratado detetives e investigadores particulares para avaliar o crime. Mas mesmo esta tentativa esbarrou em obstáculos de todo tipo. Por exemplo, descobriram que em 1990 todos os documentos oficiais e registros sobre o caso se perderam em uma inundação causada pelo Furacão Floyd. Antes porém, documentos importantes, inclusive o laudo da autópsia da vítima havia desaparecido de sua pasta. Na época, algumas pessoas levantaram suspeitas sobre o ocorrido, uma vez que vários arquivos do mesmo período e que eram mantidos no local, sobreviveram sem qualquer dano. Outro rumor bastante bizarro veio à luz quando se soube que os peritos da polícia não haviam feito nenhuma fotografia da cena do crime, um procedimento básico em qualquer investigação de homicídio. Esse rumor não foi confirmado, contudo, nenhuma foto da cena do crime jamais foi divulgada para o público.

Tentativas de entrevistar testemunhas e pessoas consultadas na época da investigação encontraram problemas similares. Décadas antes as pessoas pareciam interessadas em falar, de fato, era difícil controlar o fluxo de informações contraditórias dispensadas. Agora, as mesmas pessoas se negavam a comentar e preferiam se omitir sobre o caso, diziam não lembrar ou afirmavam ter mentido na época. O jornalista responsável pela matéria chegou a cogitar que algumas pessoas estavam temerosas de tocar no assunto, como se nesse período algo tivesse se sobressaído, criando uma sensação perceptível de temor à respeito do caso.  Praticamente todos procurados para falar a respeito demonstraram aquele mesmo desinteresse em cooperar. Aqueles que aceitaram falar a respeito do crime, se limitaram a repetir os mesmos detalhes encontrados nos jornais e pediram para que seus nomes fossem omitidos. O Departamento de Polícia de Springfield por sua vez, foi extremamente frio quanto a fornecer qualquer ajuda para os investigadores que afirmaram ter estranhado a pouca disposição dos policiais em auxiliá-los nos pedidos mais básicos.

A maior parte das novas informações coletadas veio de fontes anônimas enviadas por pessoas que supostamente viviam em Nova Jersey na época dos fatos, mas que haviam se mudado. A maior parte destas informações, no entanto, eram dúbias, vagas e absurdas servindo apenas para expandir ainda mais a aura de estranheza e mistério cercando o crime. Uma das coisas que ficaram claras é que a  maioria das pessoas ainda acreditava que a morte havia sido causada por um culto e que a polícia havia realizado uma investigação desleixada com o intuito de encobrir o nome dos envolvidos. Por isso a quantidade de pistas era tão pequena e por isso evidências haviam sido deliberadamente destruídas. Além disso, o caso parecia ter se tornado um tabu na cidade e na região como um todo.  


O que teria acontecido? Por que toda uma cidade parecia aterrorizada a respeito de falar sobre um crime com mais de 30 anos? Quem poderia ter interesse em ocultar a verdade? E mais importante de tudo, quem teria matado Jeanette DePalma? 

Os fatos bizarros a respeito do crime foram a fonte para incontáveis especulações. A maioria das pessoas acredita que há elementos claros de ocultismo permeando todo o incidente e que o responsável direto pela morte deve ter algum envolvimento com o paranormal. Não faltam teorias, algumas estapafúrdias sobre o culpado: cogita-se que pessoas importantes teriam se envolvido na morte, incuindo figuras nas finanças e na política da cidade. O acobertamento teria sido realizado para preservar o "bom nome" dessas pessoas e livrá-las da punição que deveriam receber. 

Nas últimas décadas, pessoas ligadas a Wicca e outras crenças neo-pagãs vieram à público para negar qualquer envolvimento com aspectos destrutivos ou criminosos, deixando claro que não apenas condenam qualquer tipo de violência como jamais realizariam algo semelhante a rituais de sacrifício humano.

A grande maioria das pessoas ainda acredita que adoradores do demônio podem ter sido os causadores da tragédia e que essa antiga cabala continua agindo nas sombras. Para reforçar ainda mais esse temor, muito se fala a respeito do alto índice de adolescentes e crianças desaparecidas no estado de Nova Jersey, um dos mais altos dos Estados Unidos. Os mais crentes acreditam que uma vasta conspiração de acobertamento se encarrega em desaparecer com pistas e manter as autoridades afastadas. Apenas o acaso revelou a morte de Jeanette DePalma, algo que não aconteceu em dezenas, talvez centenas de outros casos.

Seja qual for a explicação, o assassinato de Jeanette DePalma continua sem solução e tudo indica continuará dessa forma. Não existem documentos, perícias e arquivos e as informações sobre o caso se resumem a material da imprensa e os resultados obtidos pela revista Weird NJ. Os detalhes ao longo dos anos se distorceram de tal maneira que não é mais possível distinguir fatos de rumores, lenda urbana de sensacionalismo. Não há novos indícios que possam ser seguidos, nenhuma evidência, suspeitos, nada... 

Esse bizarro crime com o possível envolvimento de satanismo, feitiçaria e rituais bizarros, permanece tão difícil de ser solucionado quanto no momento em que ele veio à tona mais de 40 anos atrás. Aos poucos parece que a própria lembrança da vítima vai se apagando e se dissipando como se jamais tivesse existido. Se a verdade existe preservada em algum lugar, o tempo para ela aparecer parece estar chegando ao fim.

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