quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Lobotomia - Ferindo o olho da Insanidade


Por Marco Poli de Araújo

A idéia de uma lobotomia (na verdade leucotomia - ressecção células brancas do tálamo) existia em 1890, sendo apresentada e efetuada formalmente em 1935, quando o cirurgião português ANTONIO EGAS MONIZ, de Lisboa, descobriu que a interrupção do córtex frontal ao tálamo aliviava os sintomas psicóticos em alguns de seus pacientes. O procedimento era uma cirurgia e não era indicado para todos os casos.

Em 1936, o americano WALTER FREEMAN desenvolveu a "lobotomia com picador de gelo". Efetuada rapidamente e com anestesia local, o procedimento consistia em martelar um picador de gelo acima de cada olho e movimentá-lo de um lado ao outro (posteriormente o picador foi substituído por um espeto mais elegante, com a mesma função). O procedimento não era complicado e demorava alguns minutos nas mãos de um cirurgião experiente.

Entre 1936 até 1950 cerca de 40 a 50 mil pacientes foram submetidos à lobotomia para as mais diversas afecções, psiquiátricas ou não (como rebeldia ou desvios sexuais por exemplo). Hoje considerada ultrapassada, foi fundamental como origem e teoria das atuais cirurgias neuropsíquicas exterotáxicas.

A lobotomia corta as conexões do tálamo anterior, responsável pelas transmissões para as zonas racionais do encéfalo, eliminando as respostas conscientes aos impulsos emocionais.

Walter Freeman realizando uma demonstração do procedimento de Lobotomia.
Em casos de psicoses, o paciente fica "calmo e tranquilo", pois os disparos emocionais constantes causadores da doença cessam. Diferente de uma psicocirurgia estereotáxica, a lobotomia é muito grosseira. As interconexões cortadas são importantíssimas; levando à perda da empatia, noções de auto preservação, interpretação e conscientização de emoções, atenção focada, controle de estados conscientes e a perda de alguma agressividade e medo tidos como saudáveis.

O indivíduo fica dócil, comportado e treinável, mas perde características de personalidade tidas como humanas, que decorrem justamente da conscientização emocional.

As descrições clínicas de sucesso dizem respeito à casos extremos de psicose (que realmente melhoram com o procedimento) ou consideram sucesso a adequação do indivíduo aos moldes sociais aceitáveis para a época. Daí a percepção pública que a lobotomia "mata a alma" da pessia, tornando-a apática.

Aspectos como linguagem, escrita, coordenação, pensamento racional e sentidos NÃO SÃO afetados em procedimentos bem feitos. Também ficam preservados os impulsos iniciais de medo e ódio, sendo reações inconscientes. O indivíduo percebe estas emoções mas não consegue processá-las ou interpretá-las (pode reagir mas não conscientizar a reação).

Usando Lobotomia em Chamado de Cthulhu

Lobotomia traria vantagem à um personagem de CoC em relação a perda de sanidade? Considere o resultado: o procedimento é irreversível (exceto talvez por mágica) e sujeito à complicações graves tanto físicas quanto mentais. A incapacidade de interpretar emoções já restringiria o personagem como investigador. Mesmo um procedimento moderno, sem os mesmos riscos, acarretaria isto.

As ferramentas da Lobotomia
Se considerarmos magia, as restrições aumentam. Podemos imaginar que qualquer interrupção na integridade das conexões cerebrais (seja por conceito anatômico, chakras, cabala etc.) inviabilizaria o personagem de usar QUALQUER feitiço, ou mesmo resistir a seus efeitos. Embora fosse seguro admitir que resistiria a feitiços que causem medo ou insanidade, poderia ficar mais vulnerável a compulsões, encantos, dominações ou mesmo ilusões.

A lobotomia poderia ser usada em um feiticeiro para impedi-lo de continuar a praticar magia; uma solução "mais humana" que a fogueira...

Sugiro que os personagens lobotomizados testem primeiro sua CON (pode ser um teste percentual no CoC moderado ou como preferir no seu sistema) para ver se sobrevivem ao procedimento, seguido de um teste de sanidade (1d10/2d10) onde insanidade temporária ou indefinida fossem catatonia ou apatia. Verdadeiras cirurgias (a original de Egas ou a psicocirurgia) dispensam testes de CON e levam a menor perda de sanidade (1d6/1d10). Sobrevivente ou recuperado, o personagem teria:

Penalidade em todas as habilidades sociais/investigativas (20% ou -4)
Penalidade em aparência, carisma (-1)
Impossibilidade de praticar magia (itens mágicos, exceto pergaminhos OK)
Penalidade em resistir efeitos mágicos de encanto/domínio/ilusão (-20% ou -4)
Bonus em resistir efeitos mágicos de medo ou emoção (+ 25% ou +5)
Imune a efeitos mágicos de insanidade

Propaganda dos anos 1920 para material de Lobotomia
Procedimentos mal sucedidos que não matem o personagem resultam em insanidade permanente, o dobro das penalidades além de penalidades em atividades motoras de 20% (-4). Mas mantêm os bonus e imunidades.

Insanidade:

O personagem NÃO precisaria testar sanidade. Nunca mais. Nem sofrer seus efeitos. Mas SEMPRE perderia o MÍNIMO de sanidade nos encontros (a parte inconsciente do horror). Também não recuperaria sanidade com tratamentos ou magia, apenas receberia o mínimo de recompensa após a sessão, mas sempre receberia.

A falta de conscientização e racionalização dos horrores cósmicos, embora proteja o indivíduo de seus efeitos piores, não impediria a gradativa e inexorável degradação do investigador, mesmo que ele não percebesse.

Racionalmente ele até poderia entender que faz algo heróico, mas seria incapaz de processar totalmente o resultado de suas ações, para o bem ou para o mal.

ANATOMIA E FISIOLOGIA:


O cérebro tem uma organização vertical, onde áreas superiores são mais conscientes que as inferiores. A central de recepção e retransmissão dos vários impulsos entre o cérebro consciente e o cérebro instintivo é o tálamo (estrutura ovóide em cada lado do córtex). Nele estão as interconexões entre o córtex e os vários sistemas cerebrais, como o límbico e o hipofisário.

O córtex cerebral é responsável pelas sensações conscientes, pensamento racional e abstrato, memória, raciocínio e planejamento. O sistema límbico é responsável pela emoção e memória de longo prazo, assim comi respostas ao ódio e medo (região da amígdala).

O córtex frontal abriga os centros racionais e de interação social. Quando ocorre um estímulo emocional, as informações do sistema límbico são enviadas ao córtex frontal e pré frontal, produzindo as sensações e ações conscientes. Este circuito depende da integridade das conexões tálamo - córtex, onde as ligações com o sistema hipotálamo - hipófise - amígdala são fundamentais para as reações conscientes e respostas à raiva e medo.

3 comentários:

  1. Muito bom o artigo. Como sugere que seja feita a lobotomia em Rastros?

    ResponderExcluir
  2. bom artigo.
    sugiro o tema da trepanação e da visão dos golens que permitem ver por trás do véu

    ResponderExcluir
  3. Fiquei aqui imaginando um cientista louco realizando estudos num sanatório envolvendo experimentos extra-sensoriais envolvendo a percepção extra-sensorial para outras realidades e indivíduos que tiveram foram submetidos a "intervenções cirúrgicas específicas".

    ResponderExcluir