quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Monstros de Ferro - Os projetos de Super-Tanques da Grande Guerra


Em uma época em que a Guerra Total parecia não ter fim e o horror das trincheiras rasgava a Europa de um extremo ao outro, quanto mais potentes e maiores as armas, melhor.

A Grande Guerra (1914-1918) foi um conflito extremamente sangrento, apenas o primeiro de um século marcado por violência, brutalidade e destruição em nível industrial. Armas letais, máquinas bizarras e dispositivos até então impensáveis, jamais testados em campo de batalha, surgiam de ambos os lados e eram imediatamente colocados em uso na ânsia de provocar mais danos no lado inimigo.

Foi nessa época que um termo não oficial surgiu para descrever uma categoria que ia além dos veículos militares que haviam surgido poucos anos antes. Máquinas ferozes, verdadeiros monstros de ferro, com blindagem de aço e aspecto aterrorizante. Mas do que tanques de guerra pesados, esses eram Super-Tanques.

É curioso, mas praticamente todas as grandes potências europeias envolvidas no conflito realizaram testes para desenvolver Super-Tanques. A Alemanha, o Reino Unido, a França e a Rússia, chegaram a criar projetos em segredo para a construção dessas terríveis máquinas de destruição. Contudo, nenhum desses projetos chegou a ser utilizado ativamente antes do final da guerra, em parte pelo custo, mas principalmente pelas dificuldades técnicas na construção de tais armas. Ainda assim, parecia haver uma espécie de corrida armamentista para desenvolvimento dessas máquinas.


De fato, muitas nações consideravam que era questão de honra triunfar sobre seus oponentes no campo das inovações tecnológicas com novos implementos bélicos. A Guerra que começou com armas de fogo simples, cavalos e canhões havia progredido em uma velocidade incrível, permitindo o surgimento de metralhadoras, aviões, submarinos e tanques blindados. Os Comandantes esperavam ansiosos pela próxima criação que viria a reforçar seus exércitos, mudando o panorama da guerra.   

O Char 2C, idealizado pelo Exército francês talvez tenha sido o único Super-Tanque construído no período, mas haviam planos para muitos outros. Os franceses o incorporaram às Forças Armadas, contudo ele jamais foi testado em combate. Os Super-Tanques britânicos e russos, por sua vez, permanecem no reino da fantasia, em desenhos de seus idealizadores, jamais indo além da fase conceitual. Os alemães desenvolveram o conceito de Super-Tanques realmente monstruosos. Dentre todos, possivelmente foram eles que chegaram mais perto da criação de tanques de guerra que mereciam a alcunha de "Super-Tanques". O Alto Comando Alemão chegou a considerar que a grande virada no curso da guerra poderia ser alcançada com o uso dessas máquinas. Mas dada a falta de recursos nos dias finais da Grande Guerra, o custo se tornou alto demais. Sem os recursos necessários, os alemães jamais levaram adiante seus planos que pararam na fase de protótipos. 


O que mais impressiona a respeito dos Super-Tanques é a ambição de seus engenheiros e criadores.  No papel, eram armas imensas, capazes de causar destruição em larga escala e levar a ruína a cidades inteiras com seu alto poder de fogo e as barragens contínuas que despejariam sobre elas. Eles seriam resistentes a bombardeios, granadas e às armas mais potentes; virtualmente nada conseguiria romper sua blindagem reforçada por camadas de ferro. Eles se moveriam lentamente, mas seriam perfeitamente móveis, atrelados a trens e composições para que pudesse atingir os alvos desejados. 

Talvez uma das maiores bençãos para a humanidade tenha sido o fato desses monstros não terem sido construídos, mas suas marcas permanecem, como uma peça peculiar da história militar.

Vejamos alguns Super-Tanques:

1. K-Wagen, Alemanha



Os alemães são conhecidos pela sua capacidade técnica e pelas proezas de engenharia. Durante a Segunda Guerra, os blindados nazistas eram considerados tão superiores perante os tanques aliados que todo o programa americano e soviético foi refeito após a guerra para adotar os princípios alemães. Tanques como o Tiger II e o Leopard eram tão avançados que serviram de base para a criação de todos os tanques modernos.

O início da indústria militar de tanques na Alemanha, contudo, foi pouco impressionante. Apenas em 1917, no final da guerra, o Império alemão deu início a construção de Tanques de Guerra através do A7V, o primeiro veículo de combate blindado da história alemã. 

O A7V tinha muitos defeitos, entre os quais o motor de baixo rendimento. Contudo, seu potencial era evidente, como ficou claro logo no início de sua utilização em territórios irregulares cheios de trincheiras. O A7V conseguia percorrer o caminho da Terra de Ninguém, repleto de crateras e detritos. Era preciso um obstáculo realmente desafiador para segurar seu progresso, tanto que ele ganhou o apelido desagradável de "esmagador de ossos" pela sua capacidade de atropelar quem ficasse na frente. 

Os alemães não ficaram parados e continuaram a melhorar seu tanque esperando que ele pudesse mudar o curso da guerra. Muitos Generais achavam que a solução para terminar com o impasse nas trincheiras era produzir tanques que simplesmente avançariam pela terra de ninguém e sobre quem quer que ousasse se manter diante dele.

Por volta de meados de 1917, a K-Wagen, uma empresa que investia em motores de tratores recebeu o sinal verde para sua produção. O pioneiro da engenharia de tanques na Alemanha Joseph Vollmer, foi instruído a criar um tanque que deveria aprimorar ainda mais as características do A7V. Ele deveria ser capaz de irromper através de qualquer terreno, sob quaisquer situação. E nada poderia pará-lo!


Apenas um dos protótipos do K-Wagen foi concluído pouco antes do término da guerra. Entretanto, ele foi destruído após os acordos do Tratado de Versalhes, que proibia a Alemanha de produzir e possuir tanques em seu arsenal militar. Dizem que os britânicos tentaram alistar Vollmer no Corpo Real de Engenharia Militar, mas ele se negou a fazê-lo, sendo então preso. Vollmer temia que sua arma mais letal pudesse ser usada contra seu próprio povo em uma futura guerra. E ele tinha muitas razões para temer essa tecnologia nas mãos de qualquer inimigo em potencial.

O K-Wagen seria um verdadeiro monstro em seu tempo. Ele era armado com quatro canhões fixos de 77 mm, dois na dianteira e dois na parte traseira. Ao redor da torre de comando, ele possuía nada menos do que sete Metralhadoras Maxim rotativas, sendo que essas armas podiam ser movidas para atingir alvos em qualquer posição. Com poder de fogo pleno, as sete metralhadoras poderiam produzir uma barragem com mais de 10 mil disparos por minuto, o bastante para devastar uma posição inimiga. Os planos do K-Wagen supunham que ele transportasse uma tripulação de 27 homens, entre pilotos, artilheiros e municiadores. 

O Super-Tanque pesava incríveis 120 toneladas e tinha uma espécie de pá de trator na parte da frente que era usada para atropelar e destruir bunkers inimigos. Uma corda de aço podia ser presa em dois tanques simultâneamente e usada para destruir árvores, cortando-as ao meio, essa corda também podia ser empregada na destruição de prédios e edificações.

A despeito de seu armamento pesado e poder de destruição, a proteção do K-Wagen era "fina" com apenas 30 mm. Comparado com tanques da Segunda Guerra ele estava na categoria de blindagem média. É provável que os engenheiros pretendessem conceder ao Super-Tanque uma blindagem superior, mas a falta de recursos nos dias finais da Guerra os levaram a assumir um projeto mais realista. Em parte, a blindagem pouco eficaz foi um dos motivos para que o tanque jamais fosse uma prioridade para as Forças Armadas que consideravam o veículo pouco resistente.

2. Mendeleev Rybinsk Tank, Império da Rússia



O Mendeleev Rybinsk recebeu o nome de seu criador, Vasily Mendeleev, e pela cidade em que os primeiros desenhos do veículo foram apresentados para os oficiais do Exército Imperial Russo

Os russos tinham interesse em tanques de guerra, em parte por que as suas forças armadas eram consideradas incrivelmente atrasadas em questões de tecnologia e desenvolvimento bélico. Além disso, tinham um parque industrial consideravelmente menos desenvolvido que as demais potências e viam nos complexos militares uma forma de desenvolver mais tarde sua industria pesada. Seria uma maneira de modernizar o país e fazer com que ele entrasse, mesmo que atrasado na Revolução Industrial.

Os Tanques Russos, no entanto, eram bem pouco eficazes. A tecnologia de motores era rudimentar e seus veículos lentos e pesados não tinham muito uso nos campos de batalha cobertos de neve e gelo. Alguns dos tanques usados pelos russos, cedidos pelos britânicos, haviam sido um verdadeiro fiasco quando empregados no front e os próprios generais, arraigados a tradições de cavalaria, acreditavam que o Tanque jamais teria uso prático como apoio da infantaria. Preferiam recorrer aos destacamentos montados pela sua velocidade e agilidade.


Ainda assim, Mendeleev recebeu ordens para trabalhar na criação de um Super-Tanque que poderia ser utilizado com o objetivo de levar artilharia e disparar atrás das posições inimigas ou em cidades. O veículo idealizado por Mendeleev e que jamais avançou além de um conceito teria dois imensos canhões de 127 mm, instalados sobre um grande corpo semelhante a um vagão de trem pesando 173 toneladas. Ele seria operado por 13 homens e poderia disparar, em condições ideais até 2 vezes a cada cinco minutos, criando assim uma barragem contínua de fogo. O plano é que o Mendeleev Rybinsk pudesse ser posicionado até 8 quilômetros de um alvo e de lá disparasse continuamente até reduzi-lo a ruínas. Muito mais blindado que o Super-Tanque alemão, ele teria placas de aço reforçado com 70 mm de espessura. Ele contava ainda com um sistema revolucionário de suspensão à gás e um motor de alta performance que rodaria com combustível especial.

Um dispositivo único, inventado por Mendeleev permitiria que o Super-Tanque pudesse ser atrelado a trilhos ferroviários, funcionando como um tipo de Trem. O objetivo era aproveitar a grande malha ferroviária do país e assim garantir um deslocamento muito mais eficiente. O projeto recebeu pouco apoio e Mendeleev tentou construir o veículo por conta própria. A falta de interesse pelo governo evitou que ele pudesse dar vida ao projeto e fazendo isso, impediu que o mundo conhecesse seu monstro de ferro. Após a guerra, os soviéticos até chegaram a contemplar a possibilidade de recriar o Mendeleev e usá-lo para bombardear cidades ainda controladas pelos contra-revolucionários, mas o alto custo do projeto freou qualquer avanço nesse sentido.

3. O Elefante Voador, Grã-Bretanha



William Tritton, um especialista na construção de tratores e máquinas agrícolas, tornou-se o pioneiro britânico na criação de tanques e veículos blindados durante a guerra. Tritton foi chamado para consertar as falhas no Mark I, o primeiro tanque britânico a ver os campos de batalha lamacentos da França. O grande problema do Mark I era justamente o terreno irregular onde ele deveria operar.

Para lidar com os problemas impostos pelo terreno irregular, os veículos na concepção de Tritton deveriam ser leves e ágeis. Os tanques deveriam permitir uma progressão do veículo até o alvo pretendido. Esse então era fulminado com metralhadoras pesadas Vickers instaladas em bases rotativas. As plataformas móveis dos veículos de Tritton foram um enorme avanço e permitiam aos artilheiros desferir rajadas sobre a posição inimiga em diferentes ângulos. Infelizmente, esses tanques leves não forneciam muita defesa contra artilharia. Tanques leves conseguiam se deslocar com grande mobilidade, mas quando apanhados em fogo cruzado ficavam muito vulneráveis.

Quando vários tanques idealizados por Tritton, entre os quais o AFV se mostraram pouco efetivos no front, o Alto Comando quase terminou com a Divisão de Veículos Motorizados. A Grande Guerra era travada com armas e explosivos muito potentes e um veículo leve, embora conseguisse atingir seus alvos, raramente retornava inteiro das suas missões. A tripulação desses veículos era frequentemente eliminada pelo fogo inimigo. Os veículos se tornavam uma armadilha mortal já que a blindagem dos carros era ineficaz e não era nada fácil escapar de seu interior quando enfrentando fogo pesado.

Pensando em uma solução viável para a questão, Tritton partiu em uma busca por um tanque que pudesse combinar velocidade e blindagem. O projeto concebido em 1916 foi batizado Flying Elephant (Elefante Voador) e contemplava um veículo pesado de aproximadamente 100 toneladas com blindagem de chapas de aço de 3 polegadas na frente e 2 pelegadas nas laterais. Apesar de seu peso exagerado e blindagem pesada, o Elefante era rápido com um motor extremamente potente e esteiras que giravam com enorme velocidade.


O Super-Tanque contava com um canhão de 57 mm, mas algumas fontes afirmam que essa arma poderia ser trocada por um canhão mais eficiente de 75 mm. Nas laterais, o Super-Tanque possuía 2 metralhadoras giratórias Vickers de cada lado. Na parte posterior havia uma plataforma de artilharia giratória com quatro outras metralhadoras móveis que podiam disparar simultâneamente. O poder de fogo do Elefante Voador era considerável e podia acabar com qualquer resistência pulverizando-a em poucos minutos com uma barragem de disparos. Para torná-lo ainda mais letal, essa plataforma giratória elevada poderia receber dois lança-chamas que disparavam ao mesmo tempo a uma distância de até 15 metros. O objetivo era empregar esse lança-chamas para atingir posições subterrâneas e transformar túneis e passagens em um verdadeiro inferno. Tritton usava uma analogia interessante, afirmando que os soldados presos nas trincheiras teriam de fugir como ratos para não serem assados vivos. E que mesmo estes não iriam longe, pois seriam alvejados pelas potentes metralhadoras laterais.

O Elefante Voador além disso tinha outra característica aterrorizante, ele podia ser usado para derrubar instalações e bunkers. Para tanto, o canhão podia ser modificado para disparar um aríete com ponta de ferro para penetrar em paredes. Este aríete era conectado a correntes de ferro que seriam então puxadas até que a edificação cedesse.

No final de 1916, o Super-Tanque recebeu o aval para entrar na fase de protótipos, mas a Grande Guerra terminou antes. O conceito foi abandonado posteriormente quando as forças armadas consideraram que o custo do projeto seria exorbitante e que ele poderia ser detido por condições adversas de terreno. Por muitos anos, a Grã-Bretanha continuou produzindo tanques leves e velozes, até que estes se mostraram completamente ineficientes na Segunda Guerra Mundial. 

4. Char 2C, França



O único Super-Tanque operacional nessa lista foi o Char 2C.

Em dimensões físicas ele foi o maior tanque da história militar a entrar em serviço em tempos de guerra. Seu desenvolvimento se iniciou em 1916, pouco depois da introdução do Modelo Mark I pelos britânicos e os desenhos para a construção de outros veículos blindados no ano seguinte.

Os franceses tinham grande apresso pela ideia de tanques de guerra como uma forma de proteger seus soldados e atingir os inimigos, resguardando os atacantes atrás de uma proteção eficiente. Muitos engenheiros militares acreditavam que no futuro, guerras seriam travadas e vencidas por gigantes de aço que se deslocariam lentamente, deixando uma trilha de escombros após a sua passagem. Com um conceito que parecia ter saído das Novelas fictícias de Jules Verne, os Generais franceses estavam convencidos de que a Guerra seria vencida pela nação que conseguisse construir as armas mais potentes e mobilizá-las com maior velocidade.

Os franceses, aliados dos britânicos, receberam planos para a construção de seus próprios tanques de guerra com base no Mark I e se saíram muito bem. Contudo, eles contemplavam a construção de algo muito mais ambicioso. Um enorme esforço foi feito pelas Forças Armadas para reunir engenheiros e inventores com o propósito de construir um tanque que cumprisse as metas estabelecidas. O primeiro protótipo do Char 2C foi terminado em 1917, mas ele não ficou pronto à tempo de ser usado no conflito. Um modelo chegou a ser enviado para o fronte, mas problemas nas linhas férreas atrasaram que ele chegasse à tempo de ser utilizado. A Guerra terminou uma semana antes dele chegar ao seu destino para frustração dos generais que esperavam testar seu desempenho.

O Char 2C tinha notáveis 10,27 metros de comprimento e pesava pouco mais de 70 toneladas, consideravelmente menos do que os Super-Tanques das demais nações. Contudo, ele tinha uma vantagem sobre todos os outros: o projeto foi completado! 


Apelidado de "Encouraçado de Terra" (em analogia aos navios mais resistentes do período) ele possuía uma blindagem de aço reforçado com 60 mm de espessura na frente e 30 mm nas laterais, o bastante para suportar disparos diretos, granadas e até peças de artilharia. O Super-Tanque era lento e tinha um desempenho ruim no terreno coberto de sulcos e lama. As esteiras acabavam deslizando e era um verdadeiro desafio mantê-lo em movimento em linha reta sem que ele rateasse para fora do curso. Ainda assim, seu motor suportava bem o esforço.

As armas do Char 2C eram potentes: ele contava com um canhão de 75 mm, modelo Canon modèle 1897, a peça de artilharia mais usada pelo exército francês. Em adição a isso, possuía quatro metralhadoras de 8 mm Hotchkiss Mle 1914. Duas eram instaladas numa plataforma móvel no topo, permitindo disparos para frente e para trás, e uma em cada lateral. Em testes, o Super-Tanque teve um desempenho satisfatório, chegando a disparar todas as armas simultâneamente em uma demonstração de seu poder de destruição.

Um dos planos para uso do Char 2C era utilizá-lo no front do sul da França, para empurrar o exército alemão para o norte onde o maior contingente francês aguardava. Para isso, uma coluna de pelo menos 50 tanques deveria ser construída.

Quando a Grande Guerra terminou, os franceses continuaram trabalhando nele, produzindo 10 unidade até 1921. Os Char 2C, porém se tornaram obsoletos à medida que novas armas mais potentes e móveis foram sendo incorporadas a infantaria. Bazucas e lança granadas se mostravam perfeitamente capazes de romper a blindagem dos tanques. Em 1930, os Char 2C eram considerados alvos fáceis para bombardeiros táticos e divisões equipadas com armas anti-tanque.

No início da Segunda Guerra Mundial os poucos tanques Char 2C que ainda faziam parte das Forças Armadas foram mantidos na retaguarda, onde eram usados como peças de propaganda. O público via esses tanques como máquinas invencíveis que desempenhariam um papel central na iminente invasão nazista. Quando a França foi derrotada rapidamente em 1940, eles se tornaram um símbolo da tecnologia ultrapassada do Exército francês diante dos alemães.

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