domingo, 12 de novembro de 2017

Fantasmas do Tsunami - Narrativas dramáticas de assombrações em uma tragédia


Desastres horríveis provaram ao longo das eras atrair para si, histórias a respeito de espíritos inquietos pertencentes àqueles que morreram tragicamente. Parece que um número elevado de mortes, ocorridas em um piscar de olhos, e o sofrimento indescritível que isso enseja, acabam reverberando, quase criando uma presença obscura que se fixa nas ruínas onde antes viviam essas pessoas. De fato, alguns dos lugares mais assombrados do mundo estão localizados onde ocorreram crises, guerras, massacres ou que enfrentaram a fúria da natureza.

Uma região do Japão não ficou isenta de tais histórias macabras, e ao fim de um dos maiores desastres da história, além dos destroços restaram incontáveis relatos de almas perdidas, assombrações bizarras e horror sobrenatural.   

Em março de 2011, uma tragédia de enormes proporções atingiu o Japão.

Um Terremoto de magnitude 9 destroçou o país, gerando como efeito direto, um devastador Tsunami que desembocou na costa de Tohoku na parte leste do país deixando um rastro de morte e destruição sem precedentes. Se o tremor de terra e a onda resultante não fossem ruins o bastante, a Usina Nuclear Fukushima Daiichi foi severamente atingida acarretando num derretimento considerado um dos piores da história, envenenando o meio ambiente e causando sequelas em pessoas e animais dali em diante. O evento foi especialmente aterrorizante para quem testemunhou em primeira mão, mas milhões de pessoas, mundo afora, também puderam assistir, estarrecidas os horríveis efeitos em tempo real, em suas próprias casas. Parecia um pesadelo surreal sendo transmitido ao vivo. As imagens remetiam a filmes catástrofe, com um importante diferencial: elas eram verdadeiras!


As populações das áreas afetadas experimentaram um terror indescritível quando a água arrastou tudo em seu caminho em uma inundação de proporções bíblicas. Milhares e milhares de pessoas morreram, muitas outras se feriram ou ficaram desabrigadas, o som dos gritos e o choro complementavam o cenário de carnificina. A paisagem se tornou uma vasta desolação de destroços, carcaças de veículos virados, prédios desmoronados e cadáveres insepultos. Mais do que isso, incontáveis sonhos e aspirações haviam sido destruídos por completo, feridas psicológicas e cicatrizes deixadas na própria alma, danos difíceis de sanar. O impiedoso tsunami arrastou automóveis, arrancou árvores pela raiz e fez cair casas como se essas coisas fossem feitas de papelão. Barcos foram arrastados para o interior do continente pela fúria das ondas. Prédios inteiros desmoronaram como frágeis castelos de cartas. Uma aterrorizante demonstração da fúria da natureza. Das construções que resistiram, a maioria teve de ser colocada abaixo por representarem um grave perigo estrutural. Mesmo o contorno de algumas ruas tiveram de ser refeitas, fazendo com que o desenho das cidades fosse alterado para sempre. E tudo isso, sob o espectro da radiação que vertia do reator fraturado. 

Tohoku mais parecia uma zona de guerra! A sensação encontrava eco no passado, sendo o Japão a única nação a conhecer na carne o poder do horror atômico. Uma vibrante comunidade em um piscar de olhos foi feita em pedaços.  

Ali, entre os destroços, aqueles que sobreviveram tentavam entender o que havia acontecido. Aos poucos, elas foram reerguendo suas vidas e reconstruindo a cidade, enquanto ainda pranteavam os mortos. A essa altura, não se sabia quantos haviam perecido, mas as estimativas eram funestas. Falava-se de milhares de pessoas, números que, lamentavelmente, se mostraram precisos.

Não muito depois do Terremoto e do Tsunami, um estranho fenômeno começou a se tornar frequente: alguns falavam a respeito de encontros com pessoas que haviam morrido na tragédia. Fantasmas de parentes, amigos ou vizinhos que haviam perdido suas vidas andavam pelas ruas das cidades. Testemunhas mencionavam ver fantasmas em fila na frente de mercados e lojas, que haviam sido deixadas em frangalhos. Fantasmas eram vistos em lugares em que elas frequentavam quando vivas. Espectros espreitavam em terrenos baldios, escalando as ruínas de pedra e concreto onde antes ficavam suas casas. Alguns mencionavam aterrorizantes visões de figuras fantasmagóricas correndo em desespero, como se as ondas ainda estivessem lhes perseguindo. Elas atravessavam paredes e se dissipavam em pleno ar. Essas testemunhas afirmavam ver detalhes dessas aparições: algumas tinham uma expressão de medo e horror, outras deixavam evidentes os ferimentos sofridos, os mesmos que talvez tivessem decretado as suas mortes. Os mais assustadores eram aqueles que gritavam e choravam pedindo socorro, ou sussurravam em busca de um auxílio que nunca veio e que jamais viria.


Uma mulher idosa de Onagawa que morreu no desastre e que tinha o hábito frequentar uma casa de chá, era vista com frequência próxima ao local que foi varrido pelas ondas. Algumas pessoas afirmavam até ter conversado com ela que perguntava o que havia acontecido com o local. Quando respondiam, ela chorava e sumia, deixando no local pequenas poças de água salgada. Alguns até comentavam sobre presenças sinistras espiando em becos e janelas, como se estivessem estranhando o ambiente modificado e buscando um contato com os vivos.

Nessa mesma época, uma epidemia de pesadelos irrompeu com força no Japão. Muitas pessoas acordavam no meio da madrugada gritando não pelos horrores que haviam ficado registrados em sua memória, mas aterrorizados com a presença de seres espectrais em seus quartos. Falava-se de espíritos que pisavam ou sentavam sobre o peito das pessoas, sufocando-as. Um cheiro de maresia parecia acompanhá-los e pegadas de água salgada registravam sua presença onde quer que fossem vistos. 

Alguns dos relatos mais desconcertantes provinham de motoristas de taxi que afirmavam parar os veículos para apanhar passageiros no meio da madrugada e descobriam que eles simplesmente desapareciam, algumas vezes, depois de embarcar nos automóveis. Essas narrativas eram muito frequentes na cidade de Ishinomaki, no Distrito de Miyagi, que foi atingido com força pelo Tsunami e registrou a morte de pelo menos 6 mil pessoas, sendo que muitos dos corpos jamais foram encontrados. Aqui, nas ruas escuras, taxistas contavam até ter conversado com alguns desses passageiros fantasmas. Um motorista descreveu ter apanhado uma jovem mulher poucos meses depois do desastre. Ela queria ir até a Estação Ishinomaki, uma área que simplesmente deixou de existir após a inundação. Quando o motorista explicou à mulher que não havia nada lá desde o Tsunami, ela colocou as mãos na cabeça e começou a gritar em desespero. 

"Será que eu morri?", ela perguntou antes de se desmaterializar bem diante dos olhos do condutor.


Muitos outros motoristas na área reportaram experiências similares ao apanhar passageiros e estes simplesmente desaparecerem durante a viagem. Mesmo assim, a maioria deles afirmava que os fantasmas pareciam perfeitamente normais; pessoas que respiravam, falavam e interagiam. Em um caso, um passageiro deu instruções específicas do endereço onde queria chegar que era uma das casas destruídas pelo tsunami. Quando o carro chegou ao local, o taxista olhou para o bando traseiro e ele havia sumido. É interessante ressaltar que nenhuma dessas testemunhas afirmou ter sentido medo no momento, provavelmente por que estavam convencidos de que se tratavam de pessoas de carne e osso, não fantasmas mortos durante uma tragédia. O fenômeno em Ishinomaki foi estudado pelo pesquisador e parapsicólogo Yuka Kudo, um professor da Universidade Tohoku Gakuin, que, como parte de sua tese de graduação entrevistou mais de 100 motoristas de taxi a respeito de seu estranho contato com fantasmas após o desastre de 2011. Vários deles mostraram seus diários nos quais estavam anotadas as corridas em que deram carona para fantasmas. Um dos motoristas explicou que: "não era estranho encontrar fantasmas na área, e que, apesar de nem todos taxistas reconhecerem, a maioria deles já havia tido uma experiência estranha". 

Outras histórias de fantasmas surgiram a área por algum tempo. Escritórios, casas e lojas eram vítimas frequentes de aparições pertencentes a pessoas mortas na inundação. Serviços de emergência eram chamados frequentemente para prestar socorro a pessoas que pareciam feridas ou machucadas. Quando a ambulância ou bombeiros chegava, a pessoa desaparecia como se jamais tivesse existido. Em uma única noite, em Outubro de 2011, o serviço de socorro de  Ishinomaki , registrou mais de 20 pedidos de socorro, sendo que nenhum deles foi cumprido uma vez que a pessoa a ser socorrido havia sumido. O serviço de atendimento de acidentados também recebia ligações de pessoas pedindo socorro, e quando respondiam a eles, descobriam que os endereços dados pertenciam a lugares destruídos. Pessoas em algumas áreas reclamavam frequentemente a respeito de fantasmas e isso fez com que muitos imóveis fossem abandonados ou negociados a um preço abaixo do valor de mercado.

Ainda mais assustador foram aos relatos sobre pessoas sendo contatadas por espíritos pertencentes aos mortos na catástrofe. A coisa chegou a tal ponto que sacerdotes Budistas e Shintoístas foram chamados para exorcizar áreas inteiras contendo destroços onde supunha-se estarem sepultados cadáveres não descobertos. Em um fascinante artigo pelo autor Richard Lloyd Parry para o London Review, intitulado "Ghosts of the Tsunami" (Fantasmas do Tsunami), são reveladas várias histórias de sobrenatural e de exorcismos realizados pelo sacerdote Taio Kaneda, que costumava viajar pela costa com um grupo de sacerdotes após a tragédia para lidar com tais distúrbios espirituais. Um dos relatos mais impressionantes menciona um empreiteiro local, que usa o nome falso "Takeshi Ono" para se identificar.


A história do Sr. Ono começa em sua casa em Kurihara, uma pequena cidade a cerca de 15 quilômetros da costa atingida pelo Tsunami. No momento do desastre, Ono não estava em casa, ele conseguiu deixar a área que foi evacuada às pressas logo após o terremoto. Assim como muitos, ele assistiu pela televisão a chegada do tsunami que chegou a atingir sua casa. Após o acontecimento, ele decidiu que só retornaria para verificar a extensão dos danos uma semana depois para avaliar o que fazer. No dia em que estavam se aproximando do local, Ono contou que começou a passar mal e sentir tontura. De repente ele perdeu a consciência, mas disse ter continuado a sentir uma estranha percepção dos seus arredores: "Era como estar em um sonho, mas eu sabia que estava vendo algo mostrado pelos espíritos que desejavam falar através de mim e se comunicar com seus entes queridos".  Ono que não esteve presente ao desastre disse ter experimentado toda a caótica destruição e desespero, conforme ele se recorda: 

"Eu via os destroços, eu via o mar se aproximando. Eu via os prédios caindo e ouvia as pessoas gritando ao meu redor. Não era uma alucinação, eu sentia a atmosfera de medo e o desespero das pessoas ao meu redor. Foi um choque! É difícil de descrever, pois embora eu estivesse no centro dos terríveis acontecimentos, eu não podia fazer nada para ajudar, e também não podia ser atingido por tudo que estava ao redor. Meu primeiro sentimento foi que estava enlouquecendo, sobretudo, porque logo em seguida me vi cercado de inúmeras pessoas com ferimentos pavorosos. Então eu soube que eles queriam se comunicar e que precisavam fazê-lo através de mim". 

Desde essa primeira experiência, o Sr. Ono passou a integrar o grupo dos sacerdotes, trabalhando com eles na localização de cadáveres que não haviam sido encontrados pelas equipes de resgate. Segundo o grupo, eles tiveram sucesso em localizar mais de 20 cadáveres que estavam perdidos em baixo de toneladas de escombros. Segundo o Sr. Ono, seu talento se deve ao fato dos próprios espíritos avisá-lo onde escavar e onde encontrar os restos soterrados.

Um outro caso, ainda mais incrível envolvia uma senhora de 56 anos que se dizia acometida por um espírito amargurados que a culpava por ter escapado do desastre. A pobre mulher, passou a sofrer com surtos de violência nos quais tentava agredir pessoas que haviam sobrevivido chamando-os de "malditos" e dizendo que "eles mereciam estar mortos". Em uma ocasião, ela correu pelas ruas gritando que "todos precisavam morrer para que os espíritos tivessem paz". A mulher foi capturada pelo marido e filhos e precisou ser sedada. Em uma cerimônia de exorcismo, ela gritou que podia ver uma multidão de pessoas que haviam morrido na inundação:

"Eles estão cobertos de lama! Estão cobertos de sujeira e molhados! Eles estão com frio e apavorados! Estão furiosos por terem morrido! Eles nos odeiam porque nós estamos vivos e eles não!" ela repetia sem parar. Depois de várias sessões de exorcismo, os sacerdotes decretaram que ela estava livre da influência dos espíritos e que estes haviam finalmente se dissipado.


O sacerdote Kaneda contou ter participado de vários exorcismos semelhantes envolvendo espíritos do tsunami. "Nem todas as pessoas mortas durante a tragédia eram capazes de superar o terror que experimentaram nos últimos instantes de suas vidas terrenas. Isso fez com que eles perdessem parte de sua humanidade e se tornassem ressentidas", explicou ele.

Um dos casos emblemáticos, segundo Kaneda envolvia uma mulher chamada "Hira" que dizia sentir "pessoas diferentes habitando seu corpo" nos meses posteriores ao tsunami. A mulher ficou em coma por uma semana após a tragédia e sobreviveu quase por milagre. Segundo ela, quando despertou de seu coma, sentiu imediatamente a presença de vários fantasmas que a seguiram quando ela retornou ao seu corpo. "Era como se eles tivessem se apegado a mim e quisessem continuar vivendo dentro do meu corpo", descreveu a mulher. 

Keneda conseguiu exorcizar esses espíritos que na sua avaliação eram pessoas confusas e furiosas que ainda tinham assuntos a resolver na terra dos vivos. "O desastre condenou à morte todo tipo de pessoa. Boas e ruins! Algumas pessoas eram naturalmente egoístas e estavam ressentidas por terem morrido, culpando os vivos pela sua tragédia. Muitos deles após uma sessão aceitavam partir, outros se apegavam aos vivos como a única forma de continuar aqui. Esses causavam mais danos".


Kaneda explicou que pelo menos 20 espíritos habitavam o corpo de "Hira" simultaneamente. Um desses pertencia a um homem de meia idade que queria saber onde estava sua filha e se ela havia sobrevivido. Ele disse que ela estava em casa e que o lugar havia desaparecido com a tragédia. Quando Kaneda descobriu que a menina estava viva, o espírito aceitou partir. Outros não eram convencidos tão facilmente, o espírito de um rapaz era tão agressivo que foi capaz de usar o corpo de "Hira" para atacar o sacerdote e desferir nele uma mordida. Quando ele conseguiu fazer o espírito deixar o corpo ele teria dito:

"Mas o caminho para a luz é tão pequeno, e há tantas pessoas ao meu redor. Eu não consigo sequer ver o caminho que devo seguir".

Outra exorcista a agir desde os primeiros dias após a tragédia, era a monja Kansho Aizawa que afirmava ser capaz de ver os espíritos de centenas de pessoas vagando sem destino pelas ruas destruídas: "Era como ver uma cena de filme de horror. As pessoas feitas em pedaços, com o corpo desfigurado, sem braços ou pernas, vagando e se arrastando sem destino, perguntando para onde deveriam ir, o que deveriam fazer", contou ela. "Foi algo aterrorizante, mas também extremamente comovente. Depois de presenciar aquilo decidi que algo precisava ser feito do contrário eles vagariam para sempre nessa condição".

A explicação para toda essa comoção no mundo espiritual depende da fonte consultada. Para os que acreditam em tal coisa, um fantasma sem descanso vaga indefinidamente até cumprir sua sina. No folclore japonês, essas aparições são chamadas de Gaki, ou "fantasmas famintos", pois acredita-se que eles sentem um apetite por tudo que está vivo e passam a se alimentar da energia dos vivos para se perpetuar. Um Gaki se forma quando ocorre uma morte traumática com violência e dor, com angústia e medo. Eles passam a viver próximo dos vivos, em uma espécie de limbo para o qual se retiram na maior parte do tempo, contudo, em certos lugares ligados ao seu trauma, eles podem se materializar e ser sentidos pelos vivos, em especial pessoas com dom para sensitividade.


Para aqueles que buscam uma explicação mais científica e racional, é possível que muitas pessoas que experimentaram o desastre tenham desenvolvido uma espécie de desordem pós-traumática (PTSD). Nesse caso, os fantasmas seriam meras projeções mentais ou alucinações causadas pelo terror e stress que eles testemunharam e suportaram, ao invés de presenças sobrenaturais do outro lado. De fato, várias instituições de apoio psiquiátrico conduziram estudos a respeito de pessoas que tiveram perdas significativas e que passaram a sofrer de PTSD. Os estudos demonstram que existe a tendência de se experimentar tais alucinações, mas nada explica a atividade sobrenatural que outros parecem manifestar.  

Não resta dúvida que a total aniquilação de cidades e de seus habitantes pela tragédia de 2011 no Japão deixou profundas marcas nas mentes e no espírito dos sobreviventes. O horror em estado puro, a morte e a destruição inexorável, são algo que apenas o tempo poderá curar, e mesmo assim, existe o temor de que tais tragédias possam se repetir já que a região é suscetível a esse tipo de distúrbio natural.  

Será que assombrações e fantasmas são capazes de se formar após um incidente de dor e tristeza extremos como esse? Existem mais do que meras sombras vagando pelas ruas das cidades em reconstrução? Fantasmas estão fadados a permanecer espreitando nos lugares onde costumavam ir quando vivos? Se a resposta for sim, até quando? São muitas as perguntas sem resposta.

Se as ruínas do tsunami guardam mistérios sobrenaturais ou não, é provável que nunca saibamos. É entretanto, suficientemente assustador, olhar para as imagens da devastação e imaginar quantas pessoas perderam suas vidas em meio a essa tragédia. Mas pior ainda, é imaginar que algumas dessas vítimas podem continuar a sofrer...

...para sempre!  

Um comentário:

  1. ...por incrível que parece os primeiros socorros que apareceram na região após o Tsunami foram enviados pela Yakuza !

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