Como capataz de uma fazenda pecuária nos limites da Floresta Amazônica, Lailson Camelo da Silva tinha como atribuição fazer queimadas para converter a floresta em pasto. Certo dia, após queimar uma vasta área ele se deparou com algo incomum que estava oculto pela vegetação em estado puro. Ali, no meio da selva havia grandes pedras de granito maciço alinhadas em um bizarro círculo.
Observando com cuidado, ele percebeu que aquilo não parecia ser um arranjo natural. As pedras haviam sido dispostas propositadamente daquela maneira. As enormes rochas estavam de pé, tendo sido claramente colocadas daquela maneira incomum.
"Eu não tinha ideia de que estava descobrindo o Stonehenge da Amazonia", conta o Sr. da Silva que hoje está com 65 anos de idade.
Tudo isso aconteceu em um outubro especialmente quente 23 anos atrás. O grupo topou com o sítio arqueológico localizado a poucos quilômetros ao norte do Equador. "Isso me faz imaginar: O que mais será que existe escondido pela Selva? O que mais ficou oculto por séculos e que ainda não foi encontrado nas selvas do Brasil?"
Após conduzir um teste de radio carbono e fazer medidas durante o solstício de inverno, estudiosos do campo da Arqueoastronomia determinaram que as pedras foram arranjadas por culturas locais cerca de 1200 anos atrás. Os megálitos foram portanto erguidos em um círculo sete séculos antes dos europeus chegarem a América e conquistarem os povos nativos. A estrutura foi formada com enormes blocos de granito, alguns enormes, com mais de seis metros de altura e várias toneladas. Como teriam sido erguidos e como teriam chegado até lá eram questões difíceis de responder.
Esse notável achado, junto com outras descobertas arqueológicas realizadas nos últimos anos no Brasil - incluindo uma pedra gigantesca com símbolos pictórico, restos de fortalezas e até mesmo estradas incrivelmente modernas, estão contribuindo para uma mudança no ponto de vista de arqueólogos que afirmavam ser a Amazônia uma região pouco tocada pelos humanos. Até muito recentemente, o entendimento geral era de que a selva constituía um obstáculo grande demais para ser transposto pelos nativos em um estado semiprimitivo. Até então, era aceito que apenas algumas poucas tribos nômades haviam se estabelecido na região.
Um número cada vez maior de especialistas defendem agora que a maior floresta tropical do mundo foi muito menos um Jardim do Éden, livre da presença humana do que se haviam imaginado. Há estimativa de que ela possa ter abrigado uma população de até 10 milhões de pessoas antes que as epidemias e massacres em larga escala diminuísse o número de habitantes.
O Stonehenge Brasileiro está localizado no norte do estado do Amapá, em uma região esparsamente habitada. Não há cidades próximas e o único sinal de presença humana são fazendas e pequenos assentamentos isolados. As pessoas nessa região falam sobre lugares antigos e perdidos, utilizados pelos povos indígenas em seus rituais. Tais lugares foram esquecidos pela maioria, mas há lendas entre as populações nativas mencionando templo magníficos, cidadelas de pedra e enormes centros comerciais. Infelizmente, tudo isso teria sido engolido pela floresta.
As pedras solares, montadas em círculo chamam a atenção, mas não são exatamente uma novidade segundo as lendas indígenas. Muitas delas falam sobre um povo ancestral que observava as estrelas e que era dono de um grande conhecimento. Eles estariam em comunhão com os Deuses e estes lhes revelaram incontáveis segredos da criação.
O Circulo de Pedras fica próximo de outra área interessante do ponto de vista arqueológico, o Córrego do Rego Grande, uma região em que, no passado, floresceu uma lendária civilização conhecida pelos povos que os sucederam. Eles eram ao mesmo tempo admirados, invejados e temidos por seu grande saber e conquistas.
Os arqueólogos dedicados a desvendar os segredos da Amazônia pré-histórica afirmam hoje que esse povo era muito mais sofisticado do que se poderia imaginar.
"Quando se fala sobre o passado dessa região, o consenso até alguns anos era de que as populações locais eram pouco desenvolvidas. Nós estamos começando a rever esses conceitos. Há um enigma no que diz respeito a história humana na Bacia Amazônica. Nos sabemos muito pouco sobre esses povos e do que eles eram capazes", relata Mariana Cabral, arqueóloga da Universidade Federal de Minas Gerais, que na companhia de seu marido, o também arqueólogo João Saldanha, vem estudando a região do Rego Grande na última década.
"As descobertas realizadas no Amapá são absolutamente fantásticas. Elas evidenciam um grau de conhecimento notável para essas pessoas até então tratadas como primitivos".
No final do século XIX, o zoólogo suíço Emílio Goeldi esteve nessa mesma região e afirmou ter observado a presença de megalitos - enormes pedregulhos - ocultos pela vegetação. Goeldi percorreu uma área muito abrangente durante uma expedição que cobriu a fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa. Ele mencionou além das rochas dispostas em círculos, a existência de lendas locais sobre uma civilização majestosa que habitou aquela área. Outros aventureiros, incluindo a arqueóloga pioneira norte-americana Betty Meggers, também encontrou evidências desses sítios, mas argumentou não acreditar que uma região tão erma quanto a Amazônia poderia sustentar um povo avançado. Mesmo assim, ela ponderou que a presença das pedras eram um forte indício de que uma civilização pouco conhecida teria deixado suas marcas na paisagem.
Apenas quando o sr. Da Silva localizou as pedras na selva em 1990 é que estudiosos voltaram sua atenção para o local. Da Silva conta que os nativos conheciam as pedras, mas que não sabiam o significado delas. Segundo ele, na década de 1960 os nativos haviam descoberto os círculos.
"Um dos homens que ajudou a revelar os restos da mata disse ter estado ali décadas antes. Ele estava caçando um porco do mato junto com amigos e encontraram as pedras. Eles acharam aquilo estranho, exploraram por algumas horas, mas depois as deixaram de lado", conta Camelo da Silva que se tornou Guarda Florestal algum tempo depois de fazer sua descoberta.
"Muitos nativos com quem falei dizem que o lugar é sagrado e que as pessoas não deveriam mexer nele. Quase como se, estar ali fosse errado. De certa forma eu concordo com eles, ~e um lugar com grande energia", ele conta.
As populações de indígenas que habitam a região dizem que o Rio do Rego Grande um dia foi maior e que seus antepassados o usavam para viajar pelas vias hídricas. Dizem ainda que a área recebia muitos visitantes vindos de outras tribos que procuravam aqueles que ali viviam para conhecer seus mistérios e obter seu conhecimento.
Mas que conhecimento era esse?
"Bem, as estrelas. Ao menos é isso que todos falam! Que os povos ali sabiam muito sobre o que existe além da Terra e sobre os Deuses que vivem nos céus".
Cerca de 10 anos atrás, após obter fundos para proteção do Círculo de Pedras, grupos de Arqueólogos brasileiros liderados por Cabral e Saldanha começaram a escavar o sítio. Eles definiram uma área circular com as pedras ocupando o centro de sua área de exame. Eles logo identificaram uma área ribeirinha a cerca de um quilometro de distância de onde os blocos de granito foram retirados. Além disso, também fizeram descobertas significativas em uma série de grutas intocadas pelo tempo. Lá dentro obtiveram ferramentas, objetos de adorno e urnas de cerâmica usadas para coletar as cinzas dos cadáveres que eram cremados nos ritos fúnebres. Pela quantidade de urnas encontradas, existe a possibilidade de que o sítio tenha sido usado como cemitério para sepultar pessoas importantes - líderes, feiticeiros e caciques.
Ao mesmo tempo que as escavações eram realizadas, uma equipe do Instituto de Ciência e Tecnologia do Amapá descobriu que as pedras estariam alinhadas com o sol e que serviam para calcular seu movimento e determinar com exatidão o Solstício de Inverno.
Após descobrir outros pontos no sítio onde as pedras poderiam ser usadas para acompanhar os movimentos celestes, os pesquisadores começaram a desenhar uma teoria na qual Rego Grande poderia ter desempenhado uma função importante no passado.
"É possível que estejamos diante de um grande centro de rituais e cerimônias do passado. Um lugar que atraia visitantes vindos de outras partes e que realizavam sua jornada através do território de selvas usando trilhas que hoje estão perdidas".
Assim como ocorria em círculos de pedras na Europa, o círculo amazônico desempenhava um papel importante para os povos antigos. Como um centro de conhecimento e de informação em uma época em que saber o movimento dos astros influenciava em atividades essenciais como a agricultura e caça.
"Rego Grande e uma serie de outros megalitos menos elaborados ainda devem existir, ocultos pela selva e escondidos de nossos olhos. Eles ainda devem estar aqui, erguidos há mais de um milênio por nativos que muitos consideram como atrasados e incultos. Está na hora de rever esses preconceitos e aceitar que existiram povos sofisticados que habitaram o Brasil antigo", explica Cabral com grande entusiasmo.
Mas nem todos os estudiosos compartilham desse mesmo entusiasmo, afirmando que é preciso obter mais informações sobre o monumento e seu propósito. Além disso, parte dos especialistas ainda duvidam que a Civilização que habitou o Amapá na pré-história teria condições para erguer estas pesadas pedras e que elas cumpriam função astronômica como dizem os pesquisadores locais.
"Nós encontramos uma série de afirmações similares em várias partes do mundo, mas é preciso mais do que um círculo de pedras alinhadas para dizer que se trata de um Stonehenge", diz Jarita Holbrook, pesquisadora da Universidade do Cabo, na África do Sul que estudou as características de vários círculos ao redor do mundo. Nem todos esses monumentos são realmente calendários astronômicos, alguns são apenas círculos de pedras alinhados, um padrão comum para várias civilizações antigas.
Por hora, Rego Grande, que muitos chamam de Stonehenge Amazônico, permanece como um enigma. Restos de cerâmica e ossos se espalham pelo solo lamacento da selva próximo das pedras oferecendo pistas hipnóticas sobre o local, que alimenta a imaginação de todos. Pesquisadores ainda tentam definir com Rego Grande se encaixa na história da evolução humana na Amazônia.
Cabral e Saldanha, os arqueólogos brasileiros que passaram anos estudando Rego Grande, dizem que a evidência de grandes assentamentos permanece indefinida. É muito difícil encontrar as provas necessárias numa área tão extensa e coberta por um manto verde que recobre tudo. Nem mesmo imagens de satélite conseguem penetrar em certos pontos em busca de indícios de construções ou assentamentos humanos.
Representantes entre os Palikur, um povo indígena que vive no interior do Amapá e algumas partes da Guiana Francesa, recentemente se adiantaram para dizer que seus ancestrais também frequentaram Rego Grande. Os mitos dos Palikur falam de um povo sábio que vivia ao sul e que era creditado como grandes observadores dos céus. Eles teriam recebido parte de sua sabedoria e cultuaram os mesmos deuses. Ainda assim, os arqueólogos mais conservadores expressam cautela ao estabelecer tais ligações, enfatizando o quanto as sociedades humanas podem mudar ao longo de mil e duzentos anos.
De qualquer maneira, John McKim Malville, um físico solar da Universidade do Colorado que escreve extensivamente sobre arqueoastronomia, enfatizou como o campo está deixando de se concentrar exclusivamente em funções astronômicas para interpretações mais holísticas, incluindo as cerimônias e rituais de culturas antigas. Nesse contexto, o sítio de Calçoene oferece um vislumbre sedutor, embora enigmático, do passado da Amazônia.
“As pedras de Rego Grande são bastante extraordinárias e em sua irregularidade podem ter um significado próprio, diferente de outros sítios megalíticos ao redor do mundo”, opina Malville, levantando a possibilidade de que Rego Grande reflita a importância do animismo nas culturas amazônicas, a atribuição de uma alma a entidades da natureza e até mesmo a pedras inanimadas. Nesse contexto, ele seria um magnífico Templo a céu aberto, um lugar de mistérios e superstições milenares sobre os quais ainda sabemos muito pouco.
Enquanto não se descobre o real significado desse Monumento, as pedras em círculo permanecem de pé desafiando estoicamente a passagem dos séculos. Talvez um dia venhamos a conhecer quem as ergueu e para que elas foram utilizadas.
Até lá, todas interpretações são bem vindas...
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