segunda-feira, 24 de abril de 2023

A adorável Mulher com Cabeça de Porco - a estranha historia de um boato na Londres Victoriana


"A beleza esta nos olhos de quem vê", diz o ditado muito conhecido. Isso significa que cada pessoa tem sua própria interpretação do que é bonito e atraente, mas tais valores podem não significar nada para outras pessoas.
 
Na Inglaterra do século XIX, os padrões de beleza feminina atendiam a um modelo bastante distinto: Palidez facial, cabelos ruivos, olhos claros e orelhas pequenas, dentes levemente separados e uma cintura esguia, eram o que se entendia por beleza feminina na austera sociedade britânica.
 
Mas se a beleza tinha padrões a serem desejados pelas mulheres, seu oposto, a feiura, também tinha características bem reconhecidos. Nada poderia ser mais ofensivo entre os britânicos do que comparar a aparência de uma mulher com a de uma porca. O suíno doméstico, para todos efeitos era considerado o animal mais medonho aos olhos de ingleses, escoceses e irlandeses.
 
Isso talvez explique porque nas lendas desses povos, existiam crenças bastante difundidas à respeito de pessoas, em especial mulheres, que podiam nascer com a cabeça de porco, sendo aberrações dignas de histórias que misturam pena, escárnio e, claro, terror.

É difícil precisar quando essas lendas começaram a serem contadas, mas é possível que elas remontem ao período Medieval. A narrativa, contudo, tende a ser sempre similar. Ela começa com uma mulher amaldiçoada por magia negra, muitas vezes seguindo o roteiro de ser uma bela e rica mulher grávida. Esta é alvo do mau olhado ou então de uma maldição lançada por uma bruxa vingativa. Em algumas versões a mulher teria negado algum favor à feiticeira, teria a escorraçado ou ainda, teria criticado sua aparência decrépita.

Seja lá por quais motivos, quando a mulher finalmente dá a luz, verifica-se se tratar de uma menina saudável em todos os aspectos, exceto por ter uma medonha cabeça de porco.


Essas histórias proliferaram por essas regiões na época e se tornaram uma febre. A coisa chegou a tal ponto que muitas mulheres grávidas temiam sair de casa nos meses finais de gestação para não cruzar com uma bruxa que as amaldiçoasse, só pela maldade de sua alma. Também se recomendava não comer carne de porco durante a gravidez e em alguns casos sequer ver tais animais.

Embora quase certamente essas historias sejam baseadas em lendas e folclore, tais contos se tornaram incrivelmente populares. De fato, à certa altura, muitos começaram a acreditar que mulheres com cara de porco eram realmente reais, com elas supostamente se escondendo à margem da sociedade.

Talvez a mais famosa e conhecida das mulheres com cabeça de porco, seja a adorável Dama de Manchester Square.

Essa lenda com contornos dramáticos ganhou força graças ao rumor de que uma jovem mulher era mantida trancafiada em uma casa na Avenida Manchester, no centro de Londres, desde seu nascimento. Ninguém havia visto suas feições e ela jamais recebeu permissão de seus pais para sair. Seu mundo era um quartinho nos fundos, longe de olhos curiosos. Sua família, envergonhada pela aparência da menina a mantinha escondida, cuidando dela e a alimentando, mas jamais permitindo que ela fosse vista por estranhos.

As histórias diziam que ela tinha 17 anos de idade - que pertencia a uma família de alta posição e grande fortuna. Seu corpo e membros eram da forma mais perfeita e bonita, mas sua cabeça e rosto se assemelham aos de um porco - ela comia seus alimentos em um cocho de prata da mesma maneira que os porcos, e quando falava produzia sons de grunhido. Ela, no entanto, era prendada e sua principal diversão era tocar piano, o que fazia com muito prazer. Podia entretanto ter arroubos de fúria nos quais quebrava o quarto inteiro, lançando objetos contra as paredes e chegando até a agredir violentamente os criados que a atendiam.

Em pouco tempo, a história ganhou as ruas de Londres, muito além da Manchester Avenue. Algumas pessoas juraram tê-la visto, com esses relatos reforçados por jornais que deram voz às testemunhas oculares. Além disso, um diário publicou a história de uma suposta babá, que "cuidou da menina desde criança, chegando até a se afeiçoar a ela, apesar de sua aparência animalesca".


A história, sem qualquer comprovação afirmava que a família da jovem era proveniente da Irlanda, sendo parte da aristocracia local e portanto, detentora de muitas posses. Eles tinham criados que eram muito bem pagos em troca de manter segredo sobre o infortúnio. A menina, no entanto, era irascível e em diferentes oportunidades havia assustado a criadagem com um comportamento rebelde.

Havia quem dissesse que anúncios foram publicados em jornais procurando criados para cuidar dela, pois a rotatividade era bem comum. Acreditava-se que as pessoas se viam incapazes de suportar estar na presença de tal monstruosidade ou que seu gênio tornava impossível a continuidade do serviço. Um desses anúncios teria sido publicado na edição de 9 de fevereiro de 1815 no London Times que dizia:
"À atenção de SENHORES e SENHORAS. 
Família precisa de serviço de cuidador para uma jovem dama com problemas específicos que demandam dedicação em caráter contínuo. Oferece-se uma renda anual e um bônus para residir com ela por sete anos. Solicitamos uma resposta a esse anúncio, pois o anunciante se manterá descomprometido até poder entrevistar candidatos e estes serem informados de todos os detalhes da incumbencia. É pedido aos candidatos, sigilo."
A essa altura, a maioria dos londrinos acreditava na existência da moça porca como um fato, tornando-a o assunto da cidade com indivíduos curiosos tentando descobrir onde ela residia para espiar por alguma fresta. Mais do que uma curiosidade mórbida, a historia tornou-se uma febre para os jornais da época. Relatos da misteriosa mulher com cara de porco e desenhos de sua aparência incomum eram estampados junto com artigos sensacionalistas. Houve até uma carta enviada ao London Times por um homem que desejava propor casamento à mulher misteriosa, acompanhada com uma nota de uma libra para publicá-la. Isso aparentemente foi longe demais para o jornal, e eles não apenas se recusaram a publicá-lo, mas também publicaram um artigo ridicularizando o pedido. 

Ele diz:
Existe atualmente um relato, em Londres, de uma mulher, com um rosto estranhamente deformado, semelhante ao de um porco, que possui uma grande fortuna e todos os confortos e conveniências relacionados a sua posição social. Ontem de manhã, um sujeito (com cabeça de bezerro, supomos) nos transmitiu um anúncio, acompanhado de uma nota de uma libra, oferecendo-se para ser seu marido. Colocamos sua oferta no lixo e enviaremos seu dinheiro para alguma instituição de caridade, pensando que é uma pena que tal tolo o tenha. Nossos amigos rurais mal sabem os idiotas que Londres contém. A moça com rosto de porco é tão firmemente acreditada por milhares de pessoas que creem piamente em sua existência. O rumor não passa disso, mero boato, contudo se tal pessoa realmente existir, não seria o caso de deixá-la em paz? Oferecendo a ela toda simpatia, gentileza e respeito que ela merece?

Mas a resposta do Times apelando ao bom senso das pessoas não surtiu o efeito desejado pois a historia seguiu causando repercussão. Muitos acreditavam tanto nela que parecia haver uma histeria em massa. Multidões se reuniam diante de casas que supostamente eram a residência da mocinha. Outras tantas perseguiam carruagens nas quais a jovem estaria supostamente viajando. Houve tumultos por conta disso, uma situação por demais absurda.

A mania da moça suína de Manchester Square começou em 1814 produzindo milhares de relatórios, a grande maioria incrivelmente fantasiosos e bizarros. Contudo em ao menos um momento a situação chegou perto de sair do controle. Um rumor, que ninguém sabe dizer como teve início, se espalhou por toda Londres, afirmando que a Moça Porco havia finalmente escapado de seu confinamento e que estava vagando pelas ruas da grande cidade com um lenço negro a lhe disfarçar a aparência animalesca. Pior ainda, dependendo a quem se perguntava, a história se tornava ainda mais horrível, com pessoas dispostas a jurar que a fuga havia ocorrido após a moça matar um ou mais criados e devorar partes de seus corpo. O monstro, portanto não era apenas horrível, era também um canibal e assassino, capaz de matar novamente.

O simples boato colocou Londres em um frenesi de pavor e curiosidade que fez várias moças serem abordadas bruscamente nas ruas, veículos serem revistados e porões vasculhados por uma turba sedenta de sangue. Gritavam que "a besta devia morrer" e que "matar essa fera era um favor ao mundo civilizado". Os tumultos foram a desculpa perfeita para vândalos atacarem pessoas, roubarem e destruírem lojas, tudo sob o pretexto de buscar pelo esconderijo da Moça Porco. 

É claro, não acharam nada e quando a severa polícia de Londres começou a enquadrar os baderneiros a situação voltou ao controle com várias pessoas presas, feridas e casas de comércio saqueadas. Por fim, a histeria começou a perder força e no ano seguinte a história foi sendo gradualmente esquecida.


Mas poderia haver algo mais atrás dessa lenda bizarra? Teria havido uma moça com deformidades tamanhas que pudesse rivalizar com as de John Merrick, o infame Homem Elefante que surgiu em Londres apenas 70 anos mais tarde? Quem pode dizer ao certo?

|Seja lá qual for a resposta, é inegável que entre os anos de 1814 e 1815, uma mulher com cara de porco, real ou imaginária, manteve Londres em estado de fascinação e quase pânico.

Um comentário: