quarta-feira, 5 de abril de 2023

Monumentos de Pedra e o Mythos - Usando Círculos em cenários de Horror Lovecraftiano


Círculos de Pedras parecem ter uma fácil associação com o Mythos de Cthulhu.

H.P. Lovecraft fez frequentes alusões aos seus Deuses e Divindades reputando a eles um papel central na trama cósmica. A maioria deles são oriundos das estrelas, ou vieram de recantos muito distantes na vastidão do espaço, onde reinavam supremos.

Os Deuses Lovecraftianos são nativos de lugares como Xoth, Formalhaut, as Pleiades ou Andrômeda, constelações tão distantes que sua existência só podia ser percebida como pálidas estrelas no firmamento. Um dos princípios essenciais no Mythos é que as estrelas desempenham um papel fundamental para compreender as entidades e estabelecer com elas uma comunicação.

Também é um elemento central que determinados alinhamentos celestiais desencadeiam eventos muito aguardados. Assim é, por exemplo, com o Despertar dos Grandes Antigos que ocorrerá apenas "quando as estrelas estiverem certas". Isso significa, grosso modo, que, quando os planetas e estrelas estiverem devidamente alinhadas em uma posição Cthulhu e os demais deuses finalmente se verão livres de sua prisão.

Nos contos e histórias criadas por H.P. Lovecraft, os cultos ancestrais que veneram e servem aos Antigos tem uma compreensão única destes seres. No passado remoto da humanidade, feiticeiros e xamãs teriam estabelecido um contato através de sonhos com essas poderosas entidades. Também receberiam delas as visões e portentos que indicariam não apenas como servi-las, mas o que fazer quando elas despertassem de seu sono milenar.


Lovecraft relacionou de forma harmônica o interesse de civilizações antigas com as estrelas e a Mitologia de Cthulhu. De certa forma, elas são a mesma coisa ou ao menos uma influenciou a outra.

Segundo a mitologia lovecraftiana, homens primitivos teriam recebido instruções dos Deuses não-humanos para estarem prontos quando as estrelas estivessem alinhadas. Para isso, deram a eles uma forma de seguir o movimento celestial. Nesse contexto, os grandes círculos de pedra, encontrados em várias civilizações e que são enormes observatórios primitivos, teriam sido construídos com o propósito secreto de calcular o momento em que as estrelas estarão certas.

Ao longo de sua obra, o autor cita repetidas vezes que o homem primevo, por estar mais próximo dos deuses ancestrais, possuía um entendimento que nos dias atuais havia sido esquecido. Influenciado e de certa forma, guiado pelos Deuses, ele teria observado com interesse as estrelas sabendo que nelas residia o destino final da humanidade.

Lovecraft menciona em alguns de seus contos a relação direta entre círculos de pedra e os Mythos.

Ele fala brevemente de Stonehenge e o cita como uma espécie de templo onde tribos de britânicos primitivos se reuniam para observar os céus e temer a vinda dos antigos. Ele fala mais propriamente dos anéis de pedra erguidos no alto das colinas da Nova Inglaterra, mais especificamente na área rural de Dunwich. No conto "O Horror de Dunwich", os círculos de pedra usados pela degenerada família Whateley eram utilizados não apenas para observação, mas para o contato com Yog Sothoth. De fato, é num desses lugares que supostamente ocorre a invocação feita pelo mago Noah Whatley que termina com a gravidez de sua filha Lavínia.


Não apenas Lovecraft faz menções a anéis de pedra, cobertos por símbolos astronômicos que servem de local sagrado. Robert E. Howard em "A Pedra Negra" descreve os rituais blasfemos ocorridos aos pés de uma milenar rocha escura erguida nos ermos de Stregoicavar, na Hungria. Nesse local insalubre cultistas dançavam extasiados ao redor de um monólito conectado com os Deuses. Parece razoável supor que essa pedra seria um dos calendários usados para observar as estrelas. Arthur Machen tambem faz várias alusões aos Arcos de Pedra que se espalham pela paisagem de seu soturno País de Gales. O aterrador Grande Deus Pã inclusive é contatado em um desses lugares escuros onde o passado parece mais presente do que nunca.

Mais recentemente, Stephen King usou a ideia de um tenebroso círculo de pedra nos ermos da Nova Inglaterra em seu conto N. Na história o local era tão aterrorizante que simplesmente visitar o monumento poderia ser suficiente para deixar uma marca na pessoa e dar início a uma série de alucinações. 

Estudiosos da obra de Lovecraft especulam se ele teria se baseado na então recente teoria do Stonehenge americano localizado em Mystery Hill, no estado de New Hampshire. O Stonehenge Americano fica no local de uma antiga fazenda e permaneceu intocado por milênios. Ele ocupa uma encosta arborizada e tem algo em torno de quatro mil anos, mas as dificuldades de precisar essas informações de forma científica começaram imediatamente após sua descoberta na década de 1930 e até hoje dividem os especialistas. Muitos tratam o lugar como uma farsa, mas outros o aceitam como um monumento pré-histórico autêntico. Quem o teria erguido e com qual propósito, escapa ao nosso conhecimento. Sendo Lovecraft um entusiasta da arqueologia e do mundo antigo, é provável que ele tenha acompanhado a descoberta com interesse, embora não tenha comentado nada sobre o assunto em suas cartas.

Em ambientações lovecraftianas e de terror em geral, os círculos de pedra podem ser mais do que simples observatórios. Eles podem ser verdadeiros portais gigantescos esperando apenas o momento certo para se abrir. Os Círculos oferecem um palco interessante para o final grandioso de um cenário ou mesmo de uma campanha épica. Talvez eles sejam o local de encontro de cultistas que planejam ativar as pedras e invocar seus deuses em algum ritual apocalíptico ou ainda o templo máximo de uma deidade cósmica.


É fácil imaginar um culto devotado a Shub-Niggurath ou Yog-Sothoth usando um círculo de pedras como catalizador de um ritual de invocação. Feiticeiros, sacerdotes ou xamãs poderiam receber as instruções sobre como "ativar" as pedras e concluir os ritos necessários para estreitar as paredes entre planos e realidades. Mesmo Deuses menores e mais obscuros poderiam ser contatados através do alinhamento de pedras - Tulzcha, Daoloth ou mesmo Y'Golonac poderiam ser invocados perante um círculo.

É de se imaginar que os ritos envolvam preparativos específicos que tornam sua execução algo fora do normal e um evento importante. Na tradição dos Mythos, tais experimentos envolvem sacrifícios e algum tipo de celebração orgiástica. O som de instrumentos de percussão, brados insanos (Iä! Iä!), danças que mais se assemelham a convulsões espasmódicas, evolução no entorno das pedras, o uso de máscaras e adereços sinistros, além de demonstrações inequívocas de fanática devoção aos antigos, estariam presentes entre os cultistas. Lovecraft se esmerava em tornar as celebrações voltadas para as entidades algo blasfemo. O narrador pode incorporar tortura, sadismo, animalismo, canibalismo e a quebra de todo e qualquer tabu moral a essas celebrações profanas.

Para evitar que o ritual atinja seus objetivos, caberia aos Investigadores interromper a celebração antes de ser "tarde demais". Talvez o grupo - se tiver investigado corretamente cada pista, tenha em seu poder um feitiço que expulsa a entidade chamada ou um artefato que fecha o portal para sempre. Mas isso envolveria, é claro, uma confrontação com os cultistas e talvez até ter de lidar com alguma entidade menor chamada previamente com o intuito de proteger ou abençoar o evento. Servidores dos Deuses Exteriores, os Pássaros Shantak, Horrores Caçadores e Crias Negras são seres perfeitos para essa função. 

Contudo, ter de enfrentar maníacos e um Guardião não se compara a ter de encarar o horror que esses rituais tendem a convocar dos recessos distantes. Nada pode ser mais terrível do que testemunhar um dos Grandes Antigos ou pior ainda, um deus Exterior se manifestando ainda que por poucos segundos. Quando tais seres tocam a Terra, tudo se transforma e a mera presença desses seres tende a conspurcar a natureza. Isso sem falar no custo de Sanidade!

Círculos de Pedra são perfeitos para o Horror de Chamado de Cthulhu. Não apenas são monumentos silenciosos e cheios de mistério, mas sua própria natureza ancestral causa uma sensação de estranheza em quem os visita. Acrescente a isso o fato deles serem uma conexão com um passado quase imemorial e temos elementos suficientes para fazer deles o palco para horrores indescritíveis além das esferas do tempo e do espaço.

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