segunda-feira, 3 de abril de 2023

Apontando as Bruxas - Métodos Bizarros usados para Identificar Feiticeiras


Ao longo dos séculos houve momentos em que as pessoas tinham certeza absoluta de que Bruxas e Feiticeiros estavam vivendo bem perto de suas casas.

Eram tempos de grande superstição e medo, quando o temor do sobrenatural contaminava as populações e as compelia a fazer coisas que hoje achamos absurdas, imorais ou simplesmente muito, muito erradas. As chamadas "Caça às Bruxas" deixaram uma marca horrível na história humana. 

A mais infame dessas caças ocorreu entre os séculos XVI e XVII, em pleno início da Era moderna, em praticamente todas as partes da Europa. Nos territórios de língua alemã do Sacro Império Romano, a perseguição às bruxas foi ainda mais acentuada. Uma verdadeira epidemia de terror com bruxas varreu essas regiões.

A maioria dessas "feiticeiras" eram esposas agressivas ou viúvas de trabalhadores agrícolas com baixo nível socioeconômico. Também as parteiras, mulheres que faziam poções, adivinhas, cartomantes e curandeiras de todos os tipos eram muito visadas por conta de suas ocupações. Mexer com os mortos, com doenças, com a sorte ou com recém nascidos, podia atrair suspeitas sobre a pessoa, mesmo quando suas intenções eram boas. Embora homens tenham sido menos frequentemente acusados de bruxaria, havia casos em que eles também podiam ser perseguidos, de fato, na Rússia e na Islândia era mais comum que homens fossem apontados como bruxos do que mulheres.

As crenças populares diziam que bruxas eram servas malévolas de Satanás que se organizaram contra a cristandade nos sábados, em encontros chamados Sabás. Elas eram praticantes de diferentes vertentes de feitiçaria que realizavam desde adivinhações até necromancia (a mais vil das artes negras). 

As leis do Sacro Império eram muito rigorosas quanto a Bruxaria e visavam um combate pleno e constante contra ela. Uma bula papal do início do século XVI tratava a bruxaria como "crimen exceptum" ou seja, passível de todos os métodos para ser extirpada. Isso servia como um tipo de permissão para usar todos os métodos necessários. Os acusados podiam, portanto, ser perseguidos, interrogados e torturados para se obter uma confissão.

Alguns métodos empregados eram especialmente cruéis e estão relacionados abaixo.

1. Privação do Sono


Alguns métodos para determinar a culpa de uma bruxa remontam aos primórdios da civilização humana. As referências mais antigas podem ser encontradas no Código de Hammurabi do século XVIII aC, que detalhava várias formas de apontar um praticante de feitiçaria. No Império de Nicéia haviam leis muito claras para a realização dos julgamentos, enquanto o sinistro Livro Malleus Maleficarum ou "Martelo das Bruxas" editado no do século XV fornecia um guia prático para  Demonologistas e Caçadores de Bruxas.

Entre os vários métodos a serem empregados pelos Caçadores e descritos em tais documentos está a Privação do Sono. Acreditava-se que a Bruxa necessitava ter um sono regular através do qual suas energias diabólicas eram restauradas por intermédio de sonhos enviados pelo demônio. Se uma bruxa fosse impedida de dormir, seus poderes reduziam drasticamente.

Esse pensamento visava não apenas apontar uma bruxa, mas reduzir suas capacidades. 

O acusado de bruxaria era tradicionalmente privado de sono por cerca de 40 horas. Durante todo o processo, seria interrogado e pressionado a admitir sua identidade como servo de Satanás e se possuía associados. A privação do sono era garantida por um guarda que observava o acusado e sempre que este cochilava era responsável por despertá-lo com água, com ruídos ou com agressão física. 

Essa tática foi muito comum na Itália e na Inglaterra, países que tinham leis expressas que exigiam períodos mínimos de 30 horas de privação antes que um acusado fosse levado à julgamento. Na maioria dos autos de julgamentos, o Juiz questionava quando o acusado havia dormido pela última vez. Se o prazo não fosse respeitado, ordenava que se aguardasse.

O método era interessante para a acusação já que um réu exausto ficava mais suscetível a aceitar sua culpa ou apontar um companheiro. Um período tão longo de privação do sono pode ainda causar delírio ou até alucinações que levam o indivíduo a se comportar de maneira atípica.

2. Imersão na Água


Um dos testes mais antigos para determinar se uma acusada era ou não uma bruxa envolvia o mergulho na água. 

A água era tida por muitas culturas como algo puro e benigno. A água corrente possuía, no entender de muitos teólogos, propriedades que poderiam ser empregadas para determinar se alguém estava ou não em conluio com as forças das trevas.

Nos tempos antigos, supostos feiticeiros e outros criminosos eram submersos em água corrente e absolvidos se sobrevivessem a repetidos mergulhos. O acusado era amarrado em uma espécie de cadeira que o impedia de se mover ou escapar. Em seguida, a cadeira presa a uma corda, era atirada em um lago ou rio, para que em seguida pudesse ser suspensa. 

Havia duas crenças populares relacionadas a esse método. A primeira envolvia a noção de que Deus ajudaria os inocentes, impedindo que eles se afogassem, enquanto os culpados simplesmente acabariam morrendo. A segunda é que o impacto repetido com a água poderia limpar a alma da pessoa de qualquer corrupção e expulsar presenças sobrenaturais que agiam sobre o indivíduo. A água corrente também era uma maneira de lavar os pecados.

Embora esta forma de teste tenha sido proibido em muitas áreas e caído em desuso, o julgamento pelo mergulho tornou-se popular novamente no final da Idade Média. Demonologistas atestavam que a água corrente e fria podia ser empregada com resultados positivos para livrar aqueles acometidos de possessão diabólica. É provável que doentes mentais, esquizofrênicos e epiléticos fossem as principais vítimas desse método. 

O Rei Jaime VI da Escócia, ele próprio um caçador de bruxas, acreditava que a água pura repelia os demônios dos corpos e deixava o indivíduo livre de qualquer presença diabólica. Apenas por curiosidade, Jaime também ficou conhecido por obrigar acusados de Feitiçaria a consumir de uma só vez litros e mais litros de água, às vezes com um funil em suas bocas. Se a pessoa suportasse esse, sem se afogar podia até ser libertada. 

Embora a imersão na água envolvesse uma corda usada para içar o acusado, acidentes eram muito comuns. O impacto com a água podia matar ou ferir gravemente a pessoa, isso sem falar dos riscos da hipotermia e do afogamento. Apenas para registrar, o último julgamento usando Imersão ocorreu na Espanha em 1785.

3. A Marca do Diabo


Outro sinal comum de culpa de uma bruxa era a chamada Marca do Diabo. 

Os caçadores de bruxas acreditavam que os feiticeiros receberiam tal marca ao completar seu pacto com Satanás e que essa podia ser descoberta mediante um exame cuidadoso. Embora pudesse mudar de cor, forma e potencialmente até de localização, a marca em si poderia ser descoberta por um demonologista experiente que sabia como buscá-la. 

A marca para alguns poderia ser um mamilo extra no corpo do acusado que supostamente era usado para amamentar assistentes demoníacos como familiares e diabretes. Poderia ser também uma verruga grande, uma mancha estranha ou uma cicatriz de nascença. Falava-se de dentes na garganta, símbolos no couro cabeludo ou uma pústula no interior da vagina. Em certas partes da Europa, mesmo tatuagens podiam ser confundidas com o sinal do diabo.

Para encontrar a Marca os examinadores sujeitavam os réus a um exame incrivelmente humilhante. Colocavam a pessoa nua e examinavam centímetro por centímetro de seu corpo, às vezes com o auxílio de lentes de aumento e velas. A ideia era apertar, apalpar e espremer qualquer sinal suspeito. A revista era extremamente invasiva e podia incluir a raspagem de cabelos, toques constrangedores e mesmo exame de cavidades. 

Os Juízes se valiam de agulhas longas e pontiagudas especialmente projetadas para procurar as marcas. Essas ferramentas eram empregadas para furar, arranhar ou penetrar a carne do acusado em busca das tais marcas ocultas sob a pele. Um ferimento que não sangrava ou então sangue de cor ou consistência curiosa podia atrair a atenção do examinador. As agulhas podiam ser enfiadas na garganta, no ouvido e no nariz, mas há relatos delas sendo inseridas na vagina, uretra e ânus dos réus.

Durante o auge da Caça às bruxas, a Inglaterra e a Escócia até apoiaram o surgimento de profissionais, os Picadores (Prickers), que realizavam esse exame criterioso embora esses homens provavelmente nem soubessem o que estavam buscando e forjassem seus resultados. Não por acaso, o termo "prick" hoje em dia é usado para determinar alguém desonesto. 

Alguns destes testes se relacionavam com conceitos antropológico de que os fluidos corporais de uma bruxa podiam conter elementos mágicos. Sangue, urina, bile e outras secreções podiam ser colhidas para análise, com especialistas dispostos até a cheirar, manusear ou mesmo experimentar essas coisas e determinar resquícios de magia (!!!). 

4. A Prensagem 


O método conhecido como Prensagem tem uma história longa e muito específica no início não relacionada à bruxaria. Ele era originalmente empregado contra criminosos, em especial ladrões de gado ou ovelhas de quem se desejava extrair uma confissão.

No entanto, um dos casos mais famosos de Prensagem ocorreu na célebre Caça às Bruxas de Salem, nos tempos coloniais dos Estados Unidos. Um octagenário chamado Giles Corey, foi acusado de ser um feiticeiro ao lado de sua esposa Martha. Depois de se recusar a declarar sua culpa, Corey foi submetido a essa forma de tortura. Durante dois dias, ele permaneceu deitado e imobilizado com uma tábua sobre seu corpo. Pedras cada vez mais pesadas eram colocadas sobre a tábua na esperança de forçar uma confissão.

Embora este tenha sido o único exemplo de prensagem na história americana, a prática foi muito usada na Europa. Ele remonta especificamente a certas tradições de direito comum, incluindo a noção francesa de "peine forte et dure" ou punição forte e dura. De acordo com esse sistema, a pressão deveria ser usada quando o réu se recusasse a uma confissão. O princípio é que o peso arrancaria a culpa do corpo do indivíduo. 

A Prensagem era um tipo de interrogatório muito temido na Era Medieval e as pessoas antes de serem submetidas a ela, eram instruídas sobre o procedimento. Muitas confessavam qualquer coisa para não se verem sujeitas a esse horror. O esmagamento lento, porém gradual do corpo era um tipo de tortura quase insuportável, agravado por outros métodos de extrair a confissão que podiam incluir desde queimar os dedos da vítima ou até fazer cócegas em seus pés com penas. Muitas pessoas sujeitas a prensagem assumiam qualquer crime.

No Sacro Império, as vítimas da prensagem podiam ser sujeitas ao tratamento desumano por até quatro dias segundo as leis vigentes. Se suportassem tal coisa, podiam ser consideradas inocentes recebendo a liberdade e um pedido de desculpas na forma de flores. Que singelo!  

5. Queimando na fogueira


Quando a maioria das pessoas hoje em dia ouve falar de bruxas sendo punidas, elas imediatamente imaginam uma pessoa sendo queimada na fogueira. No entanto, essa punição tem uma história muito mais longa e também foi usada para lidar com traição, rebelião e heresia. Em particular, queimar na fogueira está associado ao auto-de-fé e a práticas como derramar metal derretido sobre – ou dentro – de um criminoso. 

Na prática, o fogo direto raramente matava a vítima, esta morria muito antes de seu corpo arder em chamas. A fumaça produzida pela lenha e palha seca era bem mais provável de causar um sufocamento fatal. Também a morte podia ocorrer por insolação, dano a órgãos vitais ou perda de fluidos corporais ocasionados por um longo período de exposição ao calor da fogueira que literalmente cozinhava a pessoa. 

Em se tratando de feitiçaria, o julgamento pelo fogo pode ser rastreado até o célebre Código de Hammurabi, sendo este método reservado para sacerdotes que traíam seus deveres clericais. Uma mulher podia ser condenada à fogueira mais frequentemente por adultério comprovado. Mais tarde, a Inquisição Medieval decidiu usar o fogo como instrumento de purificação contra hereges. O fogo era considerado um elemento de expiação, embora o espetáculo de indivíduos queimando (sem falar no cheiro) fosse desagradável até para o mais zeloso inquisidor. O espetáculo era tão desagradável e indesejado que alguns teólogos defendiam que as bruxas fossem estranguladas antes de serem colocadas na pira. A imagem de pessoas gritando e sofrendo com o fogo, portanto, é irreal.  

Antes de condenar uma pessoa a arder na fogueira, um teste podia ser ordenado para que se verificasse se o indivíduo sentia os efeitos do calor e das chamas. Se o indivíduo recebia uma queimadura e não gritava, poderia se entender que Deus a estava protegendo e que a punição era um erro, isso poderia resultar em uma liberação ou comutação da pena em prisão. 

No entanto, é inegável o efeito que a Fogueira teve ao construir um pânico social em torno da Inquisição. A mera sugestão de um auto-de-fé podia causar um efeito devastador em uma cidade. Como resultado, regiões inteiras podiam ser rapidamente consumidas pelo pânico. Os prisioneiros ameaçados com a fogueira acabavam entregando outros nomes e estes ainda mais em um círculo vicioso interminável. Espanha, Portugal e Itália foram palcos de autos-de-fé, mas estes foram relativamente mais raros em outras partes da Europa onde embora fogueiras ardessem, não eram tratadas como um acontecimento.   

A Caça às Bruxas dos séculos XVI e XVII deixou segundo a análise de historiadores algo entre 40 a 60 mil mortos. É menos do que muitos supõem quando se fala em Inquisição Medieval e de execução de bruxas, mas ainda assim é muito quando se considera o impacto social. Sem falar dos milhares de perseguidos, humilhados e torturados.

O legado daqueles dias sombrios permanece como um lembrete do que nós, humanos, podemos racionalizar – e da importância de manter nossas instituições espirituais e legais separadas. Talvez este seja um dos capítulos mais vergonhosos da história humana, e justamente por essa razão, é importante conhecer os detalhes dessa tragédia afim de que tal coisa jamais se repita. 

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