terça-feira, 18 de abril de 2023

Dungeons and Dragons, Honra entre Rebeldes - Resenha do Filme


Desde seu surgimento, no longínquo ano de 1974, Dungeons and Dragons (D&D) tem se oferecido como uma plataforma para aqueles que amam fantasia, que se dedicam a explorar os reinos da imaginação e que gostam de se reunir com amigos e simular aventuras, batalhas e magia, tudo isso na segurança de sua mesa de jantar.

Por quase 50 anos, o jogo de interpretação colecionou controvérsia, tornou-se sinônimo de cultura nerd e mesmo de perigo satânico, até se livrar de ambos estigmas. A medida que forjava amizades e criava vínculos duradouros, chegou a outras mídias influenciando programas de TV como Stranger Things, Gravity Falls, Big Bang Theory, Vox Machina, e Freaks and Geeks. A transição entre hobbie de nicho e curiosidade a ser experimentada por cada vez mais pessoas, demorou um bocado para acontecer, mas finalmente o jogo conquistou seu espaço. Hoje em dia, mais pessoas jogam D&D do que em qualquer outro momento de sua existência. O interesse pelo jogo o transformou em um cult e então, num sucesso de venda para a Hasbro, gigante dos brinquedos que detém os direitos sobre sua publicação.

Ainda assim, um meio parecia inacessível para o jogo: quando se trata de filmes, nenhuma produção conseguiu capturar sua magia. Não que não tenha sido tentado. Na esteira do sucesso de produções dedicadas a fantasia iniciada pela trilogia de "O Senhor dos Anéis", houve uma tentativa de trazer D&D para o cinema em 2000. O resultado foi um filme que pode ser descrito no mínimo como constrangedor e mais acuradamente como uma bomba de proporções épicas (no IMDB ele tem nota 3,6 e eu francamente acho que estão sendo generosos).

Por um bom tempo, o resultado do filme "Dungeons and Dragons - The Adventure Begins", e de suas duas sequências (2005 e 2012), foi tão ruim que ninguém imaginava um dia haver outra tentativa de trazer o jogo para as telas. Ao menos, até agora...

Sejamos francos, quando surgiu o anúncio oficial de que um novo filme de D&D estava sendo produzido, a maior parte dos fãs teve um arrepio. A lembrança do filme medíocre dos anos 2000 ainda reverbera e assombra a memória de todos os que amam o jogo. Com um misto de dúvida e desconfiança, as primeiras notícias surgiram ano passado e o que veio à tona dissipou parcialmente a nuvem de pessimismo que pairava sobre a produção. Da escolha do elenco, às primeiras informações sobre o roteiro e o orçamento substancial envolvido - tudo parecia promissor. Contudo, apenas quando os primeiros trailers apareceram - ao som de Led Zeppelin - é que a desconfiança inicial se transformou em expectativa.


As prévias davam mostras de um filme divertido e fiel ao espírito do jogo. Uma aventura cinematográfica como antigamente, com ação, efeitos especiais, personagens carismáticos e comédia. Mais que isso, a produção iria respeitar sua fonte e não se distanciar dela. Em outras palavras o objetivo dos envolvidos era traduzir em imagens a experiência de uma mesa de jogo.

Para isso seria necessário mais que orçamento e boas intenções, seria preciso um roteiro que se encaixasse na proposta do jogo. Para tanto, nada melhor que contar com pessoas que conhecem e amam o jogo. O roteiro e direção são divididos por John Francis Daley e Jonathan Goldstein ambos entusiasmados jogadores de D&D. A tarefa deles não era nada fácil já que envolvia apresentar o jogo para quem não o conhecia e ainda agradar os fãs.

Eles lidaram com essa questão de uma maneira muito competente, recorrendo a comédia, diversão sem culpa e um caminhão de referências. Parece bastante óbvio que uma das principais fontes de inspiração para a dupla foram os filmes de super heróis que nos últimos anos povoam os cinemas. Não é vergonha admitir que muitas das ideias foram habilidosamente surrupiadas desses filmes e adaptados para o roteiro de D&D.

O resultado final é um filme fiel à sua proposta inicial: ser divertido, rápido e empolgante. 


A boa notícia é que seguindo essa cartilha ele consegue agradar a todos, dos que nada sabem sobre o jogo e que jamais rolaram um dado de 20 lados, até os aficionados hardcore que leram e conhecem cada livro e detalhe do jogo.

"Dungeons & Dragons - Honra entre Rebeldes" é um típico filme de "Sessão da Tarde" que abraça sua identidade e não se envergonha dela em momento algum. Ele oferece, em pouco mais de duas horas e quinze minutos de duração, uma janela para a aventura de forma leve, descompromissada e extremamente divertida.   

Chris Pine encabeça o elenco no papel de Edgin, um Bardo que - quando não está cantando alguma melodia (em geral para distrair) - está planejando algum grande plano que resultará em riqueza. Ex membro dos harpistas (uma sociedade de aventureiros honrados e bem intencionados), ele teve alguns altos e baixos em sua carreira que resultaram na morte de sua esposa e em seu desligamento dos Harpistas. Edgin passou então a liderar um grupo de bravos aventureiros em seus esquemas mirabolantes. Seu bando inclui Holga (Michelle Rodriguez), uma Bárbara cujo machado de batalha é tão afiado quanto sua sagacidade; Simon (Justice Smith), um feiticeiro meio-elfo que possui vastos poderes mas baixa autoconfiança, o nobre Paladino Xenk (Regé-Jean Page) que mistura integridade e certo grau de presunção; e Doric (Sophia Lillis), uma Druida Tiefiling, cujas habilidades para metamorfose em animais rendem algumas das melhores sequências de ação. Obviamente o grupo é um tanto disfuncional e até começar a trabalhar em conjunto passa por uma série de percalços e situações que vão de perigosas à cômicas num piscar de olhos.  

Juntos eles terão de enfrentar o autoproclamado trapaceiro Forge (Hugh Grant), um ladino que era membro da companhia, mas que se aliou a Sofina (Daisy Head), uma sinistra Maga Vermelha da ameaçadora Terra de Thay. Forge conseguiu ascender no Conselho da importante cidade de Neverwinter tornando-se um Lorde graças à influência da bruxa que tem seus próprios objetivos misteriosos. Após uma desabalada fuga de uma prisão, Edgin busca reaver sua filha (Chloe Coleman) que foi criada por Forge e descobre que as coisas não serão tão simples quanto esperava. Em busca de uma maneira de trazer sua esposa de volta, consertar a relação com a filha e obter lucros, Edgin e seu bando terão de enfrentar vários desafios: viajar para lugares exóticos (incluindo uma passagem por Underdark), explorar masmorras, enfrentar monstros e obter objetos mágicos. Entre um perigo e outro ainda terão de falar com os mortos (numa das melhores sequências do filme) e planejar seu derradeiro golpe.


Os fãs do jogo não tem com o que se preocupar já que o roteiro explora perfeitamente o universo de D&D. Ele dá vida a lugares e criaturas saídas das páginas do Manual de Monstros, como a temível Pantera Deslocadora, o Urso-Coruja, um Dragão Vermelho (com algo mais!), e até mesmo o comicamente perigoso Cubo Gelatinoso. Mantendo-se fiel à diversão de experimentar o jogo em si, os produtores tomaram o cuidado de se manter fiéis aos detalhes de cada criatura e localidade além de incluir alguns deliciosos easter eggs. 

Ao longo do filme, há suficiente combate, correria e pirotecnia. As magias são visualmente muito bem representadas e os veteranos de mesas de jogo reconhecerão cada uma delas pelo nome, bem como os itens mágicos e criaturas específicas. É interessante perceber que o filme tentou se distanciar o máximo possível da mitologia de outros filmes de fantasia, como o próprio Senhor dos Anéis afim de reclamar seu próprio espaço. Dessa forma, ao invés de ver uma profusão de anões, elfos e orcs, temos alguns draconatos, aarakokra e tabaxi, raças não tão conhecidas mas que compõem o background de um mundo bastante vasto. A decisão parece acertada, sobretudo, para evitar comparações indesejáveis.

Outro ponto interessante é que o filme apresenta inúmeras sequências de ação que os jogadores imaginaram em suas cabeças. Das dificuldades básicas sobre como atravessar um rio de lava até desarmar uma armadilha mortal, o filme lembra muito uma experiência de jogo. Os Mestres de D&D podem divergir em alguns momentos, mas é inegável que o roteiro consegue equilibrar de forma harmoniosa sequências de combate, magias explodindo com piadas rápidas - tudo parece saído de uma mesa.

Alguns dos grandes momentos do filme envolvem o conflito entre os protagonistas que têm atitudes totalmente diferentes (e alinhamentos) o que remete novamente a química necessária para um grupo de jogo se estabelecer. O carisma dos personagens nesse ponto ajuda muito e eles conseguem ir além dos estereótipos heroicos. O Bardo trapaceiro que busca redenção, o feiticeiro que precisa superar suas próprias limitações, a bárbara com dificuldades para se encaixar, a druida desajustada em busca de vingança e o paladino que rescende a Lawful Good, todos encontram seu caminho de forma muito ajustada ao tema. Cada um deles tem seu momento de brilhar e a devida relevância para a trama que se desenvolve de forma empolgante. 


Aliás, o elenco inteiro foi bem escalado, o que inclui os vilões da trama. Em contraste com o alegre grupo de heróis, a bruxa vermelha tem uma interpretação angustiante. Ela é totalmente o oposto do ladino tagarela de Hugh Grant, que é acima de tudo, um ladrão de cenas. Charmoso, sorridente e irritante, é perfeitamente possível torcer por ele em alguns momentos, mesmo quando sua canalhice atinge o auge.

Os valores de produção também são elevados, graças a um orçamento considerável (na casa dos 150 milhões) que pagou bons efeitos especiais, fotografia caprichada, cenografia e figurino digno de blockbusters. Ainda é cedo para cravar se D&D irá deslanchar em uma franquia duradoura e propiciar sequências, mas diante das críticas amplamente positivas e da bilheteria de estreia, podemos supor que essa não será a única aventura de Edgin e seus amigos. De fato, uma porta foi deixada aberta com a introdução de um vilão em potencial.      

A maioria dos fãs aprovou com entusiasmo o resultado final, entretanto, ouvi algumas críticas, sobretudo de fãs de longa data, dizendo que o filme "não se leva a sério" e que é "cômico demais". Sim, estão certos! Mas longe dessas coisas serem um defeito, estão mais para virtudes louváveis. Nada poderia ser pior do que esse filme cometer o pecado de se levar a sério e se propor a ser mais do que escapismo puro. Em essência, Dungeons & Dragons: Honra entre Rebeldes é autenticamente divertido, sem abraçar temas complicados ou embarcar em controvérsia desnecessária, sendo o filme ideal para quem quer relaxar e rir um bocado.

Para quem conhece e ama D&D, ou para quem nada sabe do jogo, o filme é excelente e não poderia ser mais recomedado.

Trailer:


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