O Museo de Valladolid é uma instituição que se localiza na cidade de mesmo nome, no sudeste da Espanha.
Ele é conhecido como um dos mais importantes museus ibéricos com um rico acervo de peças, sobretudo voltada para a arqueologia e belas artes. Entre as coleções permanentes em exposição o visitante encontra elementos da história de Valladolid, que é a capital da Província de Leão e Castela. Objetos do passado da cidade como moedas romanas, armas usadas pelos povos mouros que a ocuparam, roupas típicas, obras de arte e pinturas renascentistas disputam as atenções, entretanto a peça mais famosa do Museu é outra: uma cadeira.
Mas não se trata de uma simples peça de mobília antiga do século XVI. A cadeira em questão tem nome e uma história estranha que inclui uma maldição, assassinato e superstição. Ela é chamada de "Cadeira do Diabo" e o título é bem merecido.
De acordo com a lenda, o dono original da cadeira era um estudante português chamado Andres de Proaza que se estabeleceu na Espanha para estudar Medicina na Universidade de Valladolid - uma das mais antigas do mundo. De Proaza, segundo alguns, era um jovem de apenas 22 anos, inteligente e determinado, certas fontes sugerem que ele tinha ancestrais judeus responsáveis por introduzir técnicas médicas aprendidas com os árabes.
Em 1550, o Curso de Medicina enfrentava uma furiosa oposição da Igreja Católica e da Inquisição que censuravam duramente as aulas de anatomia. O renomado Dom Alfonso Rodriguez de Guevara, decano do Departamento de Medicina tentou introduzir aulas de anatomia e dissecação conforme ele havia aprendido na Itália, mas os clérigos espanhóis ficaram escandalizados. Na concepção dos religiosos, estudar cadáveres equivalia a profanação e portanto era blasfêmia.
Proaza já possuía um profundo conhecimento em anatomia. Seu pai e avô haviam estudado em segredo com médicos mouriscos que dominavam as principais técnicas da época. Ainda criança ele frequentou as clínicas de seu pai e avô onde teve contato com todo tipo de aflição e doença, muitas das quais os estudantes normais só vinham a conhecer através de seus mestres. Mais do que isso, Proaza tinha uma vantagem sobre seus colegas: ele já havia visto autópsias e não era estranho aos horrores e maravilhas oferecidos pela engenhosa máquina humana.
Não é de se estranhar que todos na Universidade tenham ficado impressionados com o conhecimento de Andres. Mestre Guevara tomou o jovem português como seu pupilo e pensava até em transformá-lo em seu sucessor. Contudo, havia algo estranho naquele rapaz, algo que deixava algumas pessoas inquietas, embora nem todos fossem capazes de determinar de que se tratava. Talvez fosse a maneira como Andres falava sem cerimônia de temas funestos e até sinistros. Quem sabe fosse sua familiaridade com a condição humana já que nada parecia perturbá-lo; enquanto a maioria dos alunos demonstrava uma natural aversão ao sangue e às vicissitudes da carne, Proaza sequer piscava.
Ninguém sabe exatamente como apareceram os primeiros rumores. É possível que tenham sido os vizinhos que residiam nos arredores da quinta que Proaza havia alugado. Talvez eles tenham ouvido sons estranhos: gemidos e lamentos que chegavam até eles na calada da noite. Pode ter sido ainda a estranha coloração do riacho que passava atrás da casa do jovem médico, que de vez em quando amanhecia avermelhado. Seja como for, os boatos de que o jovem estudante de medicina era praticante de necromancia começaram a se espalhar.
Foi então que uma criança de nove anos, um jovem ajudante de cavalariço desapareceu e os vizinhos de Proaza ficaram atônitos. Uma testemunha afirmava ter visto o estudante conversando com uma criança que poderia ser o menino sumido. Temendo o pior, contataram as autoridades que foram até a quinta do médico. Bateram várias vezes mas ele não atendeu, resolveram então arrombar a porta e revistar o lugar por conta própria.
Um cheiro desagradável os levou imediatamente até o porão que estava coberto por serragem e palha seca usados para absorver o odor e umidade. Havia uma grande mesa de madeira de onde escorria em profusão sangue fresco. A mesa estava coberta por um lençol, mas era possível perceber um volume oculto sob o tecido manchado de vermelho. Os homens engoliram seus temores e olharam o que estava ali embaixo: não era mais o corpo de uma criança, e sim os restos sanguinolentos de um cadáver secionado.
O corpo era como "um peixe numa feira", aberto com as entranhas e os orgãos espalhados à vista de qualquer testemunha casual. A morte exposta para quem quisesse olhar. Em um carrinho de mão colocado de lado haviam ainda as carcaças de vários cães e gatos igualmente explorados pela curiosidade do jovem anatomista que confrontado com a descoberta reconheceu sua culpa.
Assassinato não era o único pecado cometido por Proaza.
Durante seu julgamento, conduzido com alarde pela Inquisção, ele admitiu ter firmado um pacto com o Demônio, prometendo sua alma em troca do conhecimento do corpo humano. O jovem médico se gabava de ter criado um método para se comunicar com o Príncipe das Trevas usando para isso uma cadeira. Não uma simples cadeira, tenha em mente, mas um assento oferecido a ele como presente por um Necromante de Navarra.
Sentando-se na cadeira colocada no centro de um círculo de magia desenhado no chão, Proaza conseguia audiências com o demônio que surgia sempre de madrugada. O Senhor das Trevas então cumpria sua parte na barganha, revelando o que o jovem médico desejava saber a respeito de seu ofício. Segundo Proaza esse era o segredo de seu brilhantismo. Ele contou ainda que qualquer médico poderia fazer a mesma barganha com o diabo se assim desejasse, bastando sentar na cadeira e aceitar o mesmo acordo. Entretanto, qualquer um que não fosse um médico e ousasse fazê-lo, morreria três dias depois, o mesmo valendo para qualquer um estúpido o bastante para destruir a cadeira.
Pelos seus crimes inenarráveis, Andres de Proaza foi condenado à forca e segundo os registros, a sentença foi cumprida conforme ditado pelo Inquisidor mor.
Meses depois, um leilão foi realizado para que os bens pertencentes a Proaza fossem vendidos. Não é de se surpreender que poucas pessoas manifestaram interesse em adquirir a mobília associada a um assassino de crianças e satanista. Por essa razão, as coisas dele acabaram indo parar em um depósito na velha universidade.
Séculos se passaram, até que a história a respeito da cadeira foi quase que inteiramente esquecida.
No século XIX, um inspetor da Universidade encontrou a cadeira no depósito e tomou posse dela. O homem sentou na cadeira e conforme a maldição proferida por Proaza, morreu três dias depois em um curioso acidente. Seu sucessor foi igualmente descuidado; ele também sentou na cadeira e não apenas morreu três dias depois, como foi encontrado sentado no assento maldito. A causa da morte teria sido um ataque cardíaco fulminante, mas para a maioria das pessoas ele foi vítima da Cadeira Satânica.
A essa altura, alguém descobriu o registro a respeito da cadeira e fez alarde sobre a suposta maldição. Depois de alegadamente tomar a vida de dois inocentes, a maldição precisava ser quebrada. Para garantir que as energias diabólicas da peça fossem dissipadas, um sacerdote ordenou que ela fosse levada até a capela da Universidade e suspensa de cabeça para baixo ao lado do altar. Lá ela ficou até 1890 quando foi transferida para o Museo de Valladolid depois que a capela foi demolida.
Em seu novo lar, uma faixa vermelha foi amarrada nos braços da cadeira evitando assim que visitantes desavisados sentassem nela. É claro, isso não impediu que pessoas tentassem fazê-lo e nem que ambiciosos médicos sentassem nela esperando que assim um pacto fosse firmado e os poderes infernais concedessem a eles genialidade sobrenatural. Depois de algum tempo, a direção do Museu decidiu fechar a cadeira em um armário de vidro para evitar que curiosos sentassem nela ou a danificassem. Houve um tempo em que maldições seriam o suficiente para afastar as pessoas, mas não nos tempos modernos, quando elas se vêem atraídas pelas qualidades sobrenaturais de artefatos ocultos.
A Cadeira Satânica continua em exibição no Museo de Valladolid, se ela continua agraciando aqueles que sentam nela com audiências demoníacas, é assunto para controvérsia.
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