terça-feira, 16 de outubro de 2018

Cinema Tentacular: Apóstolo - Fanatismo e Sangue em uma produção da Netflix


Apóstolo acaba de estrear na grade de programação do Netflix, agora dia 12 de outubro. A produção original do canal estava sendo aguardada por todos que assistiram o trailer que vinha sendo divulgado faz mais ou menos um mês. Ele gerou uma baita expectativa nos fãs de horror que gostam de apimentar o gênero com cultos religiosos e seitas fanáticas.

Empolgante e difícil de escrever a respeito sem revelar detalhes da trama (mas fiquem tranquilos, não teremos SPOILERS), Apóstolo é daqueles filmes que pegam a gente de surpresa oferecendo algo além do esperado. Assim como ocorreu com Aniquilação, que oferecia um horror fora do convencional, repleto de plot twists que desconstruíam a própria realidade da trama, Apóstolo envereda em um caminho similar. Com um suspense enervante que vai crescendo a cada cena, o roteiro investe em insanidade borbulhante e em violência escancarada. Toda vez que o espectador acredita ter entendido que tipo de história de horror está assistindo, algo bizarro ocorre, demonstrando que no universo caótico de Apóstolo, tudo pode acontecer. e de fato, acontece um pouco de tudo.


O diretor Gareth Evans constrói passo a passo um pesadelo alucinante, disfarçado em um ambiente com paisagem idílica. A natureza selvagem da ilha isolada na costa de Gales, onde se passa o filme, traduz um senso de urgência e ameaça ocultos. A qualquer momento parece que tudo vai desmoronar pela ação dos personagens e de fato, isso acaba acontecendo em uma conclusão desconcertante.  

A primeira hora de Apóstolo parece render uma homenagem ao clássico filme britânico "O Homem de Palha" (Wicker Man, 1973), mas o ambiente da Ilha que se torna refúgio de uma estranha seita logo se mostra muito mais abominável do que qualquer sociedade de neo-pagãos. Os fanáticos em Apóstolo são muito mais perigosos, brutais e dispostos a tudo para controlar o destino de seu rebanho. Em uma espécie de microcosmo da Santa Inquisição, os líderes do Culto não admitem nenhum pensamento individual e estão dispostos a tudo para impor a sua vontade, inclusive perseguir, oprimir e torturar.

Apóstolo se passa na virada do século XX, em meados de 1905, e acompanha a jornada de um sujeito chamado Thomas Richardson (Dan Stevens, ator de Dowton Abbey) que aceita a missão de se infiltrar em uma ilha remota onde se estabeleceu um Culto. Richardson não é exatamente um bom sujeito: ele é a ovelha negra de uma família rica, consumidor contumaz de láudano e atormentado por pesadelos aterradores. A razão para ele aceitar a tarefa é simples, a tal seita sequestrou sua irmã Jennifer (Lucy Boynton) e exige um resgate. Qualquer tentativa de contatar as autoridades irá resultar na morte da garota e Thomas é a única esperança de verificar que ela está viva e se é possível salvá-la. Para isso ele terá de se disfarçar como um seguidor da religião, enganar os verdadeiros cultistas sem levantar suspeitas de suas intenções.


Mas é claro, a situação é muito mais séria do que ele poderia imaginar, afinal ele não está lidando com simples criminosos, mas com zelotes. O líder da comunidade é um auto-proclamado Profeta chamado Malcolm (Michael Sheen) que detém poder de vida e de morte sobre o seu séquito. O discurso maníaco dele já dá a entender que a crença professada na ilha está alinhada com uma postura "fogo e enxofre" ao invés de amor e paz. Além do mais, o objeto de adoração da Seita, é um mistério que Thomas sequer imagina. Algo que vai muito além de uma adaptação da fé cristã, e que parece enraizado em coisas mais obscuras, envolvendo sacrifício, sangue e obediência cega.

No início, o filme parece aderir ao roteiro esperado. É um mistério no qual o protagonista mergulha de cabeça, tentando descobrir o paradeiro de sua irmã e entender o que está acontecendo na comunidade. As escapadas noturnas para explorar os arredores e a comprovação de costumes cada vez mais excêntricos dos habitantes locais se traduzem em uma dúvida que acompanha o espectador até o final: será que o tal culto está envolvido com alguma entidade sobrenatural ou Malcolm não passa de um charlatão? Aos poucos essa dúvida vai sendo respondida, a medida que ficamos sabendo que o paraíso dos fanáticos está impregnado por algo muito ruim.

A investigação de Richardson acaba resultando em uma reação extrema dos fanáticos quando estes descobrem que há um invasor em seu meio e é aí que o filme dá uma guinada para um segundo ato brutal. O diretor não economiza na barbárie, apostando em cenas de tortura com direito a mutilações, crânios sendo arrebentados, colunas fraturadas e dedos dilacerados. A medida que a violência toma conta da tela, baldes de sangue escorrem em profusão e as lutas se tornam mais e mais desesperadas.

    
Há algumas tramas paralelas concentradas na filha do vigário que duvida da santidade do pai e em um romance proibido entre dois aldeões que acaba descambando em ainda mais loucura. Apesar de quase derrapar perigosamente na estética gore e a longa duração, o filme consegue se manter nos trilhos até o clímax em uma nova explosão de sangue, sangue e mais sangue. 

Visualmente o filme é notável, com uma paisagem de natureza exuberante fazendo o contraponto com toda miséria humana. As filmagens panorâmicas, com tomadas aéreas de lagos, florestas e do litoral chamam a atenção, assim como a reconstituição de época, obedecendo a uma estética barroca que remete aos filmes de horror góticos. Tudo parece em perfeito lugar e tecnicamente a produção é muito caprichada.


Em um primeiro momento o protagonista do filme poderia parecer deslocado na trama, afinal Dan Stevens se tornou conhecido como o perfeito cavalheiro educado e simpático de Dowton Abbey, que morre tragicamente na segunda temporada. Quando o vemos barbado, sujo e coberto de sangue, após ter enfrentado todo tipo de situação escabrosa, é difícil lembrar dele como o par ideal de um dama. Seus olhos azuis parecem constantemente assombrados por visões aterrorizantes e pela loucura da ilha que não demora a contaminá-lo. Michael Sheen também defende o papel do pastor fanático com eficiência, sendo teatral e exagerado na medida certa, enquanto recita seus discursos frenéticos.

Apóstolo é uma exploração de como a fé cega e a perversão das crenças podem conduzir à tragédias e desembocar em um rio de loucura e fatalidade. Com certeza ele deve dividir opiniões, mas para a platéia certa ele será um banquete memorável. 

O resultado é um filme contundente que assombra em muitos níveis.


Trailer:




3 comentários:

  1. Gostei bastante do clima do filme, fotografia, da ambientação, com uma ressalva, pra mim ele se perdeu nos últimos 30 minutos de filme.

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  2. Irei assistir, aguardando uma resenha sua da serie The Terror, muito boa com toques lovecraftianos!!

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  3. Achei o filme horrível, um enredo muito fraco, uma trilha sonora que fica gritando nos seus ouvidos a cada momento de tensão, em muitos momentos parece que algo relevante vai acontecer e nada... Diálogos muito fracos. Nem mesmo o tema da seita radical foi bem explorado, e tiveram tempo para isso. Decepcionante.

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