quinta-feira, 28 de março de 2024

"Ai de ti" - As três cidades amaldiçoadas nos Tempos de Jesus


Uma das figuras religiosas mais conhecidas e amadas da história é, sem dúvida nenhuma, o próprio Jesus Cristo. Normalmente retratado como um farol de compreensão, iluminação, altruísmo e benevolência, ele se tornou a pedra angular de uma das maiores religiões organizadas que o mundo já conheceu. No entanto, existem alguns componentes sombrios na história de Jesus, e aparentemente, além de operar milagres e dar sermões, ele não estava livre de perder o controle e amaldiçoar as pessoas de tempos em tempos. Nos evangelhos algumas cidades se tornaram alvo de seu descontentamento e sofreram por conta disso.

As três cidades sobre as quais Jesus decidiu lançar sua ira são muitas vezes conhecidas como as “cidades impenitentes”. Todas estão localizadas ao redor da costa norte do Mar da Galiléia, onde atualmente se encontra Israel. Sabemos através de seus evangelistas que Jesus viveu entre os humildes pescadores. da região e os tinha como seus companheiros e primeiros seguidores. É interessante que estes são lugares que o Cristo histórico chamou de lar e onde inclusive realizou milagres. 

A cidade de Corazim, também conhecida como Korazim ou Chorazin, era um lugar importante naqueles dias, famoso por vender o trigo que abastecia toda região. Os historiadores da Bíblia dizem que Jesus viveu lá depois de deixar Nazaré e que a visitou com frequência a cidade. Corazim é inclusive associada a pelo menos dois milagres realizados por Jesus e está presente em passagens que narram suas andanças pela Galileia. 

Diz-se que, apesar de visitar a cidade repetidas vezes e pregar para a população, o povo de Corazim não se arrependeu de seus "caminhos pecaminosos", o que levou a uma reação extrema de Jesus, Conforme os evangelhos de Mateus e Lucas no Novo Testamento, ele lançou uma terrível maldição sobre a outrora próspera cidade, condenando-a a definhar até sua inevitável ruína. 


De fato, a cidade foi completamente abandonada e, de acordo com os escritos de Eusébio, destruída por um terremoto catastrófico em 330 dC, após o que foi reconstruída no século V e novamente abandonada pela sua população seguida uma misteriosa praga. Em séculos posteriores, Corazim seria associada conforme os escritos apócrifos ao local exato de nascimento do Anticristo que comandaria os exércitos de Satã contra a própria cristandade. Na Idade Média ela era citada como um dos lugares malditos no mundo e tão pecaminosa que meramente pisar nela era o bastante para colocar a alma em risco.  

Por muito tempo, a existência de Corazim foi colocada em dúvida, mas no século XIX as ruínas finalmente foram encontradas nas proximidades de um lugar chamado Khirbet Kerazeh. Os arqueólogos britânicos que fizeram a descoberta encontraram uma antiga sinagoga, bem como várias ruínas adornadas com basalto negro o que demonstrava a incrível riqueza da população local. A descoberta mais interessante foi a de um enorme bloco desse material contendo uma gravação em aramaico antigo, figuras humanas e de animais cuidadosamente esculpidas. Em uma casa, provavelmente pertencente a um prelado romano havia também uma bem conservada estátua da Medusa, que na época seria considerada uma imagem pagã. 

Há pouca evidência de que essas ruínas remontem exatamente ao período em que Jesus estava vivo e, apesar das poucas menções Corazim, permanece um mistério histórico perdido. Além disso, os evangelhos não explicam exatamente o que o a população local fez exatamente para incorrer em uma resposta tão veemente de Cristo. Algumas lendas lançam a hipótese de que eles teriam incorrido na adoração de deuses estrangeiros ou que renegaram as palavras de Jesus, mas não há como saber ao certo.


A poucos quilômetros de distância dali está outra cidade supostamente amaldiçoada por Jesus, chamada Cafarnaum, um famoso porto de pesca na época e uma importante parada na Via Maris, a principal rota comercial estabelecida pelos romanos, que ligava Damasco ao norte e o Egito ao sul. A cidade também é notável por ser a terra natal de alguns dos discípulos de Jesus, os pescadores Pedro, André, Tiago e João, e do cobrador de impostos, Mateus. Todas essas figuras ilustres teriam nascido ou ao menos vivido algum tempo no lugar que chegou a ter uma população considerável para a época.

Cafarnaum foi uma das cidades-chave do chamado "Triângulo Evangélico" que estabeleceu o ministério cristão e onde Cristo realizou a maioria de seus milagres. De fato, Jesus viveu algum tempo em Cafarnaum, chamando-a de sua "própria cidade". Foi lá que se deu o milagre que fez um paralítico andar novamente, bem como a cura do servo de um centurião que estava gravemente doente em sua casa. Também foi lá que Jesus curou a sogra de Pedro, e mais importante ressuscitou a filha de Jairo, o líder da sinagoga local. Foi na sinagoga de Cafarnaum que Jesus deu um dos seus mais importantes sermões sobre o Pão da Vida (João 6:35-59), no qual ele diz: "Quem come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna e será ressuscitado no último dos dias".

Infelizmente, os cronistas cristãos afirmam que a população de Cafarnaum era em grande parte indiferente aos milagres que testemunharam, não querendo reconhecer os poderes de Jesus ou se arrepender de seus pecados. Pior ainda, muitos deles teriam caçoado de suas palavras e o acusado de ser uma fraude, o que levou Jesus a amaldiçoá-la. Uma outra possibilidade levantada por alguns evangelhos apócrifos é que a cidade fosse um bastião de iniquidade e de possessões demoníacas. Segundo um evangelho Cafarnaum era o lar de tantos demônios que Cristo se ocupava constantemente em exorcizar pessoas. Ele teria alertado a população a deixar a cidade, o que as pessoas se negaram a fazer. Cristo então teria voltado sua maldição não a Cafarnaum, mas aos demônios que lá viviam. 


A maldição supostamente fez com que a cidade caísse em total ruína, passando de um próspero mercado de pesca a uma sombra pálida de sua antiga glória, tornando-se o que um relato do século III chama de "cidade desprezível; com meras sete casas de pescadores pobres", o que é impressionante se consideramos a prosperidade de Cafarnaum conforme descrita na Bíblia. 

Todas as tentativas de reassentamento da área foram empreendimentos fracassados ​​que encontraram sofrimento e conflitos. Tal como acontece com Corazim, muitas ruínas foram encontradas onde Cafarnaum um dia esteve, com várias sinagogas e o que se acredita ter sido a casa do próprio São Pedro. As ruínas também abrigavam a maior sinagoga descoberta em Israel, uma enorme estrutura ornamentada construída no século IV ou V sobre os restos de uma sinagoga na qual Jesus ensinou. Quando as ruínas foram encontradas em 1838, a maldição aparentemente ainda lançava uma sombra sobre elas, como o explorador americano Edward Robinson escreveu em seu diário de campo. Ele chamou o lugar de "incrivelmente desolado e triste" e disse sentir uma "aura desagradável" pairando sobre os velhos prédios que estava desenterrando. 

Em tempos modernos, uma igreja católica moderna foi erguida sobre oito grandes pilares no topo de um monte com vista para a antiga cidadela. Para qualquer observador o templo parece ter sido colocado ali com a intenção de proteger o lugar e quem sabe, manter a maldição afastada.


Finalmente chegamos a terceira cidade amaldiçoada por Jesus, a antiga vila de pescadores de Betsaida também parte do Triângulo Evangélico. Ela era a maior das três cidades, e um dia foi a próspera capital do Reino de Gesur nos tempos do Rei Davi. Sabe-se que possuía um importante mercado que reunia grande parte dos pescadores que a visitavam regularmente para negociar o fruto de seu trabalho. 

Foi em Betsaida que Jesus conheceu seus primeiros discípulos, o pescador Simão-Pedro e seu irmão André. Foi também o lugar onde Jesus realizou os milagres de cura de um cego, bem como seu famoso milagre de fornecer comida para uma missa de 5.000 pessoas com apenas dois peixes e cinco pães (Mt 14:13-21), conhecido como "Milagre da Multiplicação dos Pães e dos Peixes". 

Infelizmente o povo de Betsaida também atraiu a ira do filho de Deus que a amaldiçoou após ser renegado pelos habitantes. A cidade teria sofrido uma sucessão de infortúnios, entre os quais uma peste que reduziu consideravelmente a população. Betsaida também teria enfrentado um forte maremoto que destruiu seu porto e forçou os pescadores a buscar um outro local para comercializar os peixes. Finalmente a cidade acabou sendo totalmente aniquilada por um terremoto por volta de 363 dC. Ela seria reconstruída, mas posteriormente abandonada, com a terra tornando-se estéril e imprópria para o plantio. A população acabou abandonando-a e ela rapidamente se converteu em ruínas cobertas de poeira.

Ironicamente a localização e existência de Betsaida jamais foi contestada já que ela não chegou a ser inteiramente esquecida. De fato, historiadores afirmavam que a cidade era bem conhecida no século XII, chegando a ser visitada por Cruzados que se disseram chocados pela "aura de perversidade" pairando sobre as ruínas. As ruínas eram consideradas um "lugar maldito" já nessa época e evitado por judeus e muçulmanos que dominavam a área até então. No século XIX, a cidade foi escavada pela primeira vez e muitos sinais de sua ocupação vieram à tona entre os quais prédios administrativos e os restos do porto destruído pelo terremoto.  


Todas as cidades que Jesus Cristo supostamente achou adequado amaldiçoar realmente acabaram destruídas no curso dos séculos posteriores e jamais se reergueram. O ato de amaldiçoar pode hoje em dia ser considerado algo negativo, mais condizente com bruxas e feiticeiras, mas nos tempos de Jesus, a "maldição" constituía um ato válido para punir uma cidade que havia rompido com a proposta de Deus e se voltado contra ele. 

Esses três lugares foram extirpados da salvação e considerados além de qualquer remissão, conforme diz o evangelho de Mateus 11: 20-24:

"Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Pois se os milagres que foram feitos em vocês tivessem sido feitos em Tiro e Sidom, eles teriam se arrependido há muito tempo. Mas eu lhes digo que Ele será mais tolerável para com Tiro e Sidom no Dia do Juízo do que será com vocês. E tu, Cafarnaum, que te ergues até os céus, serás abatida até as profundezas; porque, se em Sodoma se tivessem operado os prodígios que em ti se operaram, ela teria permanecido até ao dia de hoje."

É bastante chocante ver uma figura de natureza tão tipicamente benevolente e perdoadora proferir tais palavras e exibir tanto desprezo, mas parece que Jesus não estava acima de uma certa fúria quando assim era necessário. As três cidades malditas foram enterradas pelas areias, perdidas para a história e, em sua maioria, transformadas em ruínas e escombros, mas seu legado permanece. Elas são as únicas amaldiçoadas por Jesus Cristo. É uma demonstração assustadora de seu poder, se é que tudo isso realmente aconteceu. No final, temos essa figura de uma das maiores religiões do mundo, conhecido por sua natureza gentil e postura indulgente, conjurando forças divinas com o intuito de arruinar terras e pessoas que discordavam dele. E embora seja incerto o quanto disso tudo é realidade, é um tanto arrepiante, saber desse capítulo pouco conhecido da história bíblica.

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