terça-feira, 16 de julho de 2019

Em nome do Progresso - O Massacre dos Búfalos no Oeste Selvagem



No ano de 1885 as majestosas manadas de Búfalos já não mais cruzavam as planícies da América do Norte.

Houve um tempo em que a paisagem ficava tomada desse magníficos animais até onde a vista alcançava. Segundo biólogos, a população de búfalos pode ter chegado perto de 30 milhões em seu auge. Nos anos que se seguiram à Marcha para o Oeste, seu número foi reduzido drasticamente. Os Búfalos para muitos, eram intermináveis, mas isso não era verdade. Os gigantescos rebanhos, com milhares de cabeças cruzavam as planícies fazendo o chão tremer. 

Infelizmente, os animais foram declarados como um recurso valioso a ser explorado.

Por gerações os nativos americanos caçaram os búfalos que forneciam pele, chifre, ossos, cascos e carne que eram aproveitados pelas tribos. Contudo, a chegada do homem branco transformou o abate sistemático de búfalos em uma Indústria em franco crescimento. Durante o século XIX eles foram caçados impiedosamente, quase até a sua extinção.


Além das indústrias de abate que os caçavam e exterminavam aos milhares, um dos passatempos mais comuns na expansão para o Oeste era a caça. Os animais eram abatidos indiscriminadamente! Caçadores se orgulhavam de abater 10-20 búfalos por dia, a maioria deles meramente pelo prazer de atirar numa grande besta. Os búfalos eram pacíficos, raramente reagiam, o que tornava fácil de serem baleados por rifles e pistolas. Além disso, viviam juntos, um tiro com uma arma potente podia matar ou ferir vários ao mesmo tempo. 

Uma vez abatidos aproveitava-se praticamente tudo do animal, contudo a caça por esporte se limitava a abatê-los e depois abandonar sua carcaça nos campos para apodrecer e alimentar as aves de rapina. Nesse caso, nada se aproveitava!

Para piorar a situação, em dado momento as companhias de estradas de ferro declararam os búfalos como Inimigos do Progresso. Era fato que as manadas, por vezes, bloqueavam a ferrovia, impediam a passagem dos trens e constituíam um risco de acidentes. Para lidar com o problema, os Barões das Estradas de Ferro decidiram que os búfalos deveriam deixar de existir. Para cumprir essa meta passaram a suprir os passageiros com rifles e convida-los a atirar nos animais. Aquele que abatia mais búfalos ganhava uma premiação e os elogios de seus colegas. Essas expedições ferroviárias de caça se tornaram muito populares e sozinhas foram responsáveis pelo extermínio de milhares de animais, por vezes manadas inteiras.


Embora muitos nativos americanos também caçassem os búfalos, o extermínio sistemático era uma profanação absurda aos seus olhos. Incontáveis gerações haviam vivido com os búfalos e muitas tribos acreditavam que eles eram uma espécie de encarnação de espíritos da terra; seres nobres e poderosos. Animais majestosos que simbolizavam a liberdade. Outras baseavam seu calendário na observação das manadas que sinalizava a época de mudar de terras ou de plantar. A morte deles desestruturava seu modo de vida, além de causar um horror inenarrável. 

Em 1854, guerreiros da tribo Cherokee após se deparar um campo coberto de carcaças com centenas de búfalos abatidos decidiram ir à forra contra os caçadores. Atacaram uma expedição de caça e mataram todos os 16 homens que faziam parte dela. Os caçadores foram massacrados e para demonstrar sua fúria, cada um foi devidamente escalpelado e a pele arrancada de seus corpos - alguns enquanto ainda estavam vivos. Para finalizar, os cadáveres foram arrastados até o campo onde estavam os bisões mortos. Muitos deles foram colocados dentro das carcaças dos animais que depois foram costuradas com linha resistente.


O episódio ocorrido no Nebraska resultou em uma reação ainda mais violenta por parte do governo americano. Os responsáveis foram caçados e enforcados, mas a busca resultou na destruição de aldeias inteiras, e na morte de incontáveis mulheres, velhos e crianças, que foram massacradas com requintes de crueldade. A sede de vingança se espalhou pelos estados vizinhos e serviu de pretexto para ainda mais mortandade. 

Depois dessa tragédia, o exército americano se envolveu diretamente na caça aos búfalos.

Incentivados pelo General William Tecumseh Sherman, os militares chegaram a conclusão de que os búfalos estavam intimamente ligados aos índios e que o extermínio deles acabaria também com a estrutura das aldeias e tribos. "Mate um búfalo e afugente um índio" era uma frase comumente repetida pelos defensores desse plano. O objetivo era exterminar os búfalos e assim forçar os nativos a deixar as terras por eles ocupadas, já que não teriam sua principal fonte de caça.

Expedições fortemente amadas foram organizadas e  enviadas para os estados do Norte com ordens de matar o maior número possível de búfalos. Para cumprir a meta, os soldados que abatessem mais animais ganhavam comendas especiais. No sistemático extermínio dos animais, os soldados chegavam a usar rifles calibre 50 (os populares mata-búfalos), munição explosiva, dinamite e até canhões. 


Lendas do oeste como William "Búfalo Bill" Cody, foi contratado para liderar algumas dessas expedições e coordenar os esforços para a matança. "Cada bisão morto é um índio a menos na pradaria" dizia o sujeito que se tornaria mundialmente famoso pelo seu circo de variedades anos depois. Os homens tinham ordens de atirar sem parar e se eles acertassem algum índio durante o tiroteio, "bem essas coisas aconteciam, peles vermelhas e búfalos por vezes andam lado a lado", diziam. 

A medida que os grandes rebanhos começaram a diminuir de tamanho à olhos vistos, algumas pessoas alertaram que os búfalos poderiam ser extintos. A discussão dividiu a opinião pública, muitos militares diziam que a remoção dos búfalos seria essencial para conduzir os nativos para reservas, mas algumas pessoas se levantaram contra a matança. Em 1874, o Presidente Ulysses Grant, cedendo a pressão, ordenou a criação de reservas especiais onde a caça aos bisões era proibida. Isso, no entanto, não impediu que rebanhos ainda fossem caçados por esporte e para exploração econômica sobretudo depois que a indústria de fertilizante passou a usar os animais como matéria prima.

Mas uma tragédia mudaria as coisas.

Em Julho de 1884 uma expedição ferroviária de caça, saiu da Filadélfia levando ricos homens de negócios e empresários para conhecer o Oeste Selvagem. Deveria ser uma das últimas expedições de caça desse tipo e seu objetivo era proporcionar aos passageiros uma derradeira visão do oeste selvagem, com direito a champagne, charutos e muito luxo nos vagões, além da oportunidade para caça aos búfalos. Ao avistar um rebanho, o trem diminuía sua velocidade ou parava para que os caçadores subissem no teto de onde podiam atirar à vontade. Em uma dessas paradas abateram mais de 400 bisões como resultado de uma competição para saber quem acertava mais animais. A expedição seguiu até Omaha, onde fez a volta com destino a Filadélfia. 


Todos estavam felizes e satisfeitos esperando uma nova chance para disparar. Informes por telégrafo haviam chegado a respeito de uma grande manada que poderia ser interceptada pelo trem na manhã seguinte. O condutor recebeu ordens de correr o máximo possível! No meio da viagem noturna, o trem sofreu um acidente, ironicamente ao colidir com um bando de búfalos que estava na linha férrea. O trem descarrilhou e a locomotiva, que estava viajando a grande velocidade explodiu. O resultado foi a morte de 32 pessoas e quase uma centena de feridos. Essa tragédia colocou um fim às Expedições de Caça Férrea. 

O incidente foi explorado pela imprensa que ligou a história a maldições indígenas que teriam atingido aquelas pessoas e custado suas vidas. Nem todos acreditavam naquelas histórias, mas muitos passaram a questionar a moralidade de abater os animais daquela maneira.

De fato, muitas pessoas na Costa Leste já criticavam a matança de Búfalos e demandavam que essas ações tivessem fim antes que fosse tarde demais. Até mesmo Búfalo Bill, um dos maiores patrocinadores do extermínio dos animais se disse enojado pelo que havia feito no passado e passou a advogar pelo fim da caçada indiscriminada. As campanhas surtiram efeito e mais reservas foram criadas, além de órgãos para proteção dos animais.

Mas então as coisas já haviam quase levado os búfalos à extinção. Em 1880, deveriam existir pouco menos de 100 mil deles.


As consequências ecológicas do extermínio dos Búfalos foram significativas. Não apenas as tribos nativas foram afetadas, mas a ausência dos animais que tinham um papel importante no ecossistema ocasionou mudanças no curso de rios, surgimento de pragas, afetou a vegetação e por fim repercutiu na erosão do solo que contribuiu para o fenômeno dos Dust Bowls e Nevascas Negras que na década de 1930 se provaram uma calamidade. 

A partir de 1949, o número de búfalos voltou a crescer na América e eles passaram a ser protegidos por Leis Federais que restringiam a caça e abate. Hoje há reservas em Utah, Montana, Canadá e Alasca onde manadas marcham novamente, mas elas jamais serão iguais ao que um dia foram.

Se no século XIX havia dúvidas a respeito da extensão do impacto que o homem poderia causar na natureza, o quase extermínio dos búfalos provou que nossa influência pode ser um fator determinante. Algo que se mostraria ainda mais verdadeiro ao longo do século seguinte.

10 comentários:

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    1. De fato. Ele chegou a ter um título honorário de Coronel, mas nunca um posto militar oficial. Vou remover do texto para não dar confusão ou gerar dúvidas. Obrigado.

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  2. Decididamente, nossa espécie é uma desgraça para este planeta e nossa extinção será um bem!! Como o próprio Lovecraft expressa em sua obra, somos uma coisa desprezível de passagem pelo universo e nosso fim não fará diferença alguma ao cosmos!

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  3. O mais triste é ver que nada foi aprendido com isso ! Na era atual a gente está fazendo a mesma coisa com a Amazônia.

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    1. Concordo em parte. A única diferença é que na matança dos búfalos o governo estava envolvido,no caso da nossa Amazônia a maioria das causas ambientais é clandestina. Passa governo e entra governo não combatem de frente por dois motivos:1- Por medo de grandes grupos econômicos que estão por detrás e alguns até ligados a família de políticos e 2- Não dá voto combater as causas ambientais que ocorrem por lá, quase não há eleitores naquela região.

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    2. "Passa governo e entra governo não combatem"- mentira! Houve combate ao desmatamento da Amazônia durante anos, basta ver os gráficos:
      https://snif.florestal.gov.br/es/dados-complementares/233-perda-da-cobertura-florestal-amazonia-tabelas-e-graficos
      https://www.google.com/imgres?imgurl=https%3A%2F%2Fjornal.usp.br%2Fwp-content%2Fuploads%2F2020%2F06%2FPRODES_seriehistorica_INPE.jpg&imgrefurl=https%3A%2F%2Fwww.ecodebate.com.br%2F2020%2F06%2F10%2Fpesquisadores-alertam-para-explosao-de-desmatamento-em-2020%2F&tbnid=9Ur1SkFZ8zuzYM&vet=12ahUKEwiDzcii7cTwAhXBupUCHdeoDjQQMygGegUIARDCAQ..i&docid=Fde20EKVXkW-1M&w=1920&h=1080&q=desmatamento%20na%20amazonia&hl=pt-BR&ved=2ahUKEwiDzcii7cTwAhXBupUCHdeoDjQQMygGegUIARDCAQ

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  4. ótimo texto,sinto pelos búfalos,mas esses edgelords de 15 anos com seus "muh,humanidade tem que ser extinta",são tão infelizes,estão em toda parte,mas enfim isso não tem nada haver com o post,meus parabéns.

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  5. Acho legal o ar legendário que cercam certas figuras do Velho Oeste estadunidense, de fato foi um desapontamento quando descobri que Búfalo Bill conseguiu a alcunha através da matança dos animais.

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  6. A maioria dos seres humanos são desprezíveis. Foi um experimento que deu errado com certeza!

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