É possível encontrar verdade nessas palavras examinando a vida de um homem chamado Joshua Abraham Norton, o primeiro e único Imperador na história dos Estados Unidos da América.
Norton nasceu na Inglaterra e foi criado na África do Sul. Ele se mudou para a cidade de San Francisco em 1840 com o objetivo de investir sua herança. A título de curiosidade, antes ele passou pela América do Sul, e no Brasil se encantou pela noção de um Império Tropical. Com cerca de um quarto de milhão de dólares - quantia mais do que considerável na época, ele planejava realizar investimentos no mercado de arroz. Norton comprou arroz no Peru, mas uma praga inesperada fez com que ele perdesse a safra, um segundo contratempo, dessa vez envolvendo uma fraude de seguro fez com que ele perdesse o restante do dinheiro.
Arruinado e de um momento para o outro levado à bancarrota, Norton desapareceu. Supostamente ele perdeu a razão, contemplando o suicídio e o esquecimento por algum tempo.
Demorou dois anos até ele ressurgir em San Francisco, disposto a comunicar a todos uma nova e surpreendente notícia. Carregando um papel onde escreveu seu discurso, Norton marchou para o escritório do San Francisco Bulletin, um dos mais importantes jornais da cidade, onde leu sua proclamação:
"À todos cidadãos e companheiros americanos, Eu, Joshua Norton, doravante conforme o pedido e desejo de cidadãos dos Estados Unidos, declaro a mim mesmo Imperador da América e Protetor do México".
E com isso, teve início seu reinado de 21 anos.
A primeira medida de Norton foi ordenar a dissolução do Congresso Nacional sob suspeita de corrupção e fraude. Quando estes se negaram a obedecer, sua segunda ordem foi que o exército ocupasse os salões de Washington e expulsasse os políticos envolvidos em esquemas ilícitos. É claro, as autoridades se mostraram relutantes em acatar as ordens do Imperador Norton I.
Mas seria um erro pensar que todos os decretos de Norton tenham sido ignorados. Foi ele o primeiro a dar sugerir a construção de uma ponte cruzando a Baia de Oakland, embora sua opinião tenha sido acatada somente 70 anos mais tarde, com a construção da Golden Gate. Ainda mais impressionante foi o conselho do Imperador para a criação de um organismo que representasse as nações e deliberasse a respeito das disputas entre os países membros, diminuindo assim o risco de guerras. Norton não chegou a dar nome para essa Assembléia, mas seu modelo foi adotado no final da Primeira Guerra quando nasceu a Liga das Nações, que antecedeu por sua vez a Assembléia das Nações Unidas.
Norton I foi acima de tudo um governante consciencioso, sempre disposto a ouvir o seu povo e cuidar das questões trazidas pelos súditos. Vestido com um uniforme militar, decorado com botões brilhantes e medalhas, o Imperador andava pelas ruas, muitas vezes atraindo aplausos e acenando para o povo.
Ele desfilava diariamente, inspecionando os arredores. Quando encontrava algo de que não gostava imediatamente anotava em um bloco de papel e mandava para algum colaborador, de preferência alguém que trabalhasse para os jornais e desse destaque para sua crítica. Um dos seus colaboradores mais próximos era Samuel Clemens, que mais tarde ficaria famoso sob o pseudônimo de Mark Twain.
O Imperador cobrava ordem e esperava respeito dos seus súditos, mas por vezes alguns o tratavam de forma inadequada. Certa vez, um policial o prendeu sob acusação de desacato e ele foi levado para uma delegacia sob protestos. Uma multidão se mobilizou para liberá-lo e no fim do dia, o Chefe de Polícia se apresentou em pessoa para liberá-lo. Um Juiz teria dado a seguinte declaração:
"Até onde sei, o Sr. Norton jamais roubou seus súditos, derramou sangue ou espoliou qualquer nação, o que na minha opinião é mais do que pode ser dito a respeito da maioria dos Imperadores".
Norton aceitou de forma magnânima as desculpas do policial que o prendeu e concedeu a ele um Perdão Imperial. Depois disso, todos os policiais que passavam pelo Imperador respeitosamente passaram a saudá-lo tirando o chapéu, referindo-se a ele como Majestade.
De fato, a maioria dos moradores de San Francisco eram muito calorosos com seu Imperador. Restaurantes o convidavam para as refeições, cocheiros lhe ofereciam viagens gratuitas e muitas vezes pessoas o convidavam para beber. Norton I fazia questão de pagar por todos os seus gastos. Ele havia emitido notas promissórias que podiam ser trocadas por dólares, ao menos até que as notas imperiais ficassem prontas. Suas notas eram aceitas no comércio local e trocadas quando necessário. Além disso, a cidade ofereceu ao Imperador um segundo uniforme de gala para que ele pudesse usar em seus passeios. Todos que o saudavam, recebiam um aceno cortês, educado e gentil, como seria esperado de um Governante amado pelo seu povo.
Alguns afirmam que Norton I tornou-se popular sobretudo por ser bom para o turismo. Jornais em todo canto do país falavam do Imperador vivendo em San Francisco e pessoas vinham de longe para conhecê-lo. Norton cobrava uma pequena taxa, na forma de impostos devidos, para conversar e trocar ideias com súditos de terras distantes. Ele chegou a dar autógrafos e tirar fotografias, fazendo desses encontros ótimas oportunidades para colecionadores de souvenirs.
Uma das principais razões para o Imperador ser amado envolvia sua boa índole. Sua bondade pode ser presumida por um incidente ocorrido durante os sangrentos levantes anti-Chineses que ocorreram em 1860 em San Francisco. Na ocasião, lojas e comércio de asiáticos foram destruídos por agitadores racistas. Quando Norton encontrou um grupo de pessoas perseguindo um homem que pretendiam linchar, ele caminhou para o meio destes e começou a proferir o Pai Nosso em voz alta. As pessoas eventualmente acabaram se dispersando, sentindo-se envergonhadas de si mesmas.
Outro dos seus decretos que ganhou o coração dos súditos da cidade, foi uma lei na qual ele proibia o uso do apelido "Frisco" para nomear a cidade que tanto amava. As pessoas podiam usar "San Fran" ou "SF", mas jamais chamar a cidade de "Frisco".
"Nenhuma pessoa que tenha sido alertada, deverá usar a abominável alcunha "Frisco" para designar esta cidade e aqueles que o fizerem, deverão pagar uma multa no valor de 25 dólares".
Norton I foi um Imperador ciente do mundo à sua volta. Ele previu guerras e manifestou sua opinião a respeito de questões diplomáticas do seu tempo. Também sugeriu uma união entre a América e a Grã-Bretanha, através de seu casamento com a Rainha Victória, garantindo assim que os países se tornassem irmãos uma vez mais. Lamentavelmente a Rainha declinou da oferta.
Infelizmente, após 21 anos à frente do Império, Norton I sofreu um infarto e faleceu no final de uma tarde chuvosa. Uma carruagem foi enviada para recolhê-lo assim que cidadãos o reconheceram. Na manhã seguinte, os principais jornais da cidade estampavam a manchete:
"O Rei está morto"
Em um editorial repleto de sentimento e respeito, o San Francisco Chronicle escreveu:
"No chão comum, na escuridão de uma noite sem lua, Norton I, por graça divina, sagrado Imperador dos Estados Unidos da América e Protetor do México, partiu desta vida deixando um vazio na alma de seus súditos".
Seu funeral foi pago pela comunidade de comércio e homens de negócio. Uma testemunha comentou que durante a passagem da carruagem a caminho do cemitério, todos que se depararam com o féretro tiraram o chapéu em sinal de respeito: "Do Capitalista mais rico, ao mendigo mais miserável, do sacerdote mais justo ao ladrão mais vil, das damas da sociedade, às mulheres da vida. Nenhuma pessoa ficou alheia ao ocorrido".
A procissão fúnebre contou com um cortejo que se estendeu por duas milhas e com mais de 30 mil pessoas. Estas vieram prestar seus respeitos ao Imperador Joshua Abrahan Norton, um homem que muitos poderiam considerar louco, mas que através de suas ações foi mais são e amado que a maioria dos Reis e Rainhas desse mundo.
* * *
Eu comecei o texto mencionando Neil Gaiman e concluo fazendo-o novamente.
O escritor britânico, criador de Sandman, contou à sua maneira a história de Joshua Norton, relacionando sua existência a uma aposta realizada por Perpétuos, entidades que representam as facetas da existência humana. Sonho deu ao homem uma razão para viver, tornar-o um Imperador e ele, com dignidade, desempenhou a função sem jamais perder-se nos reinos do Delírio, Desejo ou Desespero.
A história de Norton I, pode parecer ficção, mas é totalmente real.
Não sei quanto a aposta dos Perpétuos, mas não duvido de nada...
Essa é uma das minhas histórias favoritas, o Sr. Gaiman estava em um momento de inspiração sublime quado decidiu contá-la.
Talvez o único governante na história que jamais cometeu algum ato maléfico ao povo.
ResponderExcluirEu realmente não entendo como ninguém ainda transformou a vida deste homem num filme! seria espetacular!
ResponderExcluirNem li o texto, mas lá vou eu ora Sandman dnv. Uma das minhas estórias preferidas de longe
ResponderExcluirSerá que Norton I poderia virar personagem de campanha em RPG ?
ResponderExcluirUm bom ponto... já fiz a alteração no título.
ResponderExcluirConcordo plenamente som a Jussara, comentarista acima. Atenção Netflix. Um filme ou série certamente será sucesso.
ResponderExcluir