quinta-feira, 30 de julho de 2020

Som do Apocalipse - A trombeta maldita de Tutankamon


Não há maiores mistérios ancestrais do que os relacionados ao Faraó Egípcio Tutancâmon.

O último membro de uma linhagem real que governou durante a 18a Dinastia, o "Menino Rei" assumiu o trono com apenas nove anos (por volta de 1334 a.C) após a morte de seu pai Akenaton. Seu reinado foi marcante, porém breve, tendo durado menos de uma década. 

Sua suntuosa tumba foi construída para armazenar não apenas os seus restos mortais, envoltos em ataduras de linho e encerrado em um sarcófago, mas seus muitos e incrivelmente valiosos tesouros. A localização de seu destino final, em algum lugar do Vale dos Reis foi perdida e as areias do tempo se encarregaram de ocultá-lo. Por milênios, a história se tornou lenda, fatos deram lugar a mitos. Isso tudo, ao menos até que o arqueólogo britânico Howard Carter descobrisse sua localização em 1922.    
Após escavar os detritos, ele localizou um acesso usado pelos mestres artesãos que construíram a tumba. Este acesso levava a uma porta selada com o símbolo do Faraó. Carter fez um buraco e espiou o interior que não era visto há séculos. Lá conseguiu ver aquilo que ele definiu simplesmente como "coisas maravilhosas".


Na câmara mortuária, aos pés do Sarcófago dourado, ornamentado com pedras preciosas e uma máscara de ouro, estavam os tesouros favoritos do Faraó. Exatamente 5398 artefatos que iam de cadeiras a estatuetas, carruagens a jóias, talheres a vasos... eram os bens terrenos embalados e preparados para que Tutancâmon desfrutasse deles no além vida.

Eles estavam intocados! Nenhum saqueador havia encontrado o vasto tesouro encerrado naquela câmara ou vasculhado seu interior imerso nas trevas.  

A equipe de Carter meticulosamente registrou cada um dos objetos o que demorou nada menos do que um ano e meio de análise, comparação e avaliação. Só então eles começaram a se dedicar a explorar o conteúdo do sarcófago. O corpo do menino rei estava lá, enfeitado com jóias e envolto por regalia real. Apesar de toda riqueza e simbolismo que o cercava, era o corpo ressecado e frágil de um rapaz, nada mais.

Esse foi o acontecimento que transformou o Egito em uma obsessão mundial alimentada por lendas, rumores e histórias.

Dentre os grandes mistérios estavam as alegadas mortes inesperadas de membros da equipe que exploraram a Tumba. A morte do celebre Lorde Carnavon, vítima de uma picada de mosquito infeccionada foi suficiente para que a imprensa da época registrasse uma série de acontecimentos trágicos sob o título "Maldição do Faraó".

Uma aura sobrenatural desceu sobre a descoberta da Tumba e também sobre os objetos extraídos dela. Dois destes itens eram instrumentos musicais, Trombetas que capturaram a imaginação do público, especialmente no ano de 1939, quando foram apresentadas com toda pompa e circunstância. Depois de mais de 3000 anos de silencio, os instrumentos seriam soprado uma vez mais.

A primeira trombeta media aproximadamente 50 centímetros e era feita de uma liga de cobre. A outra tinha 58 centímetros foi feita inteiramente de prata. Cada uma delas tinha um estojo ornamentado de madeira com hieróglifos dourados. Elas ficavam protegidas ali dentro. 

A trombeta de bronze

Os instrumentos de sopro foram construídos conforme o método da época e eram peças perfeitas, confeccionadas por um verdadeiro mestre instrumentista. Elas tinham entre 50 e 100 anos de idade na época em que foram enterradas com Tutancâmon. Provavelmente lhe foram presenteadas em vida e usadas em cerimônias para anunciar a chegada do Rei a prédios públicos em visitas oficiais.

Em Londres havia grande expectativa para ouvir o som que as Trombetas iriam produzir. O Rei Farouk do Egito, compareceu em pessoa para a cerimônia que seria transmitida pela rádio BBC ao vivo. A tarefa de soprar a trombeta milenar foi passada para um oficial do Regimento britânico dos Hussardos. Para preservar o mistério, nenhum ensaio ou teste foi realizado previamente.

A trombeta de bronze foi soprada primeiro. Ela produziu um ruído de nota única que ecoou pela câmara e foi captado pelos microfones, sendo ouvido por todos que estavam em casa. Os comentários eram de que o instrumento provavelmente teria sido usado para fins miliares, pois se assemelhava muito ao som produzido por cornetas usadas em campos de batalha para transmitir instruções às tropas.

A Trombeta de Prata

Em seguida, a Trombeta de Prata foi entregue ao homem que a soprou da mesma maneira. Mas então, veio o inesperado! Ao soprar com força a peça cristalizada se despedaçou segundos depois de produzir um ruído estranho e roufenho. O militar ficou estupefato, segurava apenas o cabo do instrumento, enquanto que os fragmentos de prata se juntavam aos seus pés.

O Rei Farouk imediatamente prometeu que iria se encarregar de pagar pelos reparos do instrumento. Contudo, o som produzido pela trombeta alegadamente causou um efeito estranho em várias pessoas que o ouviram. Alfred Lucas, um membro da expedição Carter que havia descoberto a Tumba e que estava na transmissão começou a se sentir incomodado e naquela mesma noite foi levado para um hospital. Três técnicos de som da BBC também sentiram algo estranho descrito como uma vertigem, náusea e confusão nos dias que se seguiram. Mais estranho ainda, várias pessoas que escutaram a transmissão através do rádio também reclamaram de uma estranha e inquietante sensação. Naquela mesma noite, os hospitais e clínicas receberam vários indivíduos que se diziam incomodados. Em comum, o fato de todos eles terem ouvido a transmissão.    

Os jornais britânicos começaram a cogitar se o bizarro som emitido pela Trombeta não teria de alguma forma liberado uma maldição no ar. Uma que atingiu a todos que ouviram a solenidade. Falava-se entre outras coisas que a Trombeta anunciaria o despertar da múmia de Tutancamon. Alguns acreditavam que soprar o instrumento seria o prenúncio de dias terríveis, enquanto outros recorriam à Bíblia, e diziam que a Trombeta poderia ser um dos lendários instrumentos pertencentes aos Anjos do Apocalipse.


Sem se importar com esses rumores, a trombeta de prata foi consertada rapidamente e no dia 16 de abril de 1939, um novo músico chamado James Tappern foi escalado para soprar o instrumento. Dizem que o militar que havia recebido a tarefa originalmente se negou a repetir a tentativa e que passou a reclamar de pesadelos constantes. As más línguas davam conta inclusive que ele teria se suicidado, mas estes boatos jamais foram confirmados. Por conta de todos esses rumores algumas pessoas, cedendo a crendices supersticiosas chegaram a pedir que os instrumentos não fossem soprados novamente. Mas a despeito disso, uma nova solenidade oficial foi organizada no Museu Britânico.

Na ocasião Tappern soprou os instrumentos usando um bocal moderno instalado na extremidade de cada uma das trombetas. O som ouvido foi consistente e ainda mais potente, tendo sido gravado em um disco de vinil. O som pode ser ouvido no vídeo abaixo:


Nessa segunda solenidade não houve casos de pessoas se queixando de reações adversas ao som produzido pelas trombetas.

Tudo parecia ter sido resolvido à contento, senão por um "pequeno" detalhe.

Pouco menos de cinco meses depois das Trombetas de Tutancamon terem sido sopradas, teve início o maior e mais sangrento conflito da história da humanidade - a Segunda Guerra Mundial. Na época, algumas pessoas fizeram uma correlação dos acontecimentos e chegaram a dizer que de alguma maneira, o som da Trombeta teria contribuído para um aumento nas animosidades entre as nações europeias que acabou levando a uma escalada nas hostilidades e então à guerra. Para amparar essa noção, alguns ocultistas do período, afirmavam que a Trombeta era um instrumento de Guerra e que uma vez soprada havia liberado no mundo um tipo de "maldição" que insuflou os líderes a desejarem o conflito.

Claro, a maioria das pessoas julgava a simples noção de tal coisa um verdadeiro absurdo. Um instrumento milenar não poderia causar tal coisa, ou poderia?

Contudo é interessante notar que o instrumento só foi soprado oficialmente mais duas vezes após a célebre transmissão realizada pela BBC no Museu Britânico. A segunda oportunidade ocorreu em 1967, em um estudo conduzido na Inglaterra e a terceira em 1990, pouco antes das trombetas terem sido devolvidas formalmente ao Egito.

Aqueles que acreditam que uma Maldição Milenar pesa sobre os instrumentos apontam que em ambos os casos, aqueles anos em especial, foram marcados por guerras. Em 1967, o conflito que ficou conhecido como Guerra dos Seis Dias envolvendo Israel e várias nações árabes (entre as quais proeminentemente o Egito). Já em 1990, poucas semanas depois das Trombetas terem sido sopradas, irrompeu a Guerra do Golfo que teve como teatro de operações principal o Iraque, mas que também incluiu partes do Oriente Médio (entre os quais, novamente o Egito). Se lembrarmos que o Egito também foi cenário para sangrentas batalhas na Segunda Guerra, podemos concluir que, coincidência ou não, cada vez que os instrumentos foram soprados, alguma crise se abateu sobre a Antiga Nação dos Faraós.


Mas isso não é tudo!

Mais uma estranha coincidência envolvendo as Trombetas e crises militares se deu posteriormente, mais uma vez envolvendo o Egito. Em 2011, membros da equipe de limpeza que trabalhavam no Museu do Cairo foram incumbidos de limpar os artefatos. Enquanto manipulavam as trompetas, dois membros do staff como brincadeira sopraram os instrumentos. Eles foram imediatamente repreendidos e afastados de suas funções, mas aparentemente a "maldição" foi liberada uma vez mais: poucos meses depois os distúrbios populares conhecidos como "Primavera Árabe" tiveram início. No Egito, a crise foi extremamente grave e descambou para uma Revolução que causou a queda do então Presidente Hosni Mubarak.

Durante os tumultos da Revolução, o Museu do Cairo foi invadido e a Trombeta de Bronze acabou sendo roubada. Eventualmente ela foi devolvida pelos saqueadores, tendo sido encontrada em uma bolsa deixada no metrô do Cairo semanas depois. 

Os ladrões podem ter decidido retornar o artefato depois que vários jornais publicaram matérias em que reputavam à trombeta "poderes sobrenaturais" que poderiam ser liberados caso alguém soprasse o instrumento. O perigo de "uma nova guerra mundial" chegou a ser mencionado pelo jornal egípcio "Al-Ahram" que conclamou as pessoas a denunciar imediatamente quem pudesse estar de posse do artefato milenar.    

Desde então, as trombetas de Tutankamon estão em exibição no Museu Egípcio do Cairo.

Compreensivelmente, eles não foram mais tocados desde então.

terça-feira, 28 de julho de 2020

Mistério nas Profundezas - O Estranho enigma da Antena Eltanin


Ao longo da história, por vezes, surgem objetos e artefatos que não parecem se encaixar no nosso conhecimento do mundo. Esses objetos anômalos tendem a surpreender e confundir pesquisadores e historiadores. Encontrar explicações definitivas para tais itens constitui uma tarefa complexa já que a simples existência deles coloca em cheque muito do que acreditamos saber.

Um desses artefatos é uma estrutura que repousa no fundo do mar, na costa gelada da Antártida. Desde sua descoberta, por mero acaso, ele motivou muita polêmica e debate.

Nos anos 1960, a Antártida poderia ser comparada a um mundo alienígena. Sabia-se menos a respeito dela do que sobre Marte, por exemplo. Era um lugar distante e isolado, uma terra gélida absolutamente inóspita e incapaz de sustentar a raça humana. Hoje temos um conhecimento maior a respeito do continente gelado, existem bases de pesquisa e cientistas instalados lá há décadas, mas até 1962 ela era basicamente terra incógnita

Com o objetivo de conduzir pesquisas nessa região implacável a Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos, desenvolveu um elaborado projeto chamado Eltanin. Batizado com o nome do navio de pesquisas científicas, o USNS Eltanin que capitaneava a iniciativa. O projeto visava instalar uma base móvel na Costa da Antártida e a partir dela conduzir experimentos. A equipe à bordo do navio, composta por cientistas, ficaria no local por não menos de quatro anos. Uma de suas metas era realizar uma sondagem dos mares gelados e mapear as profundezas.          

Em 29 de agosto de 1964, a equipe do Eltanin estava realizando uma exploração das profundezas, fotografando o solo marinho a uma profundida de 3,900 metros, quando fez uma incrível descoberta. Em um dos ambientes mais insalubres e desolados do planeta, eles conseguiram obter fotografias de uma estrutura misteriosa que se erguia a uma altura de 160 centímetros com nódulos perfeitamente simétricos e um topo esférico que lembrava muito uma antena de rádio. Era sem dúvida algo inesperado, uma anomalia inexplicável. Quando as fotografias foram liberadas pelo New Zealand Herald em 5 de Dezembro de 1964, as enigmáticas imagens chamaram a atenção de pesquisadores e ufólogos que apelidaram o curioso aparato como "Antena de Eltanin".


O propósito e a origem do objeto permanece desconhecido. Ele tem gerado acalorada discussão e debate desde a revelação de sua existência, com famosos pesquisadores reputando a ela o status de uma das mais inusitadas descobertas de todos os tempos. O tecnólogo Brad Steiger chegou a dizer em um estudo publicado em 1968 que se trata de "uma sensacional peça de maquinário, algo semelhante a uma antena moderna de televisão ou uma torre de telemetria". 


Teorias de todo tipo pipocaram na época, desde aqueles que acreditavam se tratar de uma peça descartada de uma embarcação até teorias conspiratórias que iam de projetos soviéticos ultra-secretos até algo de origem extraterrestre deixado por alienígenas com propósito ignorado. Outros sugeriam que poderia se tratar de uma forma vegetal não identificada, ainda que biólogos marinhos se mostrassem céticos a respeito disso, uma vez que não havia luz capaz de suportar esse tipo de formação. O conceituado biólogo marinho, Dr. Thomas Hopkins, disse a respeito da estrutura:

"Eu não gosto de assumir que essa coisa foi construída e colocada lá pela humanidade, porque ele trás questionamentos sobre como e porque teria sido instalada. Mas a forma dela é demasiadamente simétrica para ser uma formação natural... a discussão é exatamente essa: trata-se de uma forma perfeita com ângulos de 90 graus que sugere ter sido construída deliberadamente nessa forma".

No fim das contas, ninguém realmente sabe o que é aquela coisa. 

Infelizmente, como a alegada antena está localizada em um ambiente inacessível completamente hostil, alcançá-lo com o propósito de realizar um estudo é muito difícil. Mesmo estabelecer sua localização é uma tarefa difícil. Outros navios de pesquisa tentaram determinar sua localização, mas falharam.

Ainda que não tenha sido possível analisar o bizarro objeto, ele figura em várias publicações a respeito de alienígenas. Teóricos fortianos (especializados em teorias não-ortodoxas) e estudiosos do fenômeno ufológico lançaram conjecturas a respeito da antena. Uma das mais polêmicas é que ela seria um tipo de artefato de comunicação que permitiria estabelecer contato com civilizações alienígenas. Sua ativação permitiria contatar povos distantes que visitaram a terra num passado remoto. Mas se isso é verdade, porque o aparato teria sido instalado em uma região tão remota e inacessível para a maioria das formas de vida aborígenes? Se o objetivo era ser encontrada, porque teria sido deixada num abismo gélido praticamente inacessível?

Uma das especulações é que o objeto teria sido propositalmente abandonado naquele lugar para justamente não ser achado. As repercussões nesse cenário seriam desastrosas caso a "antena" fosse estudada, pois ela poderia liberar forças com as quais não estamos preparados para lidar.

A esponja marinha


A comparação da estrutura fotografada e da esponja
Mais recentemente a história parece ter caminhado para uma explicação bem mais mundana. Uma das sugestões é que a estrutura não passa de uma rara espécie de esponja marinha, existente apenas em altíssimas profundidades chamada Cladorhiza concrescens, descoberta em 1888 por Alexander Agassiz. Ela foi descrita naquela ocasião da seguinte maneira:

"A estrutura se assemelha a uma longa antena, com um caule comprido que se ramifica em apêndices similares a braços distribuídos ao longo da estrutura simetricamente. As raízes se estabelecem no solo marinho, atingindo uma altura de um metro até um metro e meio". 

Essa parece ser uma explicação perfeitamente racional para  mistério, mas existem argumentos contrários sobre a suposição. Uma delas é que os cientistas e oceanógrafos à bordo do Eltanin concluíram imediatamente que a estrutura por eles descoberta não era compatível com uma formação vegetal. A sugestão é que fosse algo metálico. Outra questão é que essa espécie de esponja existe em grandes colônias, enquanto que o objeto na costa da Antártida figurava solitariamente em meio ao vasto deserto submarino. Há ainda a questão de que as imagens dos espécimes de Cladorhiza concrescens, não se encaixarem na configuração da Antena de Eltanin. De fato, elas parecem ligeiramente diferentes, especialmente no que diz respeito a impressionante simetria da forma misteriosa, algo que nenhuma esponja possui.

Esses questionamentos ajudaram a preservar o mistério e alimentaram o debate que persiste até hoje.  

Não há realmente como determinar o que seria o estranho artefato baseado somente em imagens granuladas obtidas 50 anos atrás. Através dessas imagens, ela poderia ser realmente qualquer coisa. Seria a estrutura uma simples esponja marinha que de alguma forma conseguiu se formar e sobreviver em uma região hostil? Ou trata-se de algo completamente desconhecido e que representaria uma descoberta sem precedentes para a humanidade? Seja lá qual a resposta, é provável que jamais venhamos a saber, já que a localização da Antena de Eltanin não pode mais ser determinada.

sábado, 25 de julho de 2020

Monstro de Aço - O projeto do maior tanque de guerra da história


Pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha nazista investiu recursos para a criação de armas modernas diferentes de tudo que existia ou havia sido visto até então. Era a Wunderwaffen (literalmente Armas Maravilhosas) que permitiu a cientistas, projetistas e engenheiros trazer para o mundo real ideias inovadoras, estranhas ou simplesmente inacreditáveis, com o intuito de desenvolver armamento extremamente poderoso.

Os alemães sempre tiveram interesse em construir armas de grande porte. Durante a Grande Guerra o país construiu enormes canhões capazes de disparar projéteis explosivos a incríveis distâncias. Os generais colocavam tanta confiança nessas armas que acreditavam piamente que nelas repousava o segredo para a vitória sobre seus inimigos.

Quando a segunda guerra se tornou praticamente certa e a indústria bélica alemã foi voltada para a expansão do exército. Os nazistas estavam certos de que a guerra mudaria bastante e que o tanque - que teve um papel discreto no conflito anterior, desempenharia um papel crucial nas estratégias de combate modernas. Avanço de tropas, conquistas e transposição de territórios seriam feitas por essas máquinas potentes e elas seriam essenciais na Blitzkrieg (a guerra relâmpago).


Sabendo disso, Hitler deu sinal verde para que os projetistas alemães trabalhassem na mais poderosa (e menos prática), arma do período: o Landkreuzer P. 1000 Ratte.

Pense em um veículo militar grande, poderoso e devastador. Agora multiplique isso por 1000. O Landkreuzer P. 1000 Ratte, seria o maior, mais pesado e mais bem armado tanque de guerra jamais criado. Pesando inacreditáveis mil toneladas, cinco vezes mais do que o mais pesado tanque fabricado no período, ele media nada menos do que 35 metros de comprimento. Não por acaso, ele parecia mais uma locomotiva de trem armado do que um tanque.

E de fato, tudo no projeto era megalomaníaco.

O tanque contaria com dois massivos canhões idênticos aos usados em navios de guerra, montados em uma torre móvel no topo. Estes iriam disparar projéteis de 280 milímetros com alcance efetivo de até 30 quilômetros. Uma munição destas era tão poderosa que poderia penetrar paredes, destruir prédios e com tempo suficiente reduzir cidades inteiras à escombros. Mas estas não seriam as únicas armas do tanque monstruoso que contaria com oito torres de metralhadoras Flak e quatro canhões antiaéreos, além de um canhão traseiro de 128 mm.


A proposta é que ele fosse uma verdadeira fortaleza inexpugnável móvel, por isso seu sugestivo nome que significava "cruzador de terra". Para ser operado, seria necessária uma tripulação de pelo menos 40 homens entre pilotos, engenheiros, mecânicos, artilheiros e operadores. Além disso, o veículo poderia transportar até 20 homens, um centro médico e contaria com uma equipe de reconhecimento motorizado formado por 6 motociclistas.   

Para mover esse colosso recoberto com 300 toneladas de couraça, distribuídos em camadas de 10 polegadas de aço, seria necessário um motor incrivelmente poderoso. Ele teria três lagartas de aço de cada lado, alimentadas por oito motores Daimler-Benz MB501 de 20 cilindros. A mobilidade dele seria obviamente reduzida, mas os motores à diesel poderiam atingir velocidade máxima de até 40 quilômetros por hora. 

O Landkreuzer foi desenhado por Edward Grotte, diretor da companhia de armamentos e munições  Krupp que abastecia a máquina de guerra nazista. A Krupp era responsável por diversos outros projetos de tanques, conhecida por ter desenvolvido o famoso Tiger usado pelos nazistas ao longo de toda guerra e que era a última palavra em tecnologia de veículos de combate.

O Landkreuzer P. 1000 Ratte comparado a um Panzer VIII Maus.
Além do projeto do Landkreuzer, Grotte propôs vários outros modelos de armas absurdas como o Kugelpanzer que teria um canhão de 800 mm idêntico ao lendário Gustav e o imenso avião de transporte pesado Messerschmitt Me 323.

Como muitas das armas milagrosas, o Landkreuzer se provou inviável na prática. Seu imenso peso significava que ele não poderia ser transportado sobre pontes ou estradas, uma vez que ele destruiria todas elas. Além disso, para ser carregado ao front ele teria de ser transportado por linhas férreas, sendo que os túneis representavam um enorme obstáculo para seu deslocamento. Os engenheiros tentaram contornar esse problema tornando parte dele desmontável, mas ainda assim, o trabalho de conectar as peças era longo e exigia uma equipe de mecânicos gabaritados.

O outro problema é que ele seria um alvo fácil para os aviões inimigos. Uma arma tão grande e lenta não conseguiria se desviar para escapar de bombardeios. E apesar de sua armadura, nem mesmo o Landkreuzer sobreviveria a um ataque maciço.   

A despeito de todos os seus problemas e de ter sido considerado pouco prático, o projeto contava com defensores ferrenhos, sendo que Adolf Hitler era seu principal promotor. Hitler contemplava a noção de que o tanque não seria apenas uma arma superior no campo de batalha, mas que seu uso serviria para aumentar o moral das tropas, assim como o canhão Gustav fazia na Grande Guerra.


O General Heinz Guderian, um dos líderes do Terceiro Reich e comandante de divisões motorizadas, escreveu que "A fantasia de Hitler o levou para o reino do gigantismo". 

Ele escreveu ainda que "Os engenheiros Grotte e Hacker foram contratados para desenhar um verdadeiro monstro."

É claro que o Landkreuzer, apesar de ser o projeto de estimação do Fuhrer, jamais passou de um sonho bélico. Os próprios responsáveis pelo projeto concluíram que um tanque dessas dimensões não seria útil no modelo de guerra adotado pelas tropas, que contemplava ataques e avanços rápidos. O Landkreuzer poderia ser muito mais eficiente em um cenário semelhante ao da Grande Guerra em que as fronteiras de combate eram bem demarcadas se mantendo estagnadas por meses à fio e onde a aeronáutica ainda não era usada plenamente.

Além disso, Albert Speer, o Ministro de Armamentos e Desenvolvimento de Produção, demonstrou que a construção de tal veículo acabaria consumindo enormes recursos que poderiam ser melhor aproveitados se direcionados para a produção em série dos modelos Tiger. Os comandantes das divisões motorizadas também requisitavam unidades com maior capacidade de deslocamento e que pudessem ser entregues rapidamente. O Landkreuzer portanto ia no sentido inverso ao desejado. Ainda assim, Hitler manteve a opção de retomar o projeto caso o teatro de guerra se estagnasse e permitisse a criação de um veículo móvel que carregasse um canhão de longo alcance.


Em 1941, quando os aliados já davam sinais de que acabariam virando o curso da guerra, o projeto foi abandonado de vez. 

Apesar de toda megalomania, o Landkreuzer se tornou um projeto revisitado por engenheiros no pós-guerra que estudaram os esquemas e concluíram que ainda que fosse absurdo, a arma poderia ter sido fabricada e empregada. Ao contrário de muitas armas bizarras idealizadas pela "Wunderwaffen", o Landkreuzer era viável.

Só podemos imaginar como teria sido se esse monstro de aço tivesse sido realmente construído.

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Para quem achou interessante, indico os seguintes artigos aqui no blog:

WUNDERWAFFEN - As "armas maravilhosas" dos nazistas



quarta-feira, 22 de julho de 2020

A Jornada Final - A conclusão da vida de Abdul al-Hazred


Seguimos para  conclusão da longa jornada do feiticeiro, sábio, viajante, mago e ocultista Abdullah ibn Jabir al-Hazraj al-Ansari que viria a ser conhecido posteriormente pelo nome de Abdul al-Hazred, o autor do blasfemo Al Azif que por sua vez, ganharia fama como Necronomicon.

11. Em Damasco e Novos aprendizados 

De volta à Arábia através da Pérsia, al-Hazred seguiu para Basra, onde conheceu Saddam ibn Shahab, um místico árabe que havia recentemente retornado das terras ocupadas pelo Califado visigodo (a região que hoje pertence ao sul de Portugal). Ibn-Shahab assim como, al-Hazred se tornou um viajante cujas jornadas foram motivadas por visões obtidas através de sonhos. Mas diferente de al-Hazred ele tentou negar essas revelações adotando o dogma Islâmico. Ibn-Shahab era também muito mais jovem e não tinha um compreendimento completo das suas visões que o aterrorizavam.

Ainda assim, suas obras impressionaram al-Hazred, sobretudo a coleção de escritos conhecidos como "Sonhos do Vale de Pnakot". Tentando compreender como controlar suas visões, Ibn-Shahab intuitivamente encontrou um método de explorar seus sonhos de forma consciente. Por algum tempo, apesar de bem mais jovem, se tornou professor de al-Hazred guiando-o através das sendas oníricas e da exótica Terra dos Sonhos. Juntos os dois avançaram através do Labirinto de Zin, as Câmaras de Vaultoor e os recessos de Throk, além é claro de conhecer os mistérios do Vale de Pnakot. Saddam também aproveitou o encontro para absorver as narrativas sobre os Antigos e aprender as práticas de meditação usadas para estabelecer comunicação com os "deuses que sonham".   

Depois de se separar de ibn-Shahab, o peregrino decidiu retornar para a Síria. A essa altura da vida, ele já beirava os 70 anos, mas aqueles que o viam dificilmente dariam a ele mais do que 50 anos. Sua energia e vivacidade pareciam inesgotáveis e ela era frequente tema de rumores que afirmavam ser impossível um homem de sua alegada idade conservar o viço e frescor daquela forma. Ninguém entretanto levantava questionamentos, ao menos não diante dele.

Ao chegar a Damasco, vindo de Palmira, al-Hazred decidiu que passaria os anos vindouros naquela grande cidade, colocando à prova seu conhecimento em experimentos práticos. Para tanto ao chegar à majestosa cidade comprou um verdadeiro Palácio só rivalizado em tamanho e suntuosidade pela residência real. Lá reuniu material para construir um laboratório de magia, repleto de ingredientes trazidos de todos os cantos do mundo conhecido. Caravanas vinham até ele, oferecendo tesouros valiosos ou itens raros para abrilhantar sua coleção. Ele os pagava em ouro e todos o tinham como um rico sábio de gostos peculiares, alguém beirando a excentricidade.


Em seu santuário al-Hazred testou os limites de suas habilidades mística, desencadeando feitiços de enorme poder e inquestionável imoralidade. Realizou o milagre da transmutação, sondou os segredos da invisibilidade, da magia negra que permite a troca de mentes, exercitou sentidos obscuros e é claro, testou as fórmulas que permitem trazer os mortos de volta à vida por intermédio dos sais perfeitos. Seu covil macabro era conhecido entre os mais desprezíveis mercadores de escravos que ofereciam espécimes para seus experimentos. Para hospedar essas vítimas, uma masmorra foi construída sob seu palacete e lá ficavam confinados aqueles que seriam submetidos a todo tipo de provação com o intuito de ampliar o já considerável rol de habilidades arcanas do feiticeiro. Gritos e lamentos irrompiam dessa escura masmorra maldita, onde os prisioneiros nem sempre eram humanos ou mesmo, estavam vivos.

A busca incessante por esse saber profano ocupava todo tempo de al-Hazred e ele se alienou de assuntos mundanos e mesmo do que se passava na cidade onde ele havia se radicado. Por volta de 722, al-Hazred soube com raiva e indignação que Yazid II, que havia ascendido ao trono, instituiu um édito ordenando a destruição de todas as imagens em seu Califado. De acordo com fontes bizantinas no período, ele chegou a essa decisão instigado por um cabalista judeu que previu um longo reinado para o Califa se ele tomasse para si a missão divina de destruir todos ícones nos seus domínios. Evidências arqueológicas confirmam que igrejas cristãs sofreram muto durante esse período e que incontáveis templos foram invadidos, tendo suas estátuas transformadas em pó.

Al-Hazred foi tomado pela ira e consternado se dirigiu até a residência do Califa exigindo o imediato cancelamento do édito e que dentro do possível fossem feitas compensações para os danos causados. O Califa reagiu de forma ainda mais furiosa às ordens daquele insolente que só poderia estar louco. Yazid chegou perto de ordenar a execução de al-Hazred, mas foi dissuadido de fazê-lo por conselheiros que conheciam a fama do feiticeiro. Ao invés disso, ofereceu um cargo na Corte como Pesquisador de Ciências já que muitas das maravilhas propostas por al-Hazred se encontravam no campo da natureza e não da magia negra. Para convencê-lo a aceitar o cargo, o Califa eximiu o mago de livrar de sua coleção de estatuário.

Entretanto, al-Hazred não ficaria muito tempo nessa importante função. Yazid II morreu em 724, no auge de sua vida (de causas desconhecidas, mas com menos de 30 anos). Seu sucessor, Hisham ibn Abd al-Malik, forçou ainda mais o édito e mandou confiscar e destruir estátuas e multar pesadamente aqueles que as detivessem. O palacete de al-Hazred foi invadido e várias de suas valiosas estátuas, inclusive representações milenares dos Antigos, foram confiscadas e destruídas quando ele estava fora. Ao retornar, sua fúria foi visceral!

Pouco depois do ocorrido, al-Malik caiu doente, afetado por uma moléstia desconhecida que consumia sua vida à olhos vistos. Nenhum médico ou filósofo foi capaz de determinar que mal o afligia e parecia ser questão de tempo até o Califa expirar em terrível agonia. Desesperados para achar uma cura, chamaram al-Hazred para examinar o nobre. Com presteza ele despachou um agente até seu laboratório e mandou que lhe trouxesse ingredientes selecionados com os quais preparou um unguento milagroso que afastaria os espíritos invisíveis que dizia, estavam drenando a vida do Califa. Com efeito, ele se curou em poucas semanas e passou de desenganado a plenamente refeito de seu infortúnio. Muitos consideraram o evento um milagre, outros temiam que tipo de cura o feiticeiro havia promovido. No fim, a salvação de al-Malik veio com um documento assinado pelo próprio Califa no qual garantia benefícios exclusivos a al-Hazred de que nem ele, nem a sua preciosa coleção de estátuas seriam novamente perturbados.   

12. O Kitab al-Azif

Ainda em Damasco, Abdul al-Hazred começou a se comportar de uma maneira estranha para um homem de sua expressiva fortuna e notável posição social. Ele se ocupava cada vez mais frequentemente em ler seus poemas nas esquinas do Grande Bazar, fazendo estranhos e quase incompreensíveis sermões para os transeuntes. Muitas pessoas que passavam ignoravam aquele homem de barba longa e face coberta de cicatrizes. Mas os que se colocavam aos seus pés eram recompensados por belas poesias e histórias de vida.


Por volta de 722, com 80 anos de idade (e ainda parecendo não ter mais do que 50), ele deu início a um dos mais ambiciosos projetos de sua tumultuada existência e que escreveria seu nome nos anais da história. Ele decidiu que a integralidade de seu trabalho precisava ser de alguma forma preservado e seu conhecimento transmitido para as gerações futuras. Para alguns, colocar em papel todos os pensamentos que povoavam sua mente febril era uma necessidade para lidar com a insanidade que o acometia, mas outros supõem que a concatenação daquele tratado esotérico se deu com o intuito de aplacar um antigo pacto firmado com Nyarlathotep. Conhecendo a natureza de tal divindade, é realmente possível que o sardônico Caos Rastejante tenha exigido o cumprimento desse pormenor como forma de saudar um débito antigo.

Parte livro, parte registro, de certa forma um Testamento, o tratado recebeu o título Kitab al-Azif (O Livro de Al-Azif). Infelizmente, não existem informações confiáveis do que significaria esse nome, embora suponha-se que possa ser uma forma respeitosa de tratamento, usada para se referir aos Antigos. Algumas fontes árabes atestam que essa palavra se refere ao som que as cigarras e outros insetos produzem e que segundo o folclore árabe simboliza o ruído da conversa entre os jinns e demônios do deserto. Um defensor dessa teoria afirma que tal forma de conversação é conhecida como "Versos de Shaitan" (demoníacos ou satânicos).

O historiador do Islã al-Nihaya aponta para uma versão similar do termo: "Aziful Jinn" que seria a voz dos jinn, o povo místico do deserto que uiva com o vento. Há outra hipótese incomum para o título que poderia ser traduzido como "O Livro da Cura". O conceituado dicionário russo-árabe Baranov, editado no século VII traduz "azif" como "momento de cura promovido após a provação, geralmente uma calamidade". Nesse contexto, seria cabível ainda uma tradução próximo como "Livro das Tragédias" ou "Livro das Calamidades".

Várias fontes indicam que o texto original redigido pela mão de al-Hazred teria sido escrito em pele humana. No entanto, tal presunção parece ser pouco confiável, uma vez que residindo em Damasco ele teria poucas oportunidades de extrair e processar tamanha quantidade de material. Ainda que tenha contado com um círculo de mercadores de escravos por décadas, não parece factual que ele pudesse se prestar a tal atividade que ocuparia boa parte de seu tempo. Entretanto, um exame de um volume traduzido do al-Azif pelo grego Theodorus Philletas, atestava que uma das primeiras edições havia sido encapada com a pele de bebês cristãos como um tributo ao al-Azif original encadernado com a pele de mil escravos. Por algum tempo, o rumor sobre as edições do al-Azif encadernadas com pele humana circulou, dando vazão aos rumores de que o texto supostamente "precisava ser confinado em tal material" para que conservasse suas propriedades arcanas. Tal pensamento provavelmente é mera superstição e não possui qualquer base ou comprovação.

Segundo os biógrafos de al-Hazred ele teria demorado 3 anos e sete meses para concluir o al-Azif, tarefa que demandou sua atenção completa em um regime extremamente disciplinado de escrita. Philletas mencionava na introdução que o autor teria transcrito trechos inteiros da obra durante incursões na Terra dos Sonhos, extraindo da realidade onírica mais de um capítulo da obra. O que isso realmente significa fica aberto a interpretação do leitor.


O resultado final do Tratado, uma vez concluído, é nada menos do que monumental. O esforço hercúleo de descrever as experiências esotéricas e metafísicas de uma longa existência devotada a desvendar os segredos dos Antigos só pode ser igualado a obras do calibre da Bíblia, Torah ou o próprio Corão. Sozinho, al-Hazred escreveu de modo febril, dia e noite sobre tudo que sabia e acumulou de conhecimento dos celebrados Mythos de Cthulhu. O resultado era algo impensado e de teor indescritível; nada menos que o maior Compêndio sobre os Mythos jamais escrito.

A despeito de estar repleto de toda sorte de superstição, preconceito e sincretismo mitológico que é característico nos tratados medievais, o livro parece estar muito à frente de seu tempo. Por vezes é difícil compreender o que o texto expressa, o que seria simplesmente alegórico ou metafórico, meramente poético ou surreal. Ler o al-Azif (ou mesmo suas traduções posteriores) é um exercício complexo, intrincado e que traz mais dúvidas do que certezas. Não constitui de modo algum leitura para os não iniciados, e mesmo o mais calejado ocultista se verá acossado por conceitos e noções difíceis de assimilar ou decifrar o teor desejado pelo autor. Há de se lembrar que Abdul al-Hazred não por acaso era chamado "árabe louco" e como tal, seu trabalho refletia um estado mental de alguém acometido por um saber devastador, capaz de pulverizar a razão, aniquilar a sensatez.

Não obstante, há detalhes impressionante que denotam o quanto seu conhecimento do universo e das coisas que o constituem se destacava em meio aos sábios do período. Por exemplo, quando descreve os planetas, o autor usa o termo "esfera", ao invés de "disco", como faziam muitos contemporâneos medievos. Além disso, a noção de um universo vasto que se estende muito além da Terra - uma parte irrisória do cosmo, constitui uma noção incomum, diversa do que acreditavam os astrônomos de sua época.

No sutra "De Yidhra, Aquele que promove os sonhos", al-Hazred demonstra noções compatíveis com a célebre teoria da Evolução das Espécies de Darwin (que só seria proposta formalmente no século XVIII e XIX). Ele escreve de modo bastante claro: "E a matéria da vida em estado puro se tornou um verme, e o verme uma serpente, e a serpente se tornou um lagarto, e este, desenvolvendo pernas andou, nadadeiras, nadou e asas, voou (...) e ao longo dos milênios, esse ser se tornou o homem".

O autor também indica conhecer a multidimensionalidade do espaço, e que a parte visível do universo é meramente uma projeção de um todo. Ele estuda os conceitos dos Deuses Exteriores e os correlaciona com fenômenos da natureza observável em nossa realidade, projetando que colossos como Yog-Sothoth e Azathoth representam a incorporação de elementos cósmicos, no caso, o tempo/espaço e a entropia. Al-Hazred lança dessa forma bases para um pensamento filosófico que encontra conformidade nas teorias da Física Quântica moderna.       

Capaz de mudar paradigmas da história, alterar percepções e surpreender com uma notável modernidade oculta, o al-Azif  constitui um mistério quase insondável. Ele era tão incompreensível para a maioria dos homens que o leram na Idade das Trevas, quanto ainda o é hoje, exceto para os mais iluminados partidários da metafísica.            


É curioso notar que o al-Azif parece ser uma obra não terminada, um trabalho que não foi concluído uma vez que o autor morreu (ou desapareceu) antes de deitar a pena. As traduções dos estudioso que tiveram acesso a ele deixam claro que alguns capítulos não apresentavam conclusão e que certas ideias são simplesmente abandonadas em meio a exposição. Propositalmente ou não, quem pode saber? É conveniente tentar explicar a ausência de trechos e a censura de alguns parágrafos, como falha dos tradutores gregos latinos ou ingleses que se debruçaram sobre o material original, mas Theodorus Philletas, Ollaus Wormius e John Dee, defendem que a tarefa de traduzir o texto, foi cumprida da maneira mais fiel possível, com direito a todas as incoerências e fragmentos quebrados contidos na versão original.

É possível supor que se al-Hazred tivesse vivido um pouco mais, ele teria revisado o manuscrito até atingir a perfeição literária e filosófica, corrigindo os trechos em que prevalece uma disposição confusa e caótica, que grosso modo permeia todo o trabalho. Seria então o al-Azif mais acessível, menos intrincado ou parcialmente legível? Novamente, quem pode saber...

Ao terminar suas anotações, Abdul al-Hazred deve ter contemplado seu vasto trabalho, tocado o velino cru com os dedos manchados de tinta e se conscientizado do monumental trabalho ali reunido. Teria ele ponderado sobre o perigo que aquilo representava? Teria imaginado em algum momento que tantas vidas seriam consumidas pelas palavras que cobriam aquele tecido? Outros acadêmicos que tomaram para si o trabalho de decifrar o blasfemo tratado relataram ter sofrido após concluir a tarefa. Meditaram a respeito de queimar, rasgar, destruir o resultado de sua labuta... evitando assim, de alguma forma, que tal livro caísse nas mãos dos homens. Os clérigos que condenaram Ollaus Wormius por ter traduzido o Necronomicon do grego para  Latim o amaldiçoaram e o condenaram aos tormentos do Inferno pelo seu intento, e ele era mero tradutor... que dizer de al-Hazred que escreveu de sua própria lavra o tratado? Teria ele se arrependido e desejado jamais tê-lo feito?

Isso jamais saberemos, pois ele preferiu não discorrer a respeito.

13. A Derradeira Jornada

Finalmente chegamos ao capítulo final da longa vida de Abdullah al-Hazraj, a história de sua morte. Muitos historiadores usaram o destino traumático do "Árabe Louco" como metáfora para alertar as pessoas quanto aos perigos da busca obsessiva por conhecimento proibido. Também falaram de sua morte como forma de prevenir aqueles que cortejam o favor dos Deuses Ancestrais ou neles buscam aliança. Mas a pergunta que se faz é: mesmo que soubesse de seu fim, será que um homem como al-Hazred teria mudado algo em sua existência terrena? Teria ele se arrependido e buscado redenção em outros caminhos menos tortuosos? Conhecendo a inquietude que marcou sua vida e a rebeldia que ele abraçou desde jovem, parece pouco provável que ele se arrependesse de qualquer coisa.

Mas não há como ter certeza, e portanto, ao invés de falar sobre o que se assume, falemos a respeito do que temos como fato.


Naquela altura de sua vida, já bastante idoso, o mago soube que sua morte era iminente e convencido de que havia uma última tarefa a cumprir decidiu empreender uma derradeira Peregrinação. Antes de partir, ele doou suas posses em favor da construção do grande Mosteiro de Damasco que ganharia notável fama entre os filósofos e cientistas árabe-muçulmanos. Poucas décadas mais tarde, ele se tornaria a primeira universidade de Damasco.

Outra providência tomada foi entregar a um dos seus discípulos de confiança, supostamente um jovem de nome Umar bin-Tuffalah, o manuscrito original do al-Azif. Este recebeu instruções criteriosas para guardar o documento e levá-lo até Basra onde ele deveria ser colocado aos cuidados de um outro antigo discípulo que tinha contatos com copistas que poderiam disseminar o trabalho. Dessa forma, ele não ficaria restrito a um único leitor, a uma coleção ou uma biblioteca. Desde o início al-Hazred parecia preocupado em espalhar sua palavra e fazer com que ela chegasse ao maior número possível de interessados. E não é exatamente isso que fazem os Profetas ungidos com o saber? Seja como for, sabe-se que ele entregou junto com o pacote contendo o documento original uma soma considerável de moedas para que fossem feitas cópias da sua obra prima. E tudo indica que essa vontade foi cumprida pois ao menos três cópias do manuscrito vieram à tona nos anos seguintes, em Basra, Alexandria e Damasco e a partir destas a palavra foi lançada na Terra. Ibn Khalikan, o famoso acadêmico árabe foi um dos contemplados com uma dessas cópias e esta supostamente teria viajado para o ocidente, ensejando na tradução que impingiu no mundo o celebrado Necronomicon.

Quanto a al-Hazred, ele se juntou a uma caravana que seguia para o sul, almejando visitar uma última vez a mítica Irem, a Cidade dos Pilares. Talvez ele desejasse morrer exatamente onde sua vida sofreu uma guinada e onde ele ganhou compreensão de seu propósito maior: ser o Profeta dos Antigos e porta voz do seu conhecimento. Outros acreditam que ele estava tentando escapar das Divindades ou dos seus emissários que o perseguiam tanto nos sonhos quanto na realidade. Nos meses finais passados em Damasco, ele não conseguia dormir, não se alimentava e não encontrava paz de mente ou espírito. Seus servos de confiança assistiam ele definhar a cada noite, com os olhos cada vez mais fundos, palidez cadavérica e uma fraqueza devastadora. De fato, a única coisa que o salvou de morrer ali mesmo era a perspectiva de empreender sua última jornada, ainda que dificultada enormemente pela idade avançada. A energia e jovialidade que lhe eram características e que causava espanto naqueles que tomavam conhecimento de sua verdadeira idade parecia enfim ter se esvaído.

Desde que havia dado por terminado seu envolvimento na redação do al-Azif ele parecia ter envelhecido horrivelmente. Como se a conclusão da colossal tarefa tivesse decretado que seus dias estavam contados. Há outra teoria, uma que envolve a busca pelas peças finais de um mosaico que existiria nos subterrâneos de Irem e que ele pretendia contemplar uma última vez. Este concederia um vislumbre do destino final do universo, algo que ele não ousou contemplar quando visitou o lugar décadas antes. Agora, próximo de se tornar pó, seria o momento adequado de ver tal coisa e saber que, assim como ele, a própria Criação também não seria eterna.

Seja como for, nove dias antes de sua morte (como podemos precisar de acordo com o preâmbulo contido no al-Azif) o feiticeiro soube que não chegaria ao seu destino e que jamais veria novamente as câmaras subterrâneas de Irem. Um eclipse solar estava se aproximando e várias visões confirmavam que ele morreria logo depois deste.


A ocorrência do eclipse nos permite determinar acuradamente o tempo e lugar da morte do Profeta dos Antigos. A maioria dos historiadores e biógrafos acreditavam que ele teria morrido no ano 738 na cidade de Damasco, mas a evidência astronômica não nos permite aceitar essa versão. Haviam apenas três eclipses solares ocorrendo nesse período, mas nenhum deles visível de Damasco como afirmam os biógrafos. O mais provável é que a morte tenha ocorrido na fronteira com o Rub al-Khali, em março de 732, após o meio dia, mas certamente antes do por do sol.

Segundo os rumores, o Profeta dos Antigos teria se afastado da caravana e caminhou solitariamente na direção do deserto tendo o sol sobre sua cabeça. Mais tarde, seu rastro foi seguido por alguns homens que deram pela falta do estranho ancião, mas suas pegadas simplesmente desapareciam no meio das dunas como se ele tivesse sumido. Seu desaparecimento se deu justamente no momento em que o sol foi encoberto e o dia se transformou em noite. E quando brilhou novamente, não havia sinal de Abdul al-Hazred nesse mundo.

14. A Ascensão de Al-Hazred

Existem muitos rumores sinistros e contraditórios a respeito desse desaparecimento e morte. Sobre o que teria acontecido com o ancião e como ele teria simplesmente sumido no deserto. Os homens da caravana realizaram uma busca, mas logo concluíram que ela seria inútil. Temiam que os jinn tivessem carregado aquele velho estranho, e ninguém pretendia se arriscar e desafiar os espíritos que habitavam o Rub al-Khali.

Seja como for, meses se passaram e nesse período não se soube nada de al-Hazred. Em Damasco, a cidade que ele havia adotado como lar por longos anos, chegavam boatos de todo tipo. A fama do ancião como feiticeiro era muito grande, de modo que alguns viram seu passamento com certo grau de alívio. Nem mesmo os poucos discípulos e servos que tinham contato mais próximo lamentaram seu fim. Se resignaram de que seu mestre havia partido.

Seis meses após o ocorrido, ninguém mais esperava ver o velho novamente. O nome dele já circulava livremente nos lábios daqueles que antes se limitavam a sussurrar seu nome. Mas então ocorreu o mais estranho dos incidentes que teve lugar não numa viela escura na calada da noite, mas em pleno grande bazar à luz do dia. O evento foi visto por inúmeras pessoas, gente de todas as classes e tipos, que testemunharam o ocorrido. Sabe-se a respeito do incidente através do relato detalhado de um copista que achou importante incluir um capítulo à cerca do destino final do autor. O trecho sofreu várias interpretações posteriores e foi bastante desvirtuado, mas tudo indica que a versão mais fiel aos fatos seja a descrita a seguir.


Certo dia, um vento quente soprou sobre Damasco fazendo as areias se erguerem em uma forte tempestade. E quando enfim a fúria dos elementos diminuiu, foi a vez dos chacais uivarem enlouquecidos. Em toda cidade cães ladravam, crianças choravam e os perturbados gritavam, como se soubessem o que estava por vir. Ao mesmo tempo, entrou pelos portões da Cidade Antiga uma figura desmazelada e alquebrada, suja de terra e vestindo um manto com capuz que escondia suas feições. Mas todos que lançaram os olhos sobre aquela forma cadavérica foram unanimes em dizer que não se tratava de outro senão Abdul al-Hazred. E mais, diziam que embora andasse não se encontrava mais no mundo dos vivos, o que levou a maioria das pessoas a bater no peito e pedir a proteção do Misericordioso.

À passos trôpegos ele seguiu pelas ruas de calçamento de pedra, repelindo animais e afastando curiosos que abriam caminho para que a forma em andrajos passasse sem embargo. Assim ele seguiu lentamente, com uma pequena comitiva que tentava manter uma distância segura, sem no entanto perdê-lo de vista. A pequena procissão, seguiu pelas ruas de Damasco até chegar ao Grande Bazar. Lá, a figura teria removido o capuz revelando que de fato era o temido feiticeiro, ainda que transformado num cadáver andante.

E quando revelou suas feições desmortas, houve um novo rumor de choro e desespero que varreu a cidade. Pois a seguir, o ancião se pôs a falar, como quando recitava seus poemas incompreensíveis, mas de sua boca brotava uma surah profanas e repleta de pecado. E os que ouviam não conseguiam censurá-lo ou contê-lo, pois tremiam dos pés à cabeça, choravam e se contorciam como possessos. Pois eram as palavras apocalípticas dos Antigos que falavam através de seu Profeta mor.

E quando o horrível sermão terminou, dizem, o corpo do velho foi erguido do chão por uma força invisível que o levantou até a altura dos telhados próximos. E em um único movimento sua cabeça, braços e pernas foram arrancados de seu torso e devorados por uma horda faminta de demônios invisíveis. Seu corpo desmembrado foi inteiramente consumido daquela forma, deixando na areia apenas os respingos de seu sangue. Horrorizada a população de Damasco comentou por meses o tenebroso acontecimento, temendo que a cidade tivesse sido amaldiçoada. Para conter a onda de rumores o Califa ordenou que o Bazar fosse três vezes abençoado em nome de Ala o misericordioso para que qualquer presença espúria fosse esconjurada. 

Posteriormente, a história contada foi que al-Hazred teria morrido no grande bazar, mas o trecho descrito acima é muito mais significativo. Ele assume que o Profeta já estaria morto, teria retornado para fazer seu sermão final e então Ascender a seu modo sangrento. Não por acaso, o testemunho é tratado como "A Ascensão de al-Hazred", encontrando ecos na transição do Buda para o Paranirvana, na crença do Cristo ressurrecto sendo erguido na direção do céu e da aparição final de Maomé em Meca. Seria de se esperar menos do Profeta dos Antigos?

Com isso, encerrou-se a longa vida de Abdullah al-Hazraj aos 90 anos de idade. Posteriormente, ele ficaria conhecido pela alcunha de Abdul al-Hazred, ou então simplesmente o "Árabe Louco", autor do infame al-Azif, base para o Necronomicom.


É difícil medir a importância de al-Hazred e o quanto seu trabalho seminal contribuiu para difundir o conhecimento sobre o Mythos. É um fato conhecido que o al-Azif teve enorme influência num primeiro momento dentro de círculos devotados ao misticismo no Oriente Médio. Espalhando-se entre defensores de correntes filosóficas e religiosas proscritas, formando movimentos dissidentes que atuaram clandestinamente. Ele sem dúvida patrocinou a formação de cultos, cabalas e sociedades secretas.

A chegada do al-Azif à Europa demorou quase 300 anos pela barreira linguística, mas eventualmente o manuscrito caiu nas mãos de um monge grego que o traduziu para seu idioma em meados do ano 1000. Foi entretanto a tradução seguinte, para o latim que sedimentou o texto de Al-Hazred como o mais desejado compêndio de conhecimento místico de todos os tempos, verdadeiro manual de saber esotérico e tomo inestimável para todos que perseguem as revelações dos Mythos ancestrais.

E tudo isso se deve a um certo "árabe louco".

segunda-feira, 20 de julho de 2020

O Homem na Torre - Entrevista com Denílson da Editora Clock Tower


O Mundo Tentacular abre as suas portas para conversar com Denilson Carraretto responsável pela Editora Clock Tower que nos últimos anos tem conquistado um lugar no coração dos fãs de Literatura de Terror e Fantasia como um selo que vem publicando autores clássicos até então pouco conhecidos no Brasil.

Falamos a respeito do mercado de livros do gênero, de Literatura fantástica em geral e sobre o próximo lançamento da Editora, inteiramente dedicado a Clark Ashton Smith que será publicado pela primeira vez em português através de uma plataforma de Financiamento Coletivo.

Acompanhe aqui a nossa entrevista e aproveite para conhecer esse grande projeto seguindo o link no final do artigo.

MUNDO TENTACULAR - Obrigado Denilson pela oportunidade de conversar com você. Antes de perguntar especificamente a respeito do novo lançamento da Clock Tower, gostaria que você comentasse um pouco a respeito de como está o mercado de livros do gênero horror/ fantástico. 

DENILSON CARRARETTO - Primeiramente muito obrigado pela oportunidade em divulgar nosso projeto do Catarse e a obra do grande escritor que foi Clark Ashton Smith.


O mercado de livros do gênero horror/fantástico apesar de toda a crise atual na economia se mantém relativamente bem. Não em alta como desejávamos, mas bem, até mesmo porque nosso país já vinha de 3 anos de recessão e num momento em que havia o início de uma recuperação da atividade econômica, fomos pegos de surpresa por essa triste pandemia, e isso afeta o mercado. Mas, é impressionante como o gênero tem atraído os brasileiros, que mesmo em momentos difíceis tem se esforçado em adquirir livros e apoiar bons projetos, coisa que a meu ver não ocorre tanto com outros gêneros literários. Sou suspeito para falar, mas acredito que estamos vivendo já a alguns anos um boom de interesse por horror e fantasia, um gênero até então esquecido ou até mesmo desconhecido por muitos dos brasileiros.

MT - Até pouco tempo atrás tínhamos pouca coisa publicada de H.P. Lovecraft e menos ainda de Horror Cósmico. Agora muitas editoras estão descobrindo esse filão. Na sua opinião, para quem já leu tudo de Lovecraft e quer algo similar, qual seria o próximo passo? 

DC - Nos últimos anos as editoras redescobriram H.P. Lovecraft, uma vez que num passado já distante ele tinha sido publicado e relegado ao esquecimento. Eu imagino que o fato de sua obra ter caído em domínio público e o aparecimento de bons sites e blogs também contribuiu para isso, além é claro da qualidade da obra do autor. 

Muito embora Lovecraft tenha sido bastante publicado no Brasil, ainda resta a publicação de suas cartas, ensaios e biografias mais abrangentes sobre sua vida que não temos em nosso idioma - isso para o fã e admirador do escritor é fundamental, e ainda é uma lacuna. Agora, para quem leu o principal de sua obra (seus contos e novelas), se aprofundar em escritores do seu círculo de amigos e que compartilhavam ideias como Clark Ashton Smith, Robert E. Howard, Derleth e tantos outros, é mais que fundamental.

MT - Falemos sobre o próximo lançamento da Clock Tower. Clark Ashton Smith (CAS) ainda é pouco conhecido no Brasil, o que você pode nos dizer a respeito dele? 

DC - Clark Ashton Smith foi um dos maiores escritores de horror e fantasia de todos os tempos. 

Um artista completo, Smith foi ao mesmo tempo pintor, escultor, poeta e escritor de contos incríveis e criador de mundos e personagens que parecem existir na vida real. Durante sua vida foi acometido por fobia, o que resultou numa vida reclusa, mas de muitos estudos autodidatas o que rendeu uma obra vasta e completa. Smith é um autor que certamente contribuiu e muito para os 'Mitos de Cthulhu' de Lovecraft e que irá cair facilmente no gosto do leitor brasileiro... É interessante observar que o conto de Smith 'O Retorno do Feiticeiro' (que está presente no nosso livro), foi o primeiro conto sobre os Mitos de Cthulhu escrito por outro escritor que não Lovecraft, daí dá para ter uma ideia mais clara do que estamos falando.

MT - Como você define a importância de CAS para o gênero e quais foram as suas maiores contribuições? 




DC - Eu acredito ao falar de Smith estamos falando de um dos maiores gênios da fantasia de todos os tempos, talvez maior mesmo que Lovecraft. Não é a toa que além de amigo de Lovecraft, Smith era muito admirado por ele, considerado um mestre do gênero comparado a grandes nomes como Arthur Machen e Edgar Allan Poe. Mais do que qualquer outro, Lovecraft soube reconhecer seu talento, mesmo sendo Lovecraft um crítico muito voraz. Seus contos são únicos e é impressionante que mesmo hoje em dia, com tantos e tantos escritores, estilos e técnicas literárias bem desenvolvidas não encontramos alguém como a capacidade e versatilidade de Clark Ashton Smith e de seus contemporâneos.

MT - Quais contos estarão nessa antologia e como foi o processo de escolha dos mesmos? 

DC - Smith foi um grande criador de mundos e personagens. Procuramos no livro "Além da Imaginação e do Tempo", representar a parte mais significativa de sua obra, dando destaque para o Mito de Cthulhu. Nosso livro conta com o apoio do Sr. William Dorman que é enteado do autor e detentor dos seus direitos autorais, com sua ajuda e de S.T. Joshi, especialista em Lovecraft, além do trabalho do grande fã e tradutor José Geraldo Gouvêa, chegamos em uma lista de contos e mundos bem representativos de sua obra, são eles:

Mitos de Cthulhu: mitologia criada por H. P. Lovecraft e seus amigos, entre eles C. A. Smith. 

Contos: O Retorno do Feiticeiro, Os Caçadores do Além, A Prole Inominável.

Averoigne: Província fictícia da França medieval onde Smith criou muitos dos seus personagens e cenários. 

Contos: A Santidade de Azédarac, A Besta de Averoigne, O Colosso de Ylourgne.

Hiperbórea: Groenlândia pré-histórica antes do avanço da calota polar, região fria e envolta em muitos mistérios. 

Contos: Ubbo-Sathla (ponte para hiperbórea), A Chegada do Verme Branco, A Porta para Saturno, As Sete Obrigações.

Zothique: no futuro, os continentes voltam a se unir formando uma terra moribunda, onde o sol está escuro e manchado, cenário perfeito para seus contos. 

Contos: Uma Noite em Malnéant (ponte para histórias finais), O Ídolo Escuro, Necromancia em Naat, Morthylla.

É importante lembrar que essa divisão não é muito precisa e que suas temáticas se misturam às vezes. Citando, por exemplo, os Mitos de Cthulhu, que, seja direta ou indiretamente, estão presentes em muitos contos.

Além disso o livro terá muitos extras como biografia do autor, impressões pessoais escritas por seu enteado, poesias, e muito mais...

Cabe ressaltar que os desafios para lançar Smith foram enormes. Embora a Clock Tower atue desse 2013, essa é nossa primeira experiência na plataforma Catarse. E ter esse sucesso já no nosso primeiro projeto só foi possível graças ao apoio da Editora Diário Macabro. Além disso essa época da pandemia, o pagamento dos direitos autorais e outras coisas mais foram desafios que estão ficando para trás, num momento em que graças ao apoio de todos estamos próximos da meta (de fato, no fechamento desse artigo, a meta se encontrava com 90%, faltando ainda 48 dias). 


MT - Quais outros autores estão nos planos da Clock Tower para futuros lançamentos?


DC - Entre nossos planos está lançar um livro de contos de Robert E. Howard ambientado no Velho Oeste. Um subgênero que chamamos de Weird Western e que será o volume 2 do livro 'O Mundo Sombrio de Robert E. Howard'. Além disso, claro, muitos outros livros estão no prelo.


*     *     *

A seguir, você acompanha informações e o press release de "Além da Imaginação e do Tempo" que se encontra em Financiamento Coletivo no Catarse. 

Pela 1ª vez em português, um livro totalmente composto pela obra de Clark Ashton Smith, um dos maiores escritores de horror e fantasia de todos os tempos!

Clark Ashton Smith (1893-1961) foi poeta, escultor, pintor e autor americano de contos de fantasia, horror e ficção científica. Devido a problemas de fobia, ele teve uma vida pobre e reclusa, casando-se muito tarde. Morou quase toda sua vida na cidade de Auburn (Califórnia) com seus pais, que o incentivaram em uma vida de estudos autodidata. Smith foi um grande criador de mundos imaginários e criaturas incríveis, tendo concebido através da escultura seus monstros antes mesmo de transportá-los para o papel.

Contemporâneo, amigo e grande mestre de H.P. Lovecraft, ele escreveu também sobre os famosos “Mitos de Cthulhu”, uma espécie de clico literário de escritores de horror e fantasia da década de 1920, que publicava seus contos em revistas pulp, notadamente a Weird Tales. É um escritor muitíssimo admirado por grandes nomes da literatura como Robert Block, Ray Bradbury e Robert E. Howard.

O livro com os 14 contos mais importantes de Clark Ashton Smith terá aproximadamente 290 páginas, no formato 16 x 23 cm, acabamento brochura e papel pólen soft 80g/m².


Para conhecer mais detalhes à respeito desse Financiamento, basta clicar no link abaixo:

CATARSE - CLARK ASHTON SMITH

Pessoal, essa é uma excelente oportunidade para conhecer um dos maiores autores de Ficção e Horror de todos os tempos. Um expoente do Horror Cósmico que merece ser lido e melhor conhecido por todos os entusiastas do gênero.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Histórias Inusitadas - 10 Relatos estranhos para perder o sono


Como diz o ditado, o mundo real pode ser mais estranho que a ficção mais delirante. E também muitíssimo mais assustador.

Todos gostam de uma boa história de terror para ouvir e passar adiante, portanto não é nenhuma surpresa que milhares de pessoas ao redor do mundo compartilhem pequenas histórias assustadoras que juram ser reais. Não raramente, são histórias que envolvem morte, loucura e estranheza. Encontros perturbadores com um universo sinistro e imprevisível. Coisas bizarras que fazem visitas no meio da madrugada e se agarram à nossa imaginação desafiando nossa capacidade de lidar com aquilo que foge ao racional. São sombras que se destacam mesmo na escuridão, ruídos que nenhuma garganta humana poderia imitar e odores que remetem a pensamentos de perda e dor.

Aqui estão pequenas pérolas de sabedoria obscura contadas por pessoas que as viveram. Cabe ao leitor decidir por si mesmo se elas são verdade ou mentira.

Mas não seja rápido em julgar... é possível que um dia, você também tenha uma dessas histórias para contar, e mesmo sabendo que aconteceu, nem todos estarão dispostos a acreditar. 

1. Pesadelo Recorrente

Minha avó teve a vida inteira o mesmo pesadelo recorrente. Nesse sonho ela andava por um longo corredor escuro, virava à esquerda e abria uma porta, se deparando com algo horrível. Mas ela jamais conseguia lembrar o que havia no quarto pois despertava antes. Geralmente ofegante.

Quando estava com 40 anos, ela, meu avô, meu pai e tia saíram de viagem. Eles ficaram em um hotel de beira de estrada que tinha dois quartos disponíveis com camas de solteiro. Minha tia ficou com a minha avó, meu pai com meu avô.

Meu pai acordou por volta das 3 da manhã e sem saber exatamente porque, sentiu que algo não estava certo. Ele chamou no escuro pelo pai. Nenhuma resposta. Acendeu então a luz e perguntou mais alto. Ainda não havia resposta. Preocupado saiu da cama e sacudiu o pai. Ele não acordava!

Meu pai correu até o quarto onde estava minha avó e tia e começou a bater. Minha avó acordou e abriu a porta preocupada, ouviu então do filho: "Tem alguma coisa errada com o pai"!

Ela saiu pelo corredor longo e escuro, virou à esquerda e se ofegante se deparou com a porta do quarto. Ao abrir descobriu o marido morto na cama. Ataque cardíaco fulminante.

Mas daquela vez, ela não conseguiu despertar do pesadelo.

2. O Cavalinho de Madeira



Meu pai contou que quando tinha 8 ou 9 anos não conseguia dormir. Meus avós haviam comprado uma casa nova e acabado de se mudar. O quarto do meu pai era grande com uma cama de centro e um espaço enorme para brincar. 

Uma noite ele estava dormindo e foi acordado por um ruído. Virou-se e percebeu que um dos seus brinquedos favoritos, um cavalinho de madeira, estava balançando para frente e para trás como se alguém o embalasse. Ele ficou fazendo isso por um bom tempo, enquanto meu pai se encolhia de baixo das cobertas rezando para aquilo parar. Eventualmente, ele pegou no sono.

Na manhã seguinte quando acordou, respirou aliviado pois o Cavalinho estava guardado no armário. Ele tentou colocar na cabeça que tudo não passou de um sonho, mas na mesa do café da manhã, meu avô o repreendeu por ter ficado acordado até tarde brincando. O quarto deles ficava exatamente abaixo do quarto de brinquedos e eles ouviram o ruído do cavalinho de madeira até tarde da noite. 

3. A Ponte

Eu estava de férias com meu namorado. Nós estávamos passeando e paramos para observar a paisagem do alto de um mirante. Resolvemos ficar ali por alguns instantes pois o lugar era deslumbrante. 

Percebemos então que uma mulher vinha subindo as escadas na direção de onde estávamos. Era uma senhora de olhar tímido que se aproximou de nós dizendo "boa noite". Ela então se ofereceu para tirar nossa foto.

Nós agradecemos e ela sorriu ao devolver o celular. Ela foi então se afastando até chegar na outra extremidade do mirante, onde agilmente subiu no parapeito e se atirou lá embaixo. Não houve nem um segundo de hesitação. O som de uma pessoa batendo contra as pedras é algo que você não consegue esquecer.

O mais estranho é que a foto que ela tirou nos mostra com uma expressão triste e preocupada, embora eu lembre de que estávamos sorrindo.    
   
4. Sinal Vermelho



Estávamos voltando para casa tarde da noite. As ruas estavam desertas, mas mesmo assim meu colega que estava dirigindo parou num sinal vermelho. De repente, outro carro parou exatamente ao nosso lado ficando apenas alguns metros de distância.

Era um carro preto antigo, mas em perfeitas condições.

O motorista não se moveu ou olhou na nossa direção, apenas ficou olhando fixamente para frente como se não estivéssemos ali. Eu tive um sobressalto, mas não disse nada. Então o sinal abriu e ele foi embora.

Meu colega ficou paralisado por alguns instantes e não conseguia fazer o carro se mover. Eu perguntei o que tinha acontecido e ele confirmou a mesma impressão que eu tive quando olhei para o carro ao lado. O motorista tinha um par de chifres no topo da cabeça.   

5. "Você não deve responder"


Uma colega do trabalho tem um filho de 5 anos chamado Peter. Ela contou que Peter tinha pesadelos frequentes que o deixavam apavorado.  

Uma noite, John o marido dela, acordou e foi ver o que Peter queria pois o havia chamado. Era estranho pois o menino não chamou "Papai", como costumava fazer, mas gritou por "John". Ao chegar no quarto ele encontrou o menino dormindo. Ele o acordou para se certificar que estava tudo em ordem: "Peter, você estava me chamando? O que foi?". O menino ainda sonolento respondeu "Papai, quando eles chamam, você não deve responder. Não era eu!", e virou para o lado pegando no sono novamente.

Na manhã seguinte John perguntou ao filho a respeito daquilo e a criança disse que não lembrava.

John ainda tinha arrepios quando lembrava daquilo, sobretudo porque em retrospectiva, ele lembrou que a voz que o chamou realmente não parecia a voz de Peter. 

6. A Confissão Oculta



Meus pais compraram sua primeira casa em 1972. Era um imóvel que precisava de renovação, mas ainda assim valia o investimento. Eles decidiram começar a trabalhar nas reformas e se mudar quando estivesse tudo pronto.

Alguns dias antes da mudança, um dos vizinhos veio se apresentar a eles. Após conversarem por algum tempo, ficaram sabendo que a família que antes vivia lá, havia se mudado depois de um divórcio complicado. Eles haviam perdido seu segundo filho vítima da SMLS (Síndrome da Morte Súbita do Lactante), e o casamento foi por água abaixo. Eles se mudaram algum tempo depois. A mulher ficou com o filho de 6 anos e o mais triste é que o pai sequer o visitava. Meus pais ficaram horrorizados, sobretudo porque minha mãe estava grávida de 3 meses.

Mas eles decidiram esquecer a história. Não tinham nada com aquilo, afinal de contas. Eles estavam muito envolvidos em começar sua nova vida na sua nova casa. Minha mãe decidiu trocar o papel de parede do quarto que serviria para mim. Ele ainda estava novo, quase como se tivesse sido pendurado recentemente, tanto que meu pai sugeriu deixar como estava. Mas minha mãe insistiu em arrancar tudo e pintar o quarto. Quando ela começou a soltar o papel, seus olhos caíram sobre algo que fez seu sangue gelar. Escrito com lápis de cera, na altura dos olhos de uma criança, estava rabiscado em garranchos infantis as palavras: 

"Desculpa papai, fui eu que matei o bebê".    

7. O Necrotério

Eu trabalhava como faxineira no turno noturno do Necrotério de minha cidade. Era um trabalho como qualquer outro. Ou assim eu imaginava.

Uma das coisas que eu nunca consegui esquecer, foi quando vi o legista encarregado do turno da noite sair correndo pelo corredor à toda velocidade. O sujeito era um senhor gentil de meia idade com 50 e poucos anos. Um médico do interior... Ele não estava apenas correndo, estava em disparada. Eu nunca tinha visto alguém tão assustado. Estava branco e parecia prestes a desmaiar. Quando ele passou por mim, olhou na minha direção e gaguejou.


"Chega! Nunca mais! Nunca mais eu volto aqui!"

Ele manteve a palavra e nunca mais voltou a trabalhar lá. Sequer veio apanhar os objetos pessoais que foram enviados para sua casa pelo correio. 

Não sei o que é pior, que as pessoas levantassem suposições a respeito do que ele viu, ou que ele jamais tenha contado o que o assustou tanto. 

8. O Parquinho 



Eu trabalhava como zelador de um parquinho. Certo dia cheguei para o trabalho como fazia toda manhã por volta das 7:30. Quando abri o portão vi que havia uma mulher de pé perto dos brinquedos do parquinho. Eu me aproximei e então percebi que ela havia se enforcado na trave dos balanços, seus pés estavam pendendo no ar uns 10 centímetros do chão. 

Minha voz na ligação para a emergência soou estranha. O atendente pediu que eu me aproximasse e tocasse a face dela para confirmar se estava fria. Estava gelada e úmida pois havia chovido durante a madrugada.

A parte estranha é que bem diante do parque há uma creche para crianças. O lugar abre às 6:30 para que os pais à caminho do trabalho possam deixar os filhos lá. Aquele era um dia de semana, de modo que mais de uma centena de pais e filhos passaram na frente do portão e ninguém, absolutamente ninguém percebeu aquela mulher morta delicadamente balançando na trave.

9. A Carona

Quando eu era criança eu sempre era um dos últimos a ser buscado na escola. Nossa casa era distante e por isso meu pai chegava quando todos já haviam ido embora.

Um dia eu estava esperando, sentado no acostamento quando um carro encostou. O motorista baixou o vidro e me chamou pelo meu nome. Ele disse que era um colega do meu pai e que havia vindo me apanhar e dar uma carona. Eu achei aquilo estranho. Ele disse então meu endereço corretamente e que eu deveria acompanhá-lo pois meus pais não poderiam vir. Eu cheguei a levantar e colocar a mão na maçaneta, mas nesse momento congelei e dei um passo para trás.

"Vamos garoto, não tenho o dia todo" ele disse e eu senti uma apreensão enorme. Como se alguma coisa estivesse me avisando para não entrar no carro. Quando respondi que não ia a lugar nenhum ele fechou a cara e arrancou.

Cinco minutos depois o carro dos meus pais dobrou a esquina. Eles não sabiam de nada a respeito daquele sujeito. Nós fomos à polícia, fiz um retrato falado e demos queixa.

Nunca descobrimos quem ele era, o que queria e como ele sabia tanto a nosso respeito.

10. Alguém no quarto vazio



Isso não é algo que eu ouvi falar ou me contaram, aconteceu comigo e me apavora sempre que falo a respeito. Eu trabalhei como acompanhante de idosos por algum tempo e meu trabalho envolvia cuidar de uma senhora chamada Nancy que estava nos primeiros estágios de demência. 

Para facilitar nós havíamos instalado um monitor para bebês no quarto de Nancy para que pudéssemos ouvir quando ela levantava. Nós também tínhamos colocado pequenos sinos presos nos lençóis da cama de modo que quando ela fazia barulho eu podia ir até lá para ajudar. Era comum ouvir pelo aparelho de monitoramento ela conversar com o "tal homem" que ela dizia visitá-la. Perguntava "Quem é você?" e "O que você quer?" quando o quarto estava vazio. Uma noite nós estávamos na sala quando ouvimos o som dos sinos. É importante dizer que estávamos só nós duas na casa, as janelas estavam fechadas, não havia ventilador e o ar condicionado estava desligado. 

A senhora olhou na direção do quarto e disse para mim: "É o homem que me visita".

Eu aumentei o som do monitor e então ouvi um sussurro baixo mas perfeitamente discernível: "Nancy? Onde você está?

Eu sempre tive uma sensação desagradável naquela casa, com coisas saindo do lugar, portas e gavetas se abrindo e fechando, além do som de passos à noite quando todos estavam recolhidos. Eu fiquei feliz quando ela se mudou e não precisei mais dormir naquela casa.