sexta-feira, 3 de julho de 2020

O Árabe Louco - A Conturbada biografia de Abdul Al-Hazred


Introdução:

A seguinte biografia é um trabalho extenso concebido para o material idealizado pelos Professores Leonard J. Otis e Frederick Caldwel Owen. Pesquisando fontes na biblioteca Zohavat Fseh em Damasco, eles redigiram essa notável compilação. De acordo com seus registros tiveram acesso a diferentes cópias de fragmentos gregos traduzidos por Theodorus Philetas, além de textos originais em árabe sobre a genealogia de Al-Hazred. A pesquisa envolveu ainda o Livro de Eibon, o Sauthenerom, o Livro de Enoch entre outros documentos que são parte do valioso acervo da biblioteca. Infelizmente nenhum fragmento do documento original, o célebre Kitab al-Azif sobreviveu aos muitos expurgos e aos censores que o perseguiram através dos séculos. 

As várias fontes pesquisadas resultaram nessa extensa biografia sobre Abdallah al-Hazraj (mais conhecido pelo nome Abdul Al-Hazred, embora esse nome seja claramente uma corruptela). O leitor iniciado nos estudos ocultos possivelmente estará familiarizado com outras versões sobre a vida do "árabe louco" entre as quais a monografia do professor Henry Armitage "Uma Breve Biografia de Abdul Alhazred" (1931); a introdução de Theodorus Philetas para a edição grega do Necronomicon, estudada criteriosamente por Donald Tyson (1987), o tratado de Al Burux "Els Que Vigilen" (1998) e o livro de Rafael Lopes "El Novísimo Algazife" (2014), que contribuíram sobremaneira para expor trechos da vida de Al-Hazred

As conclusões de Otis & Owen aqui contidas são realmente controversas, mas elas são parte de um cuidadoso trabalho de pesquisa realizado em arquivos até então inacessíveis. Eles refletem um novo painel sobre a vida e as realizações, façanhas e perfídias cometidas por esse obscuro personagem da história. Não resta dúvidas que o trabalho oferece um fantástico panorama que nos força a reconsiderar e interpretar sob um novo ângulo certos aspectos da extraordinária vida daquele que foi considerado o primeiro Profeta dos Antigos.

Luis G. Abbadie
Reitor da Universidade de Salamanca 

"O texto à seguir, em parte ou na íntegra, não tem sua reprodução vedada, mas sua divulgação não é encorajada pelos autores"

1 - As Conquistas Árabes na véspera do nascimento de Al-Hazraj


A conquista árabe teve início ainda durante a vida de Maomé.

Em 630, pouco antes da adoção da fé islâmica por Abu Sufyan e pelo povo de Meca e dois anos após a morte do Profeta, os muçulmanos iniciaram a Conquista do Oriente Médio. Em 631, o calendário islâmico foi reformado: o ano passou a ser formado por 12 meses (e dali em diante, 11 dias mais curto que o ano solar), e a Hégira tornou-se data de referência para a Nova Era - a fuga de Maomé de Meca para Medina, que aconteceu no ano de 622 de acordo com o calendário Juliano.

Em 632, ano da morte de Maomé e nomeação de Abu Bakr, companheiro do Profeta como seu sucessor, Yezdigerd III, membro do Clã Sassanida, converteu-se e assim se tornou o primeiro "Califa dos Fiéis". No mesmo ano, seu exército invadiu a Síria Bizantina e a Palestina, bem como a Mesopotamia, declarando guerra contra os infiéis e dando início a um período de grande agitação. Em 634 eles tomaram territórios na Pérsia e da Asia Menor, sendo que em 635 conquistaram Damasco e em 636 as terras da Fenícia. As tropas do Califa foram divididas então em três partes: uma seguiu para o Egito, outra ficou na Síria, e uma terceira reserva permaneceu na Persia. No mesmo ano, boa parte da Mesopotamia caiu e os bizantinos cederam Jerusalem e Antioquia ao controle árabe.

Entretanto, algumas partes da Persia ainda permaneciam sob o controle dos clãs Hasanidas que professavam a crença Nestoriana, bem como tribos cristãs que não desejavam se converter à fé islâmica. Estas ofereceram resistência por quase três anos até serem cercadas em Nusaybin, capital de Beth Arabaye (Arabia). A cidade era um verdadeiro "paraíso na terra" e segundo consta, possuía uma das maiores academias de seu tempo (famosa nas áreas da matemática, astronomia e medicina). Entre seus habitantes estavam cientistas vindos de todas as partes do mundo antigo, que convergiam até aquele ponto para aprender com filósofos e doutores que dominavam raras modalidades de arte e ciência.

Não é difícil compreender porque os habitantes educados e tolerantes dessa terra se recusaram a voluntariamente se entregar diante de uma crescente horda de fanáticos quase em sua maioria iletrados. Os primeiros islâmicos tinham pouco a oferecer aos residentes de Nusaybin e estes se ressentiam do destino que os aguardava. Entretanto em 639, após um cerco, a capital enfim caiu, o que levou a uma gradual conquista de todo território de Beth Arabaya nos anos que se seguiram. Logo, a Arabia estaria totalmente sob o controle dos defensores da nova fé e dali em diante a bandeira da lua crescente iria tremular sobre toda Península. 

2. O pai: Jabir al-Hazraj


Foi nesse local e precisamente no período mais conturbado, nos três anos que se seguiram à queda de Nusaybin, no ano 21 da Hégira (correspondendo ao ano 642 do calendário gregoriano) que  Abdullah ibn Jabir al-Hazraj nasceu. 

Algumas fontes modernas apontam para algo completamente diferente. Afirmam que o local de nascimento de Al-Hazred seria Samma no atual Reino no Iemem, contudo pelo nome da família, a localização soa equivocada. O nome Al-Hazred é uma aliteração de al-Hazraj. Ele parece inviável como elemento designativo para indivíduos naturais do Iemen. O local mais adequado seria Nusaybin, onde inclusive constam extensos registros do clã al-Hazraj. O menino teria nascido com a pele clara e olhos verdes, o que fez com que os supersticiosos árabes o olhassem com desconfiança. Eles o chamavam de "filho de gênios", embora feições como as dele não fossem necessariamente algo incomum naquela cidade cosmopolita.

O pai, Jabir al-Hazraj (607-697), era um muçulmano de Yasrib (atual Medina), conhecido como um dos primeiros Colecionadores de Hadith - lendas a respeito do profeta Maomé. Sua erudição fez com que ele fosse despachado numa missão para catequizar o povo de Nusaybin. Lá ele se fixou na qualidade de intérprete religioso. 

Antes de se converter à nova fé, o clã al-Hazraj era devotado a um antigo  panteão, seguindo as deusas Manat e Uzza que mais tarde foram tratadas como entidades pagãs e declaradas como "Servas de Shaytan" (por definição, demoníacas aos olhos do Corão). É impossível dizer se Jabir era sincero em sua nova crença, mas é provável que sim. No entanto, existem suposições de que ele não abandonou por completo suas raízes pagãs, mantendo secretamente algumas de suas convicções originais.

Uma das fábulas escritas pelo pai de Al-Hazred parece especialmente marcante:

"Quando a noite chegar, proteja suas crianças, pois é esse o momento em que os demônios se aproximam para bater à porta. Tranquem essas portas com o sagrado nome de Alá. Só assim elas ficarão protegidas de Shaitan".

Não se sabe qual a opinião de Jabir à respeito do caminho profano que o filho decidiu seguir, mas é provável que, tendo vivido até uma idade avançada, ele estivesse ciente da obra de Al-Hazred. Só podemos imaginar que ao reler a fábula que ele próprio escreveu, Jabir tenha pensado consigo mesmo se trancou à tempo as portas para evitar a proximidade dos demônios que fascinaram sua criança.   

3. A mãe de Abdallah


A história não permitiu que o verdadeiro nome da mãe de Al-Hazred fosse conhecido.

Tudo que se sabe é que ela tinha origem armênia-persa e que era seguidora do Sabeísmo, um tipo de dogma cristão que venerava as estrelas. Em tempos antigos, o Sabeísmo foi popular na Babilônia e Assíria, tendo se espalhado pelo Oriente Médio. Os templos serviam como observatórios primitivos onde os fiéis contemplavam os céus. Cometas eram vistos como sinais dos deuses e o sistema de crenças incluía astrologia e vários rituais mágicos. Al-Hazred incluiu no Al Azif várias noções sobre astronomia que podem ter sido influenciadas pelas crenças pessoais de sua mãe.  

É difícil dizer se o casamento com Jabir foi consensual ou forçado. A esposa tinha apenas 15 anos de idade, enquanto o marido 35. Mas apesar de jovem, ela era letrada e continuou tendo acesso a boa educação após o matrimônio. De uma forma ou de outra, ela não era a única esposa de Jabir, e provavelmente ficou relegada a uma posição pouco favorável, ao menos até engravidar e dar ao marido um herdeiro. É provável que ela tenha engravidado de outras crianças, mas Al-Hazred foi com certeza seu primogênito.

O menino recebeu educação esmerada por parte do avô materno que tomou para si o papel de tutor. Segundo trechos de cartas, Al-Hazred aprendeu a escrever aos 8 anos e se tornou um ávido leitor, capaz de interpretar textos em árabe, persa e armênio. Ele se interessava em história e filosofia, e em menor grau por textos religiosos. 

Quando o menino ficou um pouco mais velho, ele se dedicou a pastorear cabras nos arredores de Nusaybin, empreendendo viagens a cidades próximas. Ele escreveu que dormia ao relento e quando o fazia, observava as estrelas imaginando quantos deuses misteriosos habitavam além do firmamento. Seus pensamentos convergiam para lugares remotos e em seus sonhos ele almejava revelar a face dos deuses.  

4. Fuga para a Armênia


O Califado seguiu em sua Guerra Santa para converter o maior número possível de terras e povos ao que julgavam ser a Fé Verdadeira. O exército islâmico invadiu a Líbia e a Argélia, conquistando ainda boa parte do Egito após uma sangrenta campanha militar. Em Alexandria, o Califa Osman subiu ao trono e tomou para si o comando da Expansão Árabe pelo Norte da África.

No entanto, em diferentes partes do Império, inclusive em Nusaybin, emergiram movimentos religiosos de resistência que foram brutalmente reprimidos. Inocentes ou não, alguns parentes maternos do menino Al-Hazred foram perseguidos por manter ligações com crenças religiosas banidas, inclusive o Sabeísmo. A mãe de al-Hazred teria aproveitado o fato do marido estar acompanhando a campanha no Egito para fugir. Ela se refugiou na Armênia na casa de parentes, levando consigo o filho, então com 13 anos. 

Esse evento seria um momento de grande mudança na vida do menino.

A Armênia estava passando por um período conturbado. Mas apesar de também estar sob o controle dos árabes Sassanidas, as leis no território eram significativamente menos rigorosas quanto a questões religiosas. Povos de diferentes crenças viviam em relativa tranquilidade sem se preocupar com expurgos e perseguições como acontecia em outras terras. Mesmo os Sabeístas eram tolerados e podiam se reunir para suas celebrações nos templos observatórios.

O adolescente Al-Hazred gozava de plena liberdade para vagar pela região. Foi nessa altura de sua vida que ele visitou as primeiras bibliotecas onde teve acesso a textos esotéricos. É possível que seus primeiros instrutores tenham sido religiosos sabeístas que lhe apresentaram documentos tidos como profanos e que relacionavam as estrelas à divindades que viviam além delas. Al-Hazred com 14 anos teve acesso a estes textos e apesar da pouca idade os compreendeu imediatamente. Isso o levou a buscar outros instrutores - indivíduos com fama de serem adivinhos, videntes e obviamente feiticeiros.

O rapaz teria ouvido atentamente as palavras de sábios considerados insanos e tidos como dementes que haviam sido arrebatados por visões de seres poderosos e criaturas não-humanas. Ele esteve em contato com exorcistas e demonologistas que os expulsaram ou cortejaram, magos e bruxos que conheciam seus nomes secretos. Supõe-se ainda que ele tenha entrado em contato com cultistas que veneravam os antigos e se curvavam diante deles, para deles receber benesses. Percebendo sua inusitada sensibilidade, transmitiram ao rapaz os primeiros fragmentos sobre o impronunciável saber apocalíptico do Mythos de Cthulhu.

Com a mente preenchida por esses conceitos absurdos, Al-Hazred sofreu um colapso. Enquanto convalescia em sua cama, experimentou sonhos terríveis, potencializados pelo uso de drogas poderosas e substâncias alucinógenas obtidas com feiticeiros. Em seus devaneios teria sentido as emanações psíquicas de Cthulhu pela primeira vez e a esmagadora presença dos Antigos à sua volta. Teria experimentado ainda uma alucinação na qual antevia seu fatídico destino, dilacerado décadas mais tarde por aqueles mesmos horrores. Tomado pela loucura, ele saiu de casa e passou a viver nas montanhas como um solitário eremita que uivava para a lua e mal dizia as estrelas.

5. O Início das Peregrinações


De acordo com registros do próprio Al-Hazred, ele viveu até os 19 anos como um eremita e um pária. Para a maioria, inclusive a mãe e o resto da família, ele havia simplesmente enlouquecido ou sido tomado por motivação diabólica.

Habitava uma caverna nas montanhas onde se aninhava na escuridão e só saía de lá após o cair da noite. Passava a maior parte de seu tempo em contemplação, meditando e interpretando as visões que atormentavam sua mente fraturada com revelações cada vez mais medonhas. Vivia em condições degradantes, comendo gafanhotos e bebendo água da chuva. Andava nu, em estado selvagem, com uma barba espessa, balbuciando palavras sem sentido que causavam terror em quem as ouvia. Chegou a ser capturado certa vez ao se aproximar demasiadamente de um vilarejo. Foi agarrado nos arredores de um cemitério, escavando a terra como um animal em busca de carniça. Ao se explicar disse que ouvia os sons dos recém mortos enterrados sob a terra e desejava compartilhar seus segredos. Recebeu como punição chibatadas e teria gargalhado a cada açoite. Assustados os aldeões resolveram soltá-lo, pois temiam que o rapaz pudesse lançar maldições sobre eles.

Passou a ser procurado por outros eremitas que ouviam suas palavras absortos pelo horror das suas narrativas. Al-Hazred revelava seus sonhos e portentos, adivinhando quando cada um morreria e em quais circunstâncias. Ganhou fama de vidente e em menor grau de curandeiro, já que ministrava raízes e substâncias a quem assim desejava.     

De acordo com o Al-Azif certo dia recebeu a notícia da morte de seu avô e que este havia legado uma pequena herança em seu nome. Não se sabe em que circunstâncias ele cobrou essa herança, mas sabe-se que quando entrou no vilarejo da família sua presença causou grande comoção. Crianças choravam e cães latiam, quando ele passava. A mãe lhe deu o que lhe havia sido prometido, mas implorou para que ele jamais voltasse, pois temia o que o filho havia se tornado.

A herança serviu para que Al-Hazred desse início a suas primeiras peregrinações. Com dinheiro suficiente ele podia realizar sua jornada em busca de sabedoria e conhecimento. Antes de ganhar estrada, ele teria realizado um ritual blasfemo nas montanhas no qual dançou ao redor de uma fogueira e cantou para os Outros Deuses, implorando que eles abençoassem sua peregrinação e abrissem os caminhos. Para muitos ele teria ali pactuado com as forças negras para que fosse protegido por elas. Como sacrifício teria perfurado um olho com um fragmento de obsidiana o mesmo que usou para mutilar os genitais como oferta de sua castidade.

O Al-Azif diz que ele chegou a Masis (aos pés do Monte Ararat) em fevereiro de 662. Não é de se surpreender que ele tenha passado quase um ano explorando essa região de grande significado religioso. Eventualmente ele encontrou um antigo santuário encravado no monte que era habitado por monges que se dedicavam ao serviço dos Antigos. Conheciam rituais devotados a Cthulhu, Tsathoggua e Yog-Sothoth que apresentaram ao recém chegado.

Al-Hazred recebeu permissão para estudar manuscritos contidos na biblioteca do Culto, muitos dos quais escritos em idiomas desconhecidos e línguas mortas que ele, de alguma forma era capaz de decifrar. Lia de modo febril cada pequena informação e transmitia aos monges que se surpreendiam com sua sabedoria profana. Alguns teriam se assustado de tal forma que se lançaram do alto de uma ravina após ouvirem suas traduções. Compilou nesse período um pequeno diário onde relatava descobertas, usando os mesmos caracteres talhados nos monólitos da macabra R'Lyeh.

Acordado certa noite pelo que julgou ser "um zumbido de mil moscas", ele se pôs de pé e abandonou intempestivamente o monastério que serviu de lar por pouco mais de um ano. Não se despediu de ninguém e não levou consigo nada mais do que alguns trapos e seu confuso diário coberto de glifos.

6. Aprendiz dos Grandes


Dali, a história salta alguns anos. O que ele fez nesse tempo é aberto a interpretações, mas é provável que ele tenha vagado pela região da atual Turquia sobrevivendo de bem pouco e captando o conhecimento que os Deuses decidiam lhe enviar. Seus sonhos eram conturbados e segundo suas memórias, não havia uma noite sequer em que não experimentava uma revelação. 

Seja como for, ele aparece posteriormente como discípulo de Pasagnates, um sábio bizantino conhecido por estudar o passado da Babilônia. Para muitos, o homem havia sido tocado pela mente dos lendários Yithianos que viviam, controlavam e falavam através dele. Segundo boatos, a mente de Al-Hazred quase foi cooptada por estes mesmos seres que habitam os remotos recessos do tempo, mas de alguma forma ele se provou mais forte e os repeliu.

Há um novo período de vácuo em suas memórias. Supostamente os anos que se seguiram até ele completar três décadas foram preenchidos com a exploração de ruínas, lugares perdidos e esquecidos. Ele esteve nas terras da Babilônia, Ur, Nippur e nos antigos sítios desabitados da Mesopotamia. Não se sabe de que forma, racional ou não, ele era capaz de ler os textos que tinha capacidade sobrenatural de encontrar. Ele afirmava ser guiado por forças superiores para encontrar os esconderijos desses tesouros de conhecimento atávico. Escavava a entrada de túmulos de pedra, mergulhava nas profundezas das câmaras mortuárias, vasculhava bibliotecas lacradas e emergia dessa escuridão trazendo consigo algum pedaço de informação ou texto milenar esquecido. Teria obtido assim páginas repletas de sabedoria perdida e pergaminhos com conhecimento do Mythos, relatado pelas mãos de escribas que há muitos séculos haviam virado pó.

Há menções de que ele teria conhecido o lendário mago Yak-Thoob explorando essas ruínas. Dele se tornou aprendiz, embora afirme-se que o célebre feiticeiro tenha morrido séculos antes. Seja como for, com ele aprendeu outros idiomas, inclusive a língua das serpentes, dos anjos e dos demônios. Idiomas que causavam repulsa, faziam o chão tremer e transformava água em sangue quando proferidos em voz alta. Traduziu para o árabe os Tabletes de Maklu e as Escrituras de Magan que anos depois serviriam como anexo para seu blasfemo Al-Azif.  

Quando concluiu esse aprendizado estava diferente: maduro, testado e sábio. Não era mais o mesmo homem ávido de conhecimento e com sede de experiência, mas ele próprio um feiticeiro íntimo dos poderes secretos, capaz de inscrever os símbolos arcanos no ar, na terra e no metal. Sua mão firme segurava a adaga para corar a garganta de sacrifícios humanos ou não, sem vacilar e sem conhecer remorso. Podia presidir rituais milenares, canalizava energias místicas que corriam pelo seu corpo, recitava os mais poderosos feitiços e controlava a vida e a morte com uma única palavra. Era rico, mas não se importava com os prazeres mundanos que o ouro podia lhe proporcionar. O verdadeiro Poder estava no mundo invisível, que apenas seus olhos mordazes eram capazes de enxergar. Invocava para seu círculo de magia criaturas não-humanas nativas de outras esferas e as compelia a obedecer. Da mesma forma, conjurava divindades além do tempo e espaço, para responder suas perguntas e partilhar seus mistérios.  

Ele se estabeleceu na cidade de Mosul (a ancestral Nineve) num enorme casarão que era evitado pelos residentes locais. Ainda assim, nenhum Qadi ousava desafiá-lo e o deixavam em paz ruminando seus devaneios. Certo dia decidiu visitar a Armênia de onde havia partido ainda jovem. Lá soube através de testemunhas que toda família (mãe, irmãos, primos) havia cometido suicídio após destruir suas posses, queimar as terras e envenenar os animais. Ninguém foi capaz de explicar que loucura havia acometido a família e as razões que levaram aquelas pessoas à tragédia. Al-Hazraj estava convencido de que a culpa pesava sobre seus ombros e que uma maldição se abateu naqueles que compartilhavam de seu sangue.

A história de Al-Hazred ainda não se concluiu, seu caminho ainda continua... 

5 comentários:

  1. Ótima postagem, no aguardo do resto da historia

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  2. Nossa magnífica estória, no aguardo dessa continuação.

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  3. Ótima conto, muito ansioso pela continuação.

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  4. muito interresante. sempre ouvi falar nesse personagem enquanto lia coisas sobre os mythos, mas conhecia muito pouco sobre ele.

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