As guerras trazem histórias de heroísmo e valor, e alguns dos mais marcantes momentos da história nascem nos campos de batalha. Ainda assim, em meio a todos esses momentos de bravura e façanhas espetaculares, alguns incidentes escapam ao nosso conhecimento e se perdem na história, ficando fadados a existir apenas na memória de quem os testemunhou ou dos poucos que ouviram relatos sobre eles. As guerras possuem centenas dessas ocorrências menores.
O estranho incidente narrado a seguir teria ocorrido na Segunda Guerra, quando uma sinistra e inexplicável série de crimes teve lugar num isolado vilarejo nos Alpes. A medida que o conflito se espalhava pela Europa, a Suíça estava em uma posição privilegiada. Sua neutralidade permitia que ela se mantivesse como uma entidade separada das Forças do Eixo e dos Aliados e dessa forma o país foi poupado da maioria dos horrores do conflito. Mas não completamente. Apesar da Suíça manter soldados guardando suas fronteiras, ela sofreu um bloqueio por parte da Alemanha que não permitia a entrada de pessoas e suprimentos, como resultado muitas cidades sofriam com a carestia. Além disso, em vários momentos o país acabou acidentalmente atingido tanto pela artilharia alemã quanto por bombardeios aliados.
Foi nesse lugar de montanhas majestosas e beleza de tirar o fôlego que nossa pequena história supostamente aconteceu. Ela foi relatada por testemunhas que afirmam ter presenciado em primeira mão os eventos ou ouvido de alguém ligado a ele. A história envolve uma companhia de soldados britânicos que foram incumbidos de entrar na Suíça para resgatar um oficial que havia conseguido cruzar a fronteira. Em meados de 1943 ele chegou até um pequeno vilarejo nos Alpes onde ficou escondido em segurança. Era um lugar extremamente isolado, com apenas 300 habitantes e incapaz de estabelecer comunicação com outros assentamentos. Pouco depois dos britânicos chegarem, uma nevasca varreu a região, causando bloqueios e deslizamentos que prenderam os soldados. A despeito da situação delicada, o Capitão que chefiava a missão conseguiu se instalar no pequeno vilarejo.
Com o passar das semanas o inverno se tornou cada vez mais severo. Para piorar, a localização do vilarejo, encravado entre duas montanhas fazia com que a luz do sol o tocasse apenas por algumas poucas horas do dia. O restante era marcado por uma escuridão semelhante a noite. Foi nessa atmosfera lúgubre de frio extremo e escuridão perene que coisas estranhas começaram a acontecer. Segundo os rumores, os aldeões começaram a reclamar que desde a chegada dos forasteiros, objetos se perdiam. No incidente mais grave, um valioso candelabro da igreja local desapareceu do altar causando grande irritação e acusações veladas. O Capitão perguntou aos seus homens se algum deles havia se envolvido nesses incidentes, mas todos insistiram que nada tinham com à ver com isso.
Ainda que estranhos os incidentes não mancharam a convivência, ao menos até uma criança desaparecer misteriosamente. Os aldeões fizeram uma busca na floresta nevada e praticamente em todas as casas, mas nada foi encontrado. No início pensou-se que o menino de 10 anos pudesse ter sofrido algum acidente enquanto explorava os arredores, afinal de contas o terreno podia ser traiçoeiro para uma criança sozinha. Mas então, dias depois, outra criança sumiu, e então outra. Os moradores ficaram aterrorizados. Alguns acreditavam que uma besta selvagem estava espreitando na floresta, talvez até uma matilha de lobos. Para aliviar os temores, o Capitão organizou um grupo de patrulha armado para vigiar o vilarejo. Embora eles não tenham visto nada remotamente suspeito, crianças continuaram a desaparecer.
Certa noite, um soldado britânico que fazia o patrulhamento também sumiu sem deixar vestígios. Era um soldado chamado Reginald de apenas 19 anos que desapareceu depois de se afastar para investigar um ruído suspeito ouvido na borda da floresta. Seus companheiros se espalharam pela mata procurando qualquer sinal dele: buscaram rastros, pegadas, alguma perturbação na neve... não acharam nada. Diante daquelas circunstâncias, foi inevitável que as pessoas começassem a buscar explicações sobrenaturais para o que estava acontecendo. Os aldeões sussurravam a respeito de forças malignas atraídas pela presença dos forasteiros, algo que teria despertado no coração da montanha disposto a espalhar morte e terror no coração dos homens.
Naquele ambiente frio e escuro, com crianças e soldados desaparecendo, rumores encontravam terreno fértil para proliferar. Falava-se de espíritos da montanha, entidades malignas capazes de possuir lobos para agir através deles com a astúcia que nenhuma fera possuía. Mas também se mencionava Revenants, mortos vivos que se erguem do solo dispostos a extrair vingança dos vivos ou ainda de demônios vindos diretamente do inferno com o intuito de causar o caos. No folclore suíço não faltam monstros e seres perversos que habitam as florestas e se aproximam das cidades para matar, comer e criar distúrbio. É claro, nem todos acreditavam em tais lendas, mas diante dos acontecimentos inexplicáveis, mesmo o mais cético começava a formular cenários até então imponderáveis.
Aqueles que ainda se negavam a aceitar um componente sobrenatural suspeitavam de que algum camponês ressentido com os britânicos pudesse estar fazendo aquilo para culpá-los. Enquanto isso, alguns dos moradores olhavam os forasteiros com uma suspeita cada vez maior, afinal de contas aquilo havia se iniciado depois da chegada deles.
Os soldados decidiram manter patrulhas regulares com homens armados que usavam senhas de identificação e tinham ordem de disparar se estas não fossem respondidas corretamente. Ainda assim, uma moça de 16 anos desapareceu e nenhum sinal dela foi encontrado. Quando a primavera se aproximava, o pior parecia ter passado. Havia entretanto um total de sete desaparecidos: cinco crianças entre 6 e 11 anos, a jovem moça e o Soldado Reginald. Os homens esperavam ansiosos para que a neve derretesse e pudessem partir, mas ainda assim, mantinham as patrulhas regularmente. Durante uma dessas patrulhas algo tenebroso aconteceu.
Perto da meia noite, uma família foi acordada por um barulho estranho na porta da casa. O pai abriu uma fresta da janela e então chocado se deparou com uma forma estranha que por sua vez estava tentando espiar para dentro da casa. O sujeito, que sem dúvida teve o susto de sua vida, descreveu a figura como um homem extremamente magro a ponto de ser cadavérico, com cabelos desgrenhados, pele pálida, olhos fundos e expressão como uma máscara de cera. Mais estranho ainda, estava nu, mesmo naquele clima severo. Quando o homem gritou aterrorizado, a coisa correu, meio de quatro, meio de pé e se afastou. Os soldados que estavam guardando a rua anexa ouviram os gritos e vieram em resposta. Encontraram rastros de pés descalço e os seguiram até a borda da floresta onde misteriosamente sumiam.
Os homens procuraram na área e o Capitão ordenou que eles não deixassem nenhuma árvore intocada, nenhuma pedra sem virar. Aldeões se juntaram à busca e durante horas empreenderam uma busca sistemática das imediações. Por volta do começo da tarde, um dos aldeões chamou os soldados, pois havia descoberto algo. A camada de gelo havia derretido o bastante para revelar o acesso a um túnel parcialmente encoberto. Este levava ao interior do que devia ser uma formação rochosa natural.
Os soldados se reuniram ao redor da entrada da caverna congelada para tentar discernir algo naquela escuridão impenetrável, sem saber o que poderia aguardar lá dentro. O Capitão mandou buscar lampiões e uma lanterna elétrica, escolheu três dos seus melhores homens, os equipou com metralhadora e pistolas, e decidiu descer com eles para explorar aquilo que parecia ser um perfeito esconderijo.
Os quatro sumiram na boca da caverna, engolidos pelas trevas perpétuas enquanto os demais aguardavam ansiosamente. Então, de repente, tiros! O ruído de disparos e o cheiro de pólvora confinada num ambiente exíguo chegou aos homens que esperavam. Um dos soldados desceu e observou enquanto um de seus companheiros voltava dizendo que algo havia sido encontrado. A expressão de horror e repulsa eram perceptíveis mesmo na luz pálida do lampião.
Poucos aldeões receberam permissão de descer naquele antro, mas o Capitão fez questão de que o Prefeito e duas outras testemunhas o fizessem. O restante da população do vilarejo teve de se contentar com o que eles contaram, já que logo depois de explorar o lugar a entrada da caverna foi dinamitada por ordem do Capitão.
Ao vasculhar o interior, os homens descobriam uma câmara natural de pedra que servia realmente de esconderijo para algo que desafiava descrição. Era um homem, ou ao menos parecia um. Ele vivia ali embrutecido como uma besta selvagem. Tinha um corpo magro e longilíneo, mas de alguma forma era forte e suficientemente resistente para suportar o rigor da estação com pouco mais do que algumas peles para se proteger. Não usava sapatos ou roupas e tinha um aspecto estranho, quase bestial. Quando os homens entraram na caverna se depararam com aquele homem-fera disposto a defender seu covil com unhas e dentes. Investiu saído das sombras, atirando-se sobre o grupo liderado pelo Capitão. Felizmente os soldados responderam à altura da ameaça. Uma saraivada da metralhadora o atingiu de raspão, mas ele só foi detido por múltiplos disparos de pistola à queima roupa quando uma luta corpo a corpo se iniciou. Alvejado ele ainda tentou escapar, mas uma segunda rajada deu cabo dele de uma vez por todas.
Ninguém no vilarejo sabia quem era o sujeito ou de onde havia vindo. Estava barbado e com os cabelos castanhos compridos. Cogitou-se após a descoberta de um uniforme alemão em farrapos na caverna que o homem seria um desertor e que teria cruzado a fronteira para se instalar na parte mais erma da floresta. Alguns imaginavam que ele poderia ter contraído alguma doença ou enlouquecido já que ficou sozinho por boa parte do inverno sem comida ou recursos. Não é estranho que homens em circunstâncias semelhantes acabassem dominados pela Síndrome da Cabana, uma condição mental que os conduz a psicose e atos de extrema violência. Ainda assim, segundo o relato do Capitão, a loucura daquele demônio ia além de qualquer neurose que ele já tivesse visto. Era insanidade em estado puro: alucinante e extremamente perigosa. Dava-lhe força e resistência absurdas, que lhe permitiram suportar disparos à queima roupa antes de tombar. Casos de homens-fera são conhecidos universalmente, mas sempre que um relato surge causa um misto de choque e terror.
O pior foi a constatação de que o homem-fera era realmente o culpado pelos desaparecimentos no vilarejo. No covil estavam os restos das crianças, da mocinha e do soldado Reginald, horrivelmente mutilados e destroçados por mãos e dentes ávidos por saciar uma fome bestial. Os corpos haviam sido parcialmente devorados, a carne comida crua e os ossos roídos como faria um animal selvagem. O fedor só não era pior porque o frio os havia congelado.
Os restos das vítimas foram removidos e enterrados no cemitério do vilarejo. Contudo, ninguém teve coragem de remexer no responsável por aquela atrocidade. Seu corpo foi largado na caverna que lhe serviu de esconderijo e que dali em diante seria o seu sepulcro. Melhor assim pois os camponeses temiam que se enterrado em outro lugar, ele pudesse voltar para atormentá-los. Diante de tudo que havia testemunhado, o Capitão não se sentia à vontade para discutir.
Com a chegada da Primavera o gelo derreteu e a unidade britânica enfim conseguiu atravessar a fronteira e ser resgatada, retornando com uma história que foi compartilhada apenas com o Alto Comando. Os oficiais teriam advertido os envolvidos a censurar a narrativa para que ela não se espalhasse entre os soldados. Afinal de contas, era uma história que poderia ser interessante para quem estivesse na segurança de seu lar, mas que não faria bem ao moral dos que serviam em áreas escuras do front.
É difícil acreditar em todos os elementos dessa narrativa macabra. Muitos trechos parecem fabricados para extrair da situação o máximo de terror; desde o ambiente lúgubre do vilarejo isolado até o terror de um canibal em busca de vítimas. Mas quem pode saber ao certo? Não há registros sobre o nome do vilarejo onde o episódio teria ocorrido e de quem participou dele. De fato, todas informações parecem convenientemente nubladas. A narrativa só veio à tona na década de 1960, através de rumores de pessoas que diziam conhecer alguém que esteve presente ou que relatou a terceiros o que havia transcorrido naquele inverno especialmente frio de 1943.
Ainda que a narrativa seja verdadeira, em parte ou no todo, ela não é mais estranha ou sanguinolenta que outros incidentes ocorridos em tempos de guerra. Durante o auge do conflito, atrocidades tendem a acontecer sem que sequer venhamos a saber e mesmo estas acabam esquecidas diante de outras ainda maiores.
Diz o ditado que a "Guerra é o inferno", deveríamos então nos chocar quando ela cria demônios?
Parece lenda urbana
ResponderExcluirAbs
Todas as guerras e revoluções como a revolução russa de 1920 forçaram o ser humano da zona rural ao canibalismo , o relato acima não é impossível , pelo contrário , é compreensível , só sabe o que é a fome quem passou por ela. Até nas guerras mais recentes como a guerra da Bósnia por exemplo , houve relados da prática do canibalismo.
ResponderExcluirUma pena.
Nossa isso dá uma aventura completa de vampiro!
ResponderExcluirDa um filme do caramba em
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