terça-feira, 15 de junho de 2021

As Fadas de Cottingly - Uma incrível farsa que perdurou por décadas



O mundo da Criptozoologia, na verdade do Universo Forteano em geral, está repleto de boatos, rumores e farsas. E muitas destas são alimentadas por registros fotográficos e de vídeo que envenenaram para sempre a admissão de tais provas. De fato, fotos se tornaram quase inúteis como evidência dos avistamentos de criptídeos, especialmente aquelas granuladas, manchadas ou fora de foco. Por conseguinte, mesmo as fotos potencialmente curiosas e capazes de suscitar dúvida, acabam desconsideradas.

Embora a disponibilidade de câmeras e ferramentas tecnológicas tenham tornado os boatos mais difundidos e convincentes do que nunca, isso não é de forma alguma um fenômeno novo. Na verdade, uma das primeiras farsas fotográficas de que se tem notícia pode ser rastreada até o início de 1900, quando uma dupla de meninas ofereceu fotografias notáveis ​​que capturaram a imaginação do público e tomaram o mundo de assalto. As fotos foram publicadas em todo mundo, com céticos e crentes se dividindo a respeito da veracidade das imagens. Em pouco tempo, elas se converteram nas fotos mais conhecidas da época e posteriormente numa das mais famosas farsas de que se tem notícia. 

A história por trás do que viria a ser conhecido como as Fotos das Fadas de Cottingl, teve início em 1917, em West Yorkshire, Inglaterra. Frances Griffith de apenas 9 anos e sua mãe haviam ido morar com o irmão desta, já que o marido estava servindo na Grande Guerra. Frances gostava de brincar com sua prima, Elsie Wright de 16 anos. Apesar da diferença de idade, as meninas se davam bem e passavam muito tempo juntas. Um de seus lugares favoritos para brincar era um riacho no bosque próximo onde as duas, por vezes, passavam o dia inteiro. 

Certo dia, as meninas retornaram para casa em um estado de agitação atípico. Contaram ter visto algo incrível naquele lugar bucólico e isolado. Tanto Elsie quanto Frances juravam ter encontrado pequenas fadas que dançaram, voaram e brincaram com elas de forma muito amigável. 

Não é nenhuma surpresa que os adultos não tenham levado à sério a história, mas as meninas foram inflexíveis no seu relato: haviam visto fadas. Por fim, Elsie declarou que poderia provar o que haviam visto se o pai lhes emprestasse a câmera para que tirassem algumas fotografias. O sujeito decidiu agradá-las e emprestou a câmera para as meninas, sem realmente esperar que algo pudesse sair disso. As meninas saíram no dia seguinte e voltaram algumas horas mais tarde dizendo que haviam conseguido capturar evidências fotográficas de seus encontros com as fadas. Como o Sr. Wright trabalhava como fotógrafo e tinha seu próprio quarto escuro em casa, ele se ofereceu para revelar o filme pessoalmente. 

O resultado era algo realmente peculiar!


A fotografia mostrava Frances atrás de um arbusto em primeiro plano e próximo de seu rosto uma pequena fada que a encarava. Wright estava cético para dizer o mínimo e acusou as meninas de usar algum tipo de truque para produzir a foto. As meninas insistiram que a fotografia era genuína e que tirariam mais fotos se tivessem o equipamento. Alguns dias mais tarde, elas voltaram dizendo ter conseguido tirar mais uma foto em que Elsie parecia conversar com um tipo de gnomo. Mais uma vez, Wright acusou as meninas de pregar nele uma peça, dizendo que era um truque ou que elas haviam arranjado uma forma de adulterar sua câmera. Ele então as proibiu de usá-la novamente. 

No entanto, sua esposa, Polly Wright, acreditou na história das meninas que continuavam repetindo sua versão. Isso talvez não fosse surpreendente, já que a Sra. Wright era seguidora de um movimento espiritual e filosófico chamado Teosofia, que entre outras crenças, acreditava na existência de fadas e outros espíritos silvestres. 

Dois anos mais tarde em 1919, a Sra. Wright participou de uma palestra da Sociedade Teosófica em Bradford, na qual o assunto eram fadas. Ela resolveu mostrar aos presentes as fotografias que sua filha e sobrinha haviam tirado e elas causaram grande sensação entre os presentes. As fotos eram tão impressionantes que o orador da palestra decidiu que elas deveriam ser examinadas pelo líder do movimento teosófico, o Sr. Edward Gardner. As placas de vidro das fotos foram então entregues por Gardner a um especialista em fotografia chamado Harold Snelling para análise. Snelling chegaria à conclusão de que as fotos eram de fato genuínas; não mostravam sinais de adulteração e até possuíam um leve borrão ao redor das figuras que parecia sugerir que as criaturas retratadas estavam se movendo quando as imagens foram colhidas. 

Ele escreveu em seu laudo a seguinte opinião: 

"Os dois negativos são derivados de fotografias inteiramente genuínas, sem nenhum vestígio de trabalho de estúdio envolvendo modelos de cartão ou papel. Esta placa apresenta uma única exposição. As figuras dançantes não são feitas de papel, cartolina ou tecido; eles não são pintados sobre o fundo fotográfico. O que mais me impressiona é que elas estão claramente em movimento. É minha opinião que as fotos evidenciam aquilo que estava diante da lente da câmera naquele momento."


Com o aval de um especialista renomado quanto a sua autenticidade, a popularidade das fotos disparou, e elas capturaram a imaginação do público, principalmente os espíritas. Uma pessoa que ficou particularmente impressionada com as fotos foi o autor britânico Sir Arthur Conan Doyle, famoso por criar o personagem Sherlock Holmes, e também um espiritualista ávido. Ele usou as fotografias para ilustrar um artigo que escreveu sobre fadas para a revista The Strand. Doyle estava convencido de que as imagens mostravam provas conclusivas sobre a existência de fadas. Junto com o líder dos teosofistas, Gardner, Doyle submeteu as fotos a especialistas da empresa de câmeras Kodak para uma segunda análise especializada. Os técnicos da Kodak chegaram à conclusão de que, embora as fotos não mostrassem sinais de adulteração ou falsificação, elas não constituíam necessariamente uma prova da existência de fadas e se recusaram a emitir um certificado de autenticidade. Frustrado, Doyle mandou analisar as fotos por outra empresa, a Ilford, que chegou à conclusão contrária de que certamente havia indícios de adulteração.

Encorajados pelas avaliações iniciais positivas de Snelling e da Kodak, Doyle e Gardner continuaram sua investigação. Embora Doyle tenha ficado paralisado ao se preparar para uma palestra que daria na Austrália, Gardner foi falar com a família Wright pessoalmente em 1920. O pai, o Sr. Wright, explicou que estava originalmente tão convencido de que as fotos eram falsas que chegou a vasculhar o quarto das meninas em busca de qualquer evidência de sua falsificação, mas não encontrou nenhum vestígio de qualquer truque. As meninas continuaram com sua história e Gardner chegou à conclusão de que as duas estavam falando a verdade. Ele posteriormente lhes forneceu câmeras avançadas e disse-lhes para tirar mais fotos das fadas com outra pessoa presente como testemunha, mas as meninas alegaram que as fadas não apareceriam se alguém além delas estivesse lá. 

As duas saíram por conta própria e acabaram capturando mais três fotos das fadas; uma mostrando uma fada alada tremulando perto do nariz de Frances, outro mostrando uma empoleirada em um galho, aparentemente oferecendo uma flor para Elsie e a última com fadas ao lado de algum tipo de casulo. 

Conan Doyle estava tão certo de que as fotos eram reais, que em certo ponto proclamou:

"O reconhecimento da existência dessas criaturas, as fadas, sacudirá a mente materialista do século XX de seus pesados ​​sulcos, e a fará admitir que existe um glamour e mistério no mundo. Tendo descoberto isso, o mundo não achará tão difícil aceitar a mensagem espiritual apoiada por fatos físicos que já foram apresentados a ela."

Basicamente Doyle esperava que ao provar a existência de algo incrível, as pessoas estariam dispostas  acreditar na existência de outras coisas, em especial a doutrina espiritualista e seus dogmas. Em um mundo em que fadas são reais, por que não acreditar em espíritos?


Em 1921, Doyle escreveu um artigo complementar ao seu primeiro, no qual falava sobre os avistamentos feitos por Frances e Elsie e expôs o quão fantástica era a “prova” fotográfica. Ele ainda iria escrever um livro sobre o tema intitulado "A Vinda das Fadas" (The Coming of the Fairies) lançado em 1922, em que se mostrava completamente obcecado com a ideia da existência desses seres. As novas fotos mais uma vez se tornaram populares entre o público, embora tenham recebido reações diversas. 

Ainda que muitos estivessem convencidos de que mostravam fadas reais, havia um bom número de céticos também, que apontaram uma variedade de problemas com as fotos, como o fato de que se pareciam com a imagem mais popular dos contos de fadas. Diziam ainda que elas estavam vestidas com roupas relativamente modernas. Finalmente, havia a suspeita mais óbvia, a de que elas se pareciam muito com recortes de papel bidimensionais. No entanto, muitos ficaram encantados com as imagens e os relatos das meninas. Havia algo de mágico, especial, surreal até em acreditar nas fotos, quase como um desejo de que elas fossem reais. Além disso, muitos acreditavam na sinceridade das crianças, afinal, elas não teriam maldade ou a engenhosidade para engendrar uma fraude daquelas. 

Nesse ínterim, Gardner fez uma nova visita à Família Wright, desta vez acompanhado por um famoso médium chamado Geoffrey Hodson, que afirmava ser capaz de ver fadas. Hodson disse ter sentido a presença das fadas no momento em que desembarcou na casa dos Wright e explorou os arredores. Ao fim da visita ele disse ter certeza absoluta da presença de fadas na floresta próxima. Contudo afirmou que as mesmas não iriam se manifestar fisicamente, fosse para ele ou qualquer outra pessoa. Apenas as crianças poderiam vê-las, pois as criaturas confiavam nelas. Qualquer tentativa de forçá-las a aparecer poderia arruinar essa confiança e estragar a relação estabelecida.

Apesar do intenso interesse e do debate que se formou em torno das fotografias das Fadas de Cottingly, sua popularidade começou a diminuir. Elsie e Frances cresceram, casaram e foram morar no exterior. Seus dias de fama, como Amigas de Fadas foram ficando para trás. 

Apenas em 1966, um repórter do jornal Daily Express rastreou Elsie e conseguiu marcar com ela uma entrevista sobre todo o fenômeno. Foi então que os primeiros indícios de uma admissão de farsa vieram à tona. Elsie admitiu que as fadas poderiam ter sido fruto de sua imaginação, embora ela ainda afirmasse que poderia de alguma forma ter projetado seus pensamentos e os capturado em filme. O artigo resultante despertou o interesse da mídia mais uma vez e, apesar das entrevistas e do escrutínio, Frances e Elsie continuaram a afirmar que as fotos não eram falsas. A incerteza e o debate continuaria por mais uma década antes que qualquer resposta conclusiva fosse alcançada.


Em 1978, o mágico profissional e cético James Randi mencionou que as fadas nas fotografias de Cottingly eram estranhamente semelhantes em aparência às encontradas num livro infantil, "Princesa Mary's Gift Book", publicado em 1915. Randi também examinou as fotos com uma equipe do Comitê para a Investigação Científica de Alegações do Paranormal, e descobriu que havia evidências claras de cordas segurando as fadas e até mesmo buracos no que pareciam ser recortes. 

Mesmo assim, algumas pessoas continuaram a acreditar que as fotos fossem reais. Foi só no início dos anos 1980 que Frances e Elsie finalmente reconheceram que falsificaram as fotos usando recortes de papelão do livro infantil e criando asas para eles, após o que foram suspensas por alfinetes de chapéu. Depois que as fotos foram tiradas, eles descartaram as evidências no riacho. Quando questionadas por que haviam ficado caladas sobre a farsa por tanto tempo, eles explicaram que era porque se sentiram mal em enganar o estimado autor Sir Arthur Conan Doyle e não queriam envergonhá-lo. Nenhuma das duas esperavam que a brincadeira fosse tão longe, e expressaram perplexidade quanto ao motivo pelo qual as fotos foram tão amplamente aceitas e acreditadas, apesar de serem o que elas próprias consideravam falsificações óbvias. 

Estranhamente, embora ambas concordassem que as primeiras quatro fotos eram falsas, eles discordaram na quinta, com Elsie dizendo que também era uma farsa, enquanto Frances sustentava que aquela era real. Também estranho foi o fato de que, embora admitissem ter falsificado as fotos, as duas sustentavam que tinham realmente visto fadas e que elas existiam na floresta de Cottingly.

Hoje em dia, olhando para as infames fotos de Cottingly, é realmente difícil imaginar como alguém poderia sequer considerar que elas fossem reais. As imagens mostram claramente recortes de papelão, em alguns casos com orifícios e alfinetes visíveis. Esse é o tipo de foto que ganharia imediatamente um carimbo de "FALSO!" se apresentadas agora. No entanto, deve ser entendido que, quando elas circularam pela primeira vez, a fotografia ainda era uma tecnologia relativamente nova e as pessoas não estavam tão acostumadas a vê-las ou analisá-las como agora. Talvez também as pessoas fossem mais crentes naquela época, menos desconfiadas... 

Como elas ainda podiam ser consideradas reais na década de 1970 e até mesmo na década de 80, já é outra história. Talvez as pessoas estivessem dispostas ou interessadas em acreditar... mais que isso, queriam crer na existência de algo mais, além do que podemos ver e perceber como real, no mundo.

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