quarta-feira, 2 de junho de 2021

RPG do Mês: Vaesen - A caçada às Fadas vai começar


Aconteceu no auge do século XIX... 

No despertar de uma nova Era de Progresso e Modernidade, antigas tradições estavam sendo contestadas pela primeira vez. Por séculos, os povos da Escandinávia viveram lado a lado com os Vaesen, seres sobrenaturais que habitam as regiões intocadas do mundo. Por incontáveis gerações os vaesen estiveram lá, ainda que nem todos fossem capazes de vê-los, sua presença era sentida. Eles ajudavam as pessoas: protegiam as florestas, abençoavam os campos e domavam animais.  As pessoas não tinham dúvidas sobre sua existência e prestavam a eles homenagem, senão pelo respeito, pelo temor de desagradá-los.

Mas a Escandinávia começou a mudar rapidamente, uma transformação profunda causada pela indústria e pela guerra, uma verdadeira revolução no modo de pensar, de agir e de enxergar o mundo. O homem não estava mais satisfeito em ser um coadjuvante, ele desejava a primazia. A relação íntima entre os Homens e os Vaesen se rompeu e nunca foi tão conturbada. As antigas tradições foram enterradas, as pessoas deixaram de se importar com os velhos costumes e os Vaesen se ressentiram dessa falta. Eles se tornaram agressivos, sanguinários, perversos - roubando crianças no meio da noite, destruindo fazendas, incendiando colheitas e assustando os animais. Em sua ira, eles mostraram seu real poder e volatilidade. Com as dádivas sobrenaturais voltadas para ferir, macular e atrapalhar os humanos, os vaesen se converteram em um terror muito real. Uma punição pela sua ousada ruptura. Os Vaesen em todas suas formas e identidades - Sereias e Lobisomens, Trolls e Revenants, Goblins e Krakens se tornaram uma grande ameaça para todos. E uma solução precisava ser oferecida!

Esta veio na forma da Sociedade.

O encontro com um Vaesen pode ser uma experiência traumática que deixa cicatrizes profundas na alma. Quando uma pessoa encontra uma dessas criaturas (e sobrevive) ela pode ganhar uma dúbia benção, na forma do que chamam "A Visão". Estas pessoas, podem ter testemunhado a terrível transformação de uma pessoa em lobisomem, podem ter resistido ao canto hipnótico de sereias ou ainda sobrevivido ao ataque de fadas. Seja lá o que for, esse incidente os transformou em "Crianças da Quinta Feira", aqueles que podem ver, sentir e se envolver com os Vaesen.


A Sociedade recruta essas pessoas e as reúne em seu Quartel General, no velho e decadente Castelo  Gyllencreutz nas margens do Rio Fyris na cidade sueca de Upsala. Conhecida pela monumental Catedral Gótica, pela renomada Universidade e pela sua modernidade, Upsala é uma espécie de símbolo da racionalidade dos novos tempos. Não poderia, portanto, haver lugar mais adequado para essa ordem se instalar. A Sociedade conta com homens e mulheres que se dedicaram ao estudo, compreensão e eliminação dos Vaesen. Ao longo de sua existência, seus membros viajaram por toda Escandinávia catalogando e enfrentando essas criaturas. Algumas vezes eles tiveram sucesso na empreitada, em outras não.

Há cerca de dez anos atrás, a Sociedade sofreu a sua mais amarga derrota, uma que causou a queda do grupo. A sede da ordem, até então um baluarte de segurança, foi atacada por poderosos Vaesen que invadiram o Castelo, mataram membros e arruinaram os registros colhidos por seus membros. Ao fim da investida, a Sociedade estava arruinada e os sobreviventes se dispersaram ou abandonaram de vez a caçada. Alguns sumiram e outros tiveram de ser internados em manicômios.

Mas a Escandinávia, mais do que nunca precisa existir. Como membros da Nova Sociedade reconstruída e redefinida, um grupo de bravos aventureiros terão de dar prosseguimento à luta. Eles terão de viajar pelas regiões mais isoladas da Escandinávia, procurando os vaesen em seus covis, compreender suas razões e fazer o possível para deter suas depredações. 

A caçada vai começar, bem vindos ao mundo de Vaesen!


Esta é a ambientação de Vaesen - Nordic Horror Roleplaying, um jogo de RPG de horror investigativo e folclore na Escandinávia no século XIX. A ambientação é baseada no livro "Vaesen: Spirits and Monsters of Scandinavian Folklore", uma coleção de belíssimas ilustrações, concebida por Johan Egerkrans e publicado pela editora Free League Publishing.

Para quem está em sintonia com o mercado do RPG mundo afora, já deve saber que a Free League (também conhecida como Fria Liga) vem ganhando cada vez mais atenção e espaço como uma empresa que vale a pena seguir. Ela começou a chamar a atenção com o incrível Tales from the Loop, seguiu em frente com Coriolis, e lançou mais recentemente o elogiado Forbidden Lands e o sensacional Alien RPG. Não é exagero dizer que a Free League, empresa sediada na gélida Suécia, está se tornando aquilo que há de mais quente no mercado internacional de RPG. E como esses Suecos inventam jogos legais!

O sistema base de Vaesen é o mesmo que a Free League vem utilizando em todas suas plataformas desde o seminal Mutant: Year Zero (outro de seus sucessos). É claro, em cada ambientação as regras básicas recebem alguma modulação que adapta o sistema à proposta do jogo em questão. Entretanto, em essência, o sistema repaginado pode ser facilmente reconhecido. Ou seja, quem jogou outro título da Free League, não terá dificuldade em compreender o funcionamento de Vaesen. Mas vamos falar dos pormenores do sistema mais adiante.

Embora a meu ver mais adequado a cenários one-shot, Vaesen é desenhado para ter a forma de campanha, com os personagens progredindo e ao longo de várias histórias desvendando mistérios e revelando segredos. Os jogadores criam personagens que serão investigadores da Sociedade, e não apenas novos recrutas, mas os patrocinadores de seu ressurgimento. Esse é um ponto que realmente difere Vaesen de outros jogos com uma proposta semelhante contemplando os jogadores como membros de um grupo especial de pessoas. Na maioria dos jogos a proposta é que os personagens "comecem por baixo", como recrutas inexperientes que aos poucos, no decorrer das histórias vão aprendendo seu trabalho. Em Vaesen, os personagens são a Sociedade. Eles são os membros que estão tentando reconstruir a ordem e deles depende o sucesso ou fracasso da Organização. 


Embora pareça uma diferença sutil, isso faz toda diferença dentro da proposta de Vaesen. Basicamente, cada grupo inicia a campanha no mesmo ponto: recebendo as chaves do Castelo Gyllencreutz que funciona como base de operações da Sociedade. A partir daí, serão eles quem terão de organizar as expedições, escolher os casos que pretendem investigar e lidar com as implicações deles. Não há um superior que possa ajudá-los ou um chefe que oferece as missões, o grupo é quem decide quais serão seus próximos passos. Simplesmente explorar o castelo e seus segredos pode dar vazão a uma ou mais aventuras: descobrir uma passagem secreta, encontrar um arquivo perdido ou um antigo associado que um dia fez parte da Sociedade. Da mesma maneira, os investigadores também terão de convencer antigos contatos e pessoas ligadas a Sociedade de que eles estão lá para continuar o trabalho. Isso pode gerar assunto para vários cenários. 

É uma abordagem muitíssimo interessante, sobretudo porque a maioria dos RPG que envolvem personagens se juntando a uma organização/sociedade secreta (Delta Green, Knights Black Agents, Exoterrorists, para citar apenas três), pressupõem que os jogadores sempre começam sua carreira como "recrutas". Essa mudança de foco, de recruta para um responsável direto pela organização, é uma ideias muito original de Vaesen e uma das que me conquistou.

O segundo ponto extremamente original e que me fisgou imediatamente na ambientação diz respeito aos métodos empregados pelos investigadores para enfrentar os Vaesen. A maioria dos RPG pressupõe que uma ameaça é contida através do enfrentamento direto. Para isso, os personagens possuem habilidades e capacidades marciais que irão lhes auxiliar nessa tarefa. Isso porque se espera um "final showdown" na maioria das aventuras. Os personagens quando descobrem o suficiente a respeito de um oponente vão até ele, com armas brilhando para o derradeiro confronto.

Em Vaesen, embora isso seja possível, há um elemento adicional que faz toda diferença, mais uma vez um detalhe sutil quanto a abordagem.

É importante entender que os Vaesen são extremamente poderosos e quase todos eles são invulneráveis a armas e ataques normais. Isso significa dizer que não importa que o grupo tenha acesso a armas de fogo potentes, espingardas e explosivos, nada disso fará a menor diferença contra um Vaesen. Para derrotar essas criaturas os investigadores precisarão ser mais espertos do que elas, o que envolve, descobrir seus pontos fracos. Cada criatura em Vaesen possui um proverbial "Calcanhar de Aquiles", algo que torna possível derrotá-las de uma vez por todas. Se o grupo souber o que derrota um Vaesen poderá empregar essa informação contra ele e derrotá-lo.


A grande questão, no entanto, é: Como descobrir essa fraqueza? 

Esse é mais um dos pontos altos de Vaesen. As aventuras envolvem diferentes camadas de sutileza, investigação e pesquisa. Identificar a criatura, conhecer seus hábitos, entrevistar testemunhas, apurar informações e correlacionar dados são tarefas essenciais para derrotar o inimigo. Ao passo que, se o grupo for para um confronto sem ter conseguido as informações, eles provavelmente sofrerão uma completa derrota. Para tornar tudo ainda mais interessante, cada Vaesen mantém oculto e protegida a sua fraqueza e encontrar o segredo para derrotar cada ameaça é uma das partes mais interessantes de uma aventura de Vaesen. Talvez o grupo tenha de visitar a biblioteca, checar antigos casos, verificar testemunhos e só então formar a sua teoria. Tudo isso, faz com que a aventura seja mais do que simplesmente encurralar o monstro e derrotá-lo no combate direto.

Mas mesmo sabendo quais são os pontos fracos do Vaesen, não há qualquer garantia de sucesso. Essas criaturas são ardilosas, espertas e cheias de surpresa. À despeito da coragem, convicção e habilidades de lidar com o sobrenatural, os membros da Sociedade estarão em séria desvantagem. Os estranhos poderes  dos Vaesen dão a eles um trunfo considerável, entretanto o dever e o desejo por compreender irá guiar os membros da Sociedade para embates inesquecíveis.

Uma típica aventura de Vaesen envolve portanto tomar ciência do mistério, pesquisar, buscar informações e só então, de posse de todo um arcabouço intelectual, partir para campo e tentar conter a ameaça. Essa proposta faz todo sentido e constitui um dos atrativos do jogo.

As criaturas de Vaesen, os Vaesen propriamente ditos, também são um atrativo à parte. Aqueles que são veteranos de outros RPG, com certeza reconhecerão algumas criaturas presentes em outras ambientações. Saberão com certeza qual o ponto fraco de um lobisomem ou talvez de um troll, mas o fato de se tratar de um jogo dedicado ao folclore nórdico apresenta uma coleção de criaturas estranhas e desconhecidas. Nisse, Brook Horse, Church Grim, monstros presentes no livro básico, são diletos desconhecidos do grande público, sobretudo em terras brasileiras, e descobrir suas capacidades, poderes e fraquezas será um exercício bastante interessante. 


O livro básico introduz uma menagerie de 21 criaturas divididas em grupos que incluem classes de criaturas: espíritos da natureza, familiares, trocadores de forma, espíritos dos mortos e monstros. Cada monstro é descrito em duas páginas, no qual, são apresentados em detalhes para que o narrador possa se familiarizar a eles. Junto com o texto encontramos descrição, lista de poderes mágicos, Condições se eles forem feridos e quais os Rituais que podem ser utilizados para expor suas fraquezas e derrotá-los. Cada criatura também vem acompanhada de uma lista de ganchos com sugestões de como as criaturas podem ser usadas num cenário. Um adendo interessante é que existem regras para construir seus próprios Vaesen e incorporar entidades de outros folclores ao jogo. 

Isso nos leva a um ponto chave: Vaesen funciona melhor se apenas o mestre tiver acesso ao material. Ou seja, quanto menos os jogadores lerem ou souberem da ambientação, melhor. Assim como Chamado de Cthulhu, manter o sigilo a respeito da identidade e os detalhes sobre as criaturas, é essencial para preservar os segredos e garantir a diversão. O jogo não apenas depende disso, ele conta com isso. 

Sendo assim vale a pena reforçar para quem se candidatar a narrar esse jogo. Não deixe ele sobre a mesa para os jogadores terem acesso ilimitado, sobretudo o capítulo das criaturas. Esse é um livro que apenas o narrador deve folhear.

Enquanto eu explicava esses pormenores ao meu grupo habitual de jogo, um dos jogadores fez uma pergunta pertinente: "Ok, mas se os personagens não conseguem enfrentar os monstros, qual o sentido de fazer um guerreiro (ou equivalente)?"

Apesar da maioria dos Vaesen serem inimigos praticamente invencíveis, há espaço para "personagens de ação" brilharem. Isso porque haverão inimigos "intermediários" antes de se enfrentar o boss. Muitas vezes, os Vaesen controlam criaturas menores, animais selvagens e pessoas, sejam elas cultistas, gente mau intencionada ou pessoas manipuladas. Então sim, há espaço para ação e perigo em doses generosas.

Mas que tipo de personagens figuram nesse jogo?


Um investigador em Vaesen é definido por sua idade que irá ensejar em um determinado número de pontos para distribuir em Atributos e Habilidades. Cada investigador tem uma ocupação ou estereótipo que fornece o esqueleto como uma "classe". A seguir ele escolhe uma Motivação, um Trauma e um Segredo Obscuro, finalmente opta por um Talento, estabelece as relações com os demais jogadores, define uma Lembrança e compra Equipamentos. Tudo é muito simples e direcionado, de modo que gerenciar a parte mecânica é tranquilo, permitindo tempo de sobra para dedicar ao background.

São quatro os Atributos base, à saber: Físico, Precisão, Lógica e Empatia, sendo que estes são definidos entre valores de dois a cinco. As habilidades também vão até cinco. A Motivação explica as razões pelas quais os seu investigador se dedica à caçada, enquanto Trauma explica como ele ganhou a "visão" que lhe permite enxergar os Vaesen. Já o Segredo Obscuro é algo que seu personagem pretende manter para si mesmo e não quer que ninguém saiba. Os Talentos são dons únicos dos personagens, ligados ao estereótipo escolhido como profissão ou algo mais geral, que fornecem vantagens em determinadas situações. A Lembrança (Memento) é um objeto pessoal que ajuda a superar condições adversas apegando-se a ao que eles representam. O livro fornece dez opções de Arquétipos que são bastante adequadas, senão previsíveis para esse tipo de ambientação - Acadêmico, Autor, Caçador, Criado, Detetive, Médico, Militar, Ocultista, Padre e Vagabundo.     

Criar um personagem é incrivelmente rápido, mas há meios de tornar tudo ainda mais rápido. O livro oferece a opção de rolar todos os resultados em tabelas e deixar a sorte decidir, criando depois uma história para explicar esse "frankenstein". Particularmente eu não gosto muito desse tipo de criação em linha de montagem, mas reconheço que as tabelas tem boas sugestões. Para quem está meios em paciência, é um método que acelera as coisas.

Mecanicamente, Vaesen roda com o mesmo motor presente nos jogos da Free League. O sistema contempla uma rolagem de dados, cuja quantidade é determinada pelo Atributo + Habilidade + Bônus ou Penalidades definidas pelo Narrador. Para ser bem sucedido, tudo que se precisa é de pelo menos um seis. Em algumas raras ocasiões ele precisará de mais de um seis, mas em geral, um resultado positivo já é o bastante. Os sucessos extras acumulados podem ser usados para garantir efeitos, informações adicionais, aumentar o dano ou causar stress no oponente. 

No papel, o sistema parece funcionar bem, mas já ouvi alguns comentários de quem testou em mesa afirmando que o sucesso nos rolamentos são bem difíceis e que os personagens acabam se tornando pouco eficientes. Por um lado entendo que tal coisa pode ser frustrante, mas por outro suponho que isso tenha a ver com a tentativa de simular um certo grau de impotência diante das forças do destino. Se é isso mesmo, só vou saber quando testar, e até lá, essa explicação parece perfeitamente conveniente.


De qualquer maneira, Vaesen contempla a regra do jogador re-rolar os testes em que falhou, forçando a sua sorte e tentando no desespero ser bem sucedido. Ao forçar um teste, os personagens recebem condições Físicas (exaustão, maus tratos e Ferimento) ou mentais (Raiva, Medo e Impotência) que começam a pesar sobre suas ações.  As condições em termos de mecânica reduzem a quantidade de dados a serem rolados e se você colecionar quatro delas, seu personagem estará fora de ação. 

O Combate em Vaesen usa uma mecânica similar, mas acrescenta alguns ajustes no que diz respeito a iniciativa e ações. A ordem de iniciativa é sorteada usando um conjunto de cartas que vão de um a dez. Quanto menor o número, mais cedo o personagem poderá agir em sua rodada. As ações aõ divididas em uma Rápida e uma Lenta. A primeira pode ser usada para esquivar, bloquear, preparar ataque, correr, mirar e assim por diante. A segunda diz respeito ao ataque propriamente dito, provocar, persuadir ou tentar qualquer outra coisa que exige uma ação mais elaborada.       

Assim como acontece quando o personagem está sob stress por forçar um teste, ele recebe Condições quando é atacado. Quando quatro Condições são acumuladas, sejam elas Físicas ou Mentais - o personagem está não apenas fora de combate como Criticamente Ferido. Uma tabela dividida em Físico e Mental determina aleatoriamente o que aconteceu. Esses danos críticos podem ocasionar desvantagens de longa duração ou resultarem em uma fatalidade. Isso significa que um personagem pode carregar para sempre as marcas deixadas por um combate na forma de danos físicos ou sequelas psicológicas. Após as aventuras, de volta à segurança de seu QG em Upsala é possível tentar tratar dos problemas, mas tal coisa é difícil e demanda tempo e dedicação. De um ponto de vista prático, esses problemas fazem todo sentido, ninguém espera que um humano entre em contato com os Vaesen e saia incólume.

Um ponto adicional que precisa ser salientado é que Vaesen é um jogo de Horror, portanto, existe uma regra específica para Testes de Medo. Dependendo da situação o jogador será forçado a testar sua Empatia ou Lógica. Situações mais tensas exigem mais sucessos ou impõem redutores nos dados a serem rolados, o que torna as coisas bastante interessantes (senão perigosas). Uma falha num Teste de Medo ocasiona uma condição que obriga o personagem a fugir, ficar paralisado, reagir com uma explosão emocional, entre outras coisas. A mecânica é bastante funcional e simples de ser implementada na mesa e já suponho que o Narrador terá várias opções para se divertir com o infortúnio dos jogadores (eu sei que vou).

Há chances dos personagens melhorarem com o tempo e progredir em suas habilidades. O sistema oferece pontos de experiência que poderão ser usados para aumentar as estatísticas, comprar novos Talentos e melhorar a condição geral dos personagens. A Experiência, como sempre é dada no final de uma sessão e envolve uma análise do que os jogadores viram, o que aprenderam e como se comportaram no decorrer do jogo. 


Outro elemento muito interessante e que me chamou a atenção diz respeito a como os jogadores se relacionam com sua Base de Operações, o Castelo Gyllencreutz. Em Vaesen, o Quartel General da Sociedade é quase que um personagem à parte, e assim como os investigadores, ele também pode ser melhorado e moldado para auxiliar nas aventuras. Com pontos obtidos, os personagens podem providenciar upgrades no Castelo, seja um Arsenal, uma Sala de Mapas ou uma nova Biblioteca. Podem também contratar novos empregados, obter uma linha de crédito bancário, estabelecer aliados ou ainda contatos que ajudam nas próximas aventuras. Essa mecânica, chupada de Mutant Year Zero (onde é possível aprimorar a colônia de sobreviventes) é algo incrível e uma sacada sensacional de Vaesen. Os próprios jogadores usam sua experiência para aprimorar o local em que trabalham, fazendo com que ele progrida junto com eles. 

As melhorias do Castelo também podem ensejar em descobertas e ganchos para futuras aventuras. Imagine que durante as reformas para construção de uma Sala de Treinamento uma parede revela uma passagem secreta: o que existe lá dentro? Por que o lugar foi lacrado? Da mesma maneira, ao expandir a Biblioteca, a Sociedade consegue um livro que fornece uma pista vital para uma nova aventura. Ou quem sabe, um dos cães adquiridos para compor o canil, seja um Vaesen disfarçado?  As opções são tantas e as ideias são tamanhas que nem é bom falar para não estragar a diversão. 

A própria Sociedade que os personagens tentam reerguer é uma entidade viva. Os personagens (e com sorte, os jogadores) vão aos poucos descobrindo quem eram seus membros: o que faziam, como viviam, no que se envolveram e qual o seu paradeiro atual.  Eventualmente, as aventuras irão envolver encontrar esses membros originais e dar prosseguimento em suas investigações. O livro fornece um histórico de alguns membros e os oferece como NPCs que podem ou não ser usados. Novamente, é interessante que os jogadores não leiam esse material para não estragar surpresas e reviravoltas. 

Além do Castelo Gyllencreutz, a cidade de Upsala também é usada como um elemento narrativo. O lugar, celebrado no século XIX como a mais moderna cidade da Suécia oferece várias opçõies narrativas e lugares interessantes a serem explorados. Vaesen tem como pano de fundo os países nórdicos: Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca, mas não é preciso conehcer a história desses lugares para que a aventura transcorra. O livro deixa claro que embora as aventuras se passem nesses lugares, não se trata do mundo real e sim de um Norte Mítico, portanto, se o Mestre quiser ignorar elementos da sociedade e história, pode ficar perfeitamente à vontade. 

De fato, um dos meus interesses desde o início é adaptar Vaesen para o Brasil nos tempos do Império e rolar aventuras na Corte do Rio de Janeiro. Fazer uso extensivo de nosso folclore e dos mitos de nossa terra é algo que me faz salivar. Quem sabe um grupo de investigadores brasileiros não se vejam às voltas com Sacis, Botos, Mulas sem Cabeça e a terrível feiticeira cara de jacaré, a Cuca.  


No fim do livro, Vaesen traz um cenário pronto com o título "The Dance of Dreams" (A Dança dos Sonhos) para introduzir os jogadores. É um mistério mais simples para dar o pontapé inicial na campanha. Uma história que mergulha na origem da Sociedade e em seus segredos, que pode render uma boa continuação.   

Fisicamente Vaesen é de encher os olhos. O livro é belíssimo, coberto de ilustrações feitas por Johan Egerkrans, para seu Vaesen: Spirits and Monsters of Scandinavian Folklore. A qualidade gráfica é tão incrível que esse livro poderia estar num centro de mesa para visitas folhearem. Há algo de "conto de fada" na arte, com os desenhos parecendo (mas apenas parecendo) voltados para o público infantil. As cores são um show, tudo muito colorido e vibrante, simplesmente de cair o queixo. A textura da capa e das próprias páginas em uma gramatura maior concedem um incrível prazer táctil. Sim, lamento dizer ao pessoal da era digital, folhear esse livro, faz toda diferença. Os textos são muito bem escritos, a diagramação é excelente e tudo ali está perfeitamente no lugar. Não encontrei nenhuma falha ou detalhe que desabone o resultado final. Esse jogo tem tudo que eu gosto em um RPG e acredito, agradará muito aos que escolherem conhecê-lo.  

Em retrospecto, Vaesen - Nordic Horror Roleplaying é sensacional no Geral e deslumbrante nos mínimos detalhes. A Free League está esbanjando competência ao criar material de altíssima qualidade e subindo o padrão à cada novo lançamento. Eu não poderia recomendar mais um jogo para quem quer uma experiência inteligente e uma proposta que foge do lugar comum.  

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