sexta-feira, 11 de junho de 2021

Estátuas Vivas - O macabro método de Petrificação do Dr. Segato


A história está repleta de cientistas que conduziram seus estudos a outro patamar. Não o de reconhecimento diante dos seus pares, mérito científico ou avanço da humanidade, mas rumo ao sinistro campo da estranheza. Suas invenções estão envoltas por uma aura de bizarrice que nos causa confusão, surpresa e até repulsa. Tais indivíduos mergulharam de cabeça em uma zona obscura, num grande desconhecido, tentando elucidar pormenores do universo em que vivemos.

No século XVIII viveu um desses cientistas, hoje obscuro, lembrado em alguns poucos meios acadêmicos, conhecido como um aventureiro e naturalista que empreendeu jornadas ao Egito em busca de uma maneira de se sobressair em seu campo de estudo. E qual era esse campo de estudo o leitor pode se questiona? Ora, a nobre arte da Petrificação instantânea de cadáveres humanos. 

Naquela época, o naturalista, cartógrafo e anatomista italiano Girolamo Segato era um tipo de explorador no estilo Indiana Jones. Nascido em uma família rica em Vedana, no norte da Itália em 1792, Segato se dedicou a estudar ciências, incluindo botânica, química, anatomia e mineralogia, campos em que se sobressaiu. Em 1818 ele se envolveu em uma série de Expedições no Norte da África como cartógrafo. Nessas incursões ele se apaixonou pelo Egito, tornando-se um arqueólogo especializado na Civilização Nilótica. O processo de mumificação e preparação dos mortos era seu principal interesse. Segato participou de várias exumações de múmias, extraídas de tumbas seladas há milênios e realizou nelas autópsias para saber como haviam sido preparadas e qual o segredo de sua espetacular conservação. Ele fez uma série de descobertas importantes sobre o processo e as técnicas, tornando-se por algum tempo um dos maiores especialistas no assunto. 

Quando retornou à Itália em 1823, carregou consigo uma série de artefatos e uma mórbida coleção de múmias e cadáveres especialmente acondicionados em caixotes que ele pretendia estudar em seu laboratório. O cientista esperava descobrir todos os detalhes a respeito da mumificação e tencionava retomar esse costume em pleno século XIX.


E é aqui que tem início a trajetória de Girolamo Segato como algo que poderia ser chamado de "cientista louco". Ele desenvolveu um método para Petrificar Cadáveres, usando para isso ciência, mas também recorrendo a magia antiga, técnicas bizarras, misticismo e sabe-se lá o que mais.

Após se estabelecer em Florença, Segato começou a trabalhar em seus inovadores métodos de conservação dos mortos buscando preservá-los por mais tempo. Haviam diferentes métodos a serem estudados, tais como substituir os fluidos corporais por substâncias químicas, secar os cadáveres em estufas até obter uma mumificação artificial e por fim, o processo que mais atraiu a atenção de Segato, um misterioso método através do qual a carne dos mortos era transformada em pedra. O processo era bastante bizarro. O método envolvia a introdução de uma mistura de substâncias e minerais na pele macia, através de injeções. Com efeito, isso preservava a cor, forma, textura e mesmo a estrutura celular do material original. 

O resultado final era algo similar a uma estátua, um corpo petrificado como um fóssil paralisado pela eternidade. Segato havia desenvolvido uma forma de alcançar um resultado que a natureza demorava eras para atingir. O processo havia sido acelerado de forma vertiginosa, virtualmente podendo ser realizado da noite para o dia. Era algo totalmente novo, jamais testado em corpos inteiros, ainda que já tivesse sido usado em órgãos, partes do corpo como cabeças e mãos, e até em animais. Ninguém, no entanto, havia aperfeiçoado a petrificação daquela maneira, refinando o processo a um estado que lembrava a vida. Para proteger sua descoberta, Segato manteve todos os seus registros e documentos em segredo. As pessoas ficavam impressionadas, tanto cientistas quanto espectadores, suspiravam diante dos resultados.


Um químico do período, chamado para estudar os resultados em 1855, escreveu:

"O hospital [Santa Maria Nuova em Florença] mais parece um museu de arte do que um centro médico. O Professor Segato, descobriu um processo para petrificar seres humanos, permitindo a eles manter sua coloração e formato, ao mesmo tempo que se tornam resistentes como pedra. Me refiro a uma petrificação completa, de cada parte do corpo, algo destinado a durar tanto quanto o próprio mundo".

Ele continua entusiasmado:

"O laboratório mantém duas grandes mesas. Numa delas estão as peças já finalizadas e polidas. São virtualmente estátuas criadas à partir de carne e ossos petrificados. Elas são polidas e preparadas, ficando como estátuas talhadas no mármore. Na outra mesa repousam aquelas que ainda estão incompletas, formada por porções de cadáveres humanos: ossos, cabeças, membros, órgãos, músculos expostos à lenta deterioração e ao processo de corrosão ao que todos estamos sujeitos. Qualquer visitante, exceto os médicos acostumados com tal cenário, ficariam espantados. O laboratório oferece visões apavorantes do que é um corpo humano: aberto, exposto, vivissecionado e reduzido a partes do todo. O ambiente lembra uma aula de anatomia. O Professor mantém ali perto também restos de animais de todos os tipos. São usados para testes das substâncias empregadas. Muitos deles apresentam uma consistência rochosa. Nada é capaz de resistir ao toque petrificante".


Segato costumava expor os seus resultados à plateias de médicos, investidores e curiosos que vinham de todos os cantos para ver sua petrificação. A maioria deles se perguntava como tal milagre era possível. Sabia-se que era o uso de fórmulas e substâncias que permitia o processo, mas ninguém sabia exatamente como era criada a fórmula. Na época, houve repetidas tentativas de invasão no laboratório de Segato, com o objetivo de roubar sua fórmula e segredos, mas nenhuma delas foi bem sucedida. O cientista por sua vez mantinha tudo em segredo, ele havia queimado a fórmula e não compartilhou seu segredo com ninguém. Mesmo seus assistentes de confiança desconheciam como era produzida a substância miraculosa.   

Além de conviver com partes de cadáveres humanos e de animais, Segato parecia um sujeito no mínimo excêntrico nas questões de vida e morte. Sua bela mansão em Florença era decorada com uma mobília de gosto duvidoso, produzida com partes de cadáveres que sobravam de seu laboratório de anatomia. Haviam mesas (inclusive de jantar) com ossos decorativos, armários com costelas servindo de cabides, guardas de cama com crânios humanos e de lobos, uma campainha com a cabeça de um leão e outros detalhes absolutamente macabros. A grande mesa de estudos de Segato era o que chamava mais a atenção, pois muitos se referiam a ela como uma espécie de altar decorada com uma base de crânios humanos, dentro dos quais eram dispostas velas. 

Segato parecia perfeitamente à vontade com suas peças de mobiliário. De fato, ele defendia que no futuro, as pessoas aproveitariam os ossos, a pele e mesmo os cabelos e músculos dos mortos como matéria prima para os mais variados usos. Ele dizia que uma das melhores cordas de violino poderia ser obtida com tendões e que ossos eram mais duráveis que madeira. Também havia confeccionado cortinas e toalhas de mesa com pele humana devidamente costurada e pintada. Ele chegou a contemplar a ideia de construir toda uma casa feita do piso ao teto de ossos e cadáveres humanos petrificados, projeto que chegou a enviar para o prefeito de Florença, mas que foi vetado. 


Uma de suas criações mais formidáveis foi uma escrivaninha oferecida como presente ao Duque da Toscana. O tampo inteiro da mesa foi criado com um mosaico de ossos humanos colados cuidadosamente e polidos. As pernas eram reforçadas com aço, mas foram decoradas com partes humanas petrificadas com aparência de mármore. Nada menos que cem cadáveres foram utilizados como matéria prima para a criação da mesa redonda que media quase três metros de diâmetro e contava com um pedestal adornado com intestinos, corações e pulmões petrificados. Tudo era artisticamente arranjado para o melhor efeito estético. Os corpos foram obtidos em hospitais e passaram pelo processo de impregnação mineral que lhes concedia a aparência de pedra. Não se sabe qual foi a reação do Duque diante do presente, mas sabe-se que a mesa foi doada pouco tempo depois para o Museu da Universidade de Medicina de Florença, onde permanece até hoje.

Durante seu apogeu, Segato, que era conhecido como "il Pietrificatore" ou "o Petrificador", tornou-se muito conhecido na Itália e em parte da Europa por suas estranhas criações. Ele sempre negou todos os pedidos para divulgar suas descobertas e conhecimento, fornecendo meras amostras de suas obras, como peixes petrificados e gotas de sangue, igualmente vitrificadas, que ele doou certa vez. 

Foi em parte essa aura contínua de sigilo que iniciou os rumores de que Segato não estava usando técnicas do mundo natural, mas sim Magia Negra que aprendera durante suas viagens exóticas e distantes. Alguns iam além, diziam que Segato usava essa mesma magia para petrificar pessoas vivas e fazer delas estátuas para seu deleite. Isso acontecia em parte porque o cientista possuía um jardim repleto de estátuas, na verdade cadáveres petrificados, mantidos em uma determinada forma que sugeriam estar dançando alegremente. Um boato surgido no período dava conta de que durante uma festa, um casal esbarrou numa das estátuas do jardim e esta quebrou ao meio, revelando um interior de ossos e carne que evidenciava sua origem biológica. Os convidados horrorizados se retiraram da propriedade.


Haviam no entanto, teorias ainda mais bizarras. Uma das mais curiosas afirmava que o Cientista havia recorrido a mitologia grega para criar sua técnica. Alguns diziam que ele havia encontrado em uma ruína na Grécia, o local secreto onde a cabeça da mítica Górgona, a Medusa, havia sido sepultada. Segundo a lenda, o olhar da Medusa era tão aterrorizante que podia transformar homens em pedra. Alguns supunham que ele teria usado o sangue do monstro para criar sua fórmula petrificadora. Outros afirmavam que a Cabeça da Górgona ainda retinha o tenebroso poder mágico de transformar aqueles que contemplavam seus olhos em pedra.

Todos esses boatos, levaram a Igreja a se opor aos experimentos do Dr. Segato que chegou a ser processado e condenado por realizar "rituais de magia egípcia". Muitos cientistas rivais diziam que a melhor maneira dele se eximir de qualquer acusação seria revelar o teor sigiloso de seu trabalho. Segato ficou tão furioso que afirmou categoricamente que levaria o segredo da petrificação para o túmulo. Na verdade, ele planejava ser petrificado, mas para isso precisaria compartilhar com alguém o método. Ele chegou a escolher um assistente de confiança para o encargo, mas acabou morrendo antes disso. 

Ao invés de ser preservado pela eternidade, como desejava, seu corpo foi sepultado na Igreja de Santa Croce, em Florença, sob o epitáfio "Aqui jaz Girolamo Segato - que estaria intacto, petrificado, se o segredo de sua arte não tivesse morrido com ele". Na lápide há inclusive uma efígie dele, com serpentes brotando de sua cabeça, como a mítica Medusa. 



Nos tempos modernos, várias peças de Segato ainda estão em exibição em museus e instituições em toda a Itália, incluindo os Museus Cívicos de Belluno, o Palácio Real de Caserta, o Museu do Departamento de Anatomia da Universidade de Florença e o Museu d'Histoire de la Médecine em Paris. Muitos pesquisadores fizeram tentativas de reproduzir o método de petrificar restos humanos, mas mesmo com as mais avançadas análises de espectrometria de massa, radiografia, tomografia computadorizada, reconstrução 3-D e endoscopia virtual, ninguém foi capaz de descobrir exatamente como ele fazia aquilo. Cientistas consideram que ele recorreu a um misto de substâncias químicas e exposição a condições específicas, contudo, ninguém sabe ao certo.

E provavelmente nunca saberemos, já que ele fez como o prometido - levou para o túmulo seu segredo. Quem sabe se ele realmente recorreu a conhecimento antigo, magia ou simplesmente engenhosidade, o caso de Girolamo Segato e suas estranhas criações petrificadas permanecem uma excentricidade e mistério histórico inescrutável.

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