domingo, 10 de julho de 2022

Mãos que Curam - Quando o Toque de um rei podia Curar as Pessoas


O poder de cura pelas mãos surgiu ao longo da história em uma variedade de diferentes povos e culturas. A ideia de que alguém possa ter o poder de impor as mãos sobre uma pessoa doente ou ferida e curá-la instantaneamente parece ser irresistível. Tais contos são abundantes, com tantas ideias diferentes sobre o que está por trás desses aparentes milagres quanto há pessoas que acreditando neles. Um caso proeminente dessa crença que se espalhou por toda a Europa é que a realeza tem o poder de curar com seu toque.

A ideia de que os monarcas eram imbuídos de uma espécie de Poder Divino de cura remonta a séculos em muitos países europeus. Por muito tempo pensou-se que esses governantes tinham a capacidade de curar tocando ou acariciando os doentes, prova incontestável da força do Todo Poderoso operando através deles e de suas posição superior em relação aos meros plebeus. 

Uma das primeiras ocasiões registradas do uso desse toque real de cura data do século XI, quando o Rei anglo-saxão Eduardo, o Confessor (1042-1066), usou seus poderes para curar uma aflição chamada escrófula, também conhecida hoje em dia como linfadenite cervical tuberculosa. Não por acaso, ela ganhou o apelido de "Mal do Rei". Essa doença é basicamente um inchado dos gânglios linfáticos tuberculosos do pescoço. Segundo os cronistas, Eduardo impôs as mãos sobre um afligido pela doença, tocou-o com o selo real e então o  mandou embora. O toque teria curado o afligido e ele retornou diante da corte embasbacada para mostrar o milagre que o Rei havia realizado. Depois disso, o Rei realizou ao menos outra dezena de milagres semelhantes sempre com sucesso. 


O próprio William Shakespeare escreveria sobre o toque real de Eduardo, o Confessor, em Macbeth, escrevendo:

Uma obra milagrosa faz este bom Rei;
Muitas vezes, desde minha permanência, aqui na Inglaterra,
Eu o vi fazer. Ele, assim, solicita aos céus,
A intercessão divina pelo seu Toque Real,

Tudo inchado e ulceroso, lamentável aos olhos
O mero desespero da cirurgia, ele cura,
Pendurando um selo dourado em seus pescoços,
O término da aflição, está ao seu alcance 

Ofereçam a ele orações e devoção;
A realeza, abençoada, lhes oferece  
A Bênção Divina da Cura.

A prática se tornaria mais e mais difundida entre a realeza no continente e se espalharia para curar todos os tipos de problemas, incluindo reumatismo, convulsões, febres, cegueira, bócio e demais doenças, geralmente em dias santos. Henrique VII da Inglaterra introduziu a tradição de uma moeda de ouro chamada "Anjo", que trazia estampada nela a imagem do arcanjo Miguel derrotando um dragão. Essas moedas seriam dadas a quem recebesse o toque real, muitas vezes com a moeda furada e presa a uma fita que poderia ser colocada no pescoço do paciente, tudo parte de um ritual elaborado que incluía a leitura de passagens do Evangelho de Marcos (16:14–20) e o Evangelho de João (1:1–14), além de outras orações curativas. Os pacientes eram então instruídos a usar a moeda constantemente, para que a cura tivesse um efeito mais duradouro. Quer esses pacientes estivessem realmente doentes ou não, as moedas eram valiosas e muito apreciadas pelos pobres que vinham ser curados.


Na época de Carlos I, o uso dos "Anjos", que eram muito caros, foi substituído por moedas de prata menores. O toque real foi por um tempo tão comum que alguns monarcas tocavam mais de mil pessoas por ano. Multidões se deslocavam até as capitais imperiais, sendo recebidas por conselheiros reais que escolhiam aqueles que receberiam o benefício do Monarca. A honra era reservada a pessoas mais pobres e necessitadas. Acredita-se que muitos Reis e até algumas Rainhas incentivavam a prática e realmente acreditavam que seus poderes divinos eram reais.

A prática foi especialmente popular na França, onde se diz que Luís XIV tocou 1600 pessoas em um único domingo de Páscoa. De fato, o toque real era tão popular na França, que era tratado como uma tradição. No país, ele recebeu um impulso paranormal extra, com efeitos ainda mais impressionantes e abrangentes do que em qualquer outro lugar do mundo. O demonologista Pierre de Lancre (1553-1631) chegou a afirmar que monarcas franceses mortos poderiam realizar o toque de cura do além-túmulo, e muitas pessoas desesperadas vieram para a França para receber essa graça.

A mão de Luis XIII, morto há 40 anos, chegou a ser exumada de sua sepultura, decepada por um Cardeal, encerrada em uma luva dourada costurada com fio de ouro e colocada em um lugar de destaque na Catedral de Notre Dame. Lá, ela abençoava milhares de pessoas que caminhavam vacilantes até ela e se deixavam tocar na testa para receber o milagre curativo.

Enquanto isso, na Inglaterra, alguns monarcas passaram a renegar o ritual, enquanto outros o usavam com enorme moderação. Os reis ingleses achavam que aquilo poderia ser perigoso, sobretudo, depois que pessoas que deveriam ter se curado demonstraram continuar sofrendo com suas moléstias. Se tal coisa se espalhasse, os conselheiros reais temiam que a posição dos monarcas pudesse ser contestada.


Gradualmente, a prática caiu em desuso e foi usada com cada vez menos frequência. No entanto, o Rei inglês Carlos II o trouxe de volta de maneira importante durante seu reinado de 1660 a 1685, já tendo oferecido toques curativos enquanto estava no exílio na Holanda na década de 1650. Quando voltou ao poder durante o Período da Restauração, Carlos II não só o reintroduziu, como criou a sua própria versão da moeda do anjo. Ele passava horas e horas de seu dia cuidando dos doentes, na maioria das vezes aqueles com escrófula. Supõe-se que durante seu reinado de 25 anos ele tenha pousado as mãos sobre cerca de 100.000 de seus súditos. Não se sabe exatamente por que Carlos II se esforçou tanto para tornar essa cura real, mas ele tido como o Rei que realizou o ritual mais frequentemente do que qualquer outro.

Nos anos posteriores, a prática passaria por períodos de popularidade e remissão, até que monarcas como Guilherme III (1689–1702) e Maria II (1689–1694) se recusassem a participar dela, chamando-a de mera superstição. George I (1714-1727) removeu permanentemente a prática, chamando-a de "cerimônia supersticiosa e insignificante". Na Inglaterra, ela foi banida em 1732, quando foi retirada do Livro de Oração Comum que antes a tratava como milagre real. Mesmo na França, onde permaneceu popular, o ritual estava sendo usado cada vez menos, sendo seu último uso oficial conhecido através de Carlos X (1824-30). Este Suserano pousou suas mãos sobre 121 dos seus súditos fieis por ocasião de sua coroação em 29 de maio de 1825. 

A prática meio que desapareceu na história e foi esquecida. Não há como saber por que alguém pensou que um Rei poderia oferecer cura, ou por que existem tantos relatos de curas milagrosas envolvendo o Toque Real. É possível que tais milagres estivessem relacionados a uma espécie de efeito placebo? Ou haveria algo de verdadeiro nessa curiosa história? 

É provável que nunca venhamos a saber e essa prática continue relegada a uma curiosa estranheza histórica.

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