sexta-feira, 1 de julho de 2022

Numenera: Descoberta e Destino - O que muda e o que é novo no Nono Mundo


Alguns anos atrás, eu escrevi uma resenha enorme em três partes sobre Numenera, um RPG que me deixou realmente impressionado pela qualidade do material, funcionalidade do sistema e abrangência da ambientação. 

Numenera era tudo aquilo que eu esperava fazia tempo em um RPG de exploração, aventura e mistério. Eu convido os leitores do Mundo Tentacular a revisitar aquelas três postagens originais para se inteirarem à respeito do assunto. Eu não pretendo repetir desnecessariamente tudo aquilo que disse anteriormente, sobretudo, porque muito do que valia sobre Numenera em 2014, ainda vale para Numenera: Destiny and Discovery, hoje em 2022.

Os links seguem logo aqui abaixo e depois de ler ou relembrar deles, convido vocês a continuarem a leitura desse artigo que se dedica a explorar as diferenças nessa nova edição de Numenera. Então vão lá, deem uma olhada e voltem. 1, 2, 3... vão!




Pronto? De volta conosco?

Então vamos continuar de onde paramos.


Pelo que vocês leram (ou não), deu para notar que eu sou um grande fã de Numenera. Eu realmente gostei da proposta do jogo, de se passar em um mundo que é a soma de todos os mundos anteriores, cada qual tendo deixado um pouco de sua história, segredos e mistérios para os povos que vieram depois. As possibilidades de aventuras em um ambiente assim tão vasto e com essa diversidade de culturas é quase inesgotável. Outro ponto que eu acho incrível na ambientação é a proposta de mesclar alta tecnologia incompreensível com magia. A noção de que tecnologia aos olhos de quem não consegue compreender seus fundamentos básicos nada mais é do que magia ou uma força sobrenatural, é algo incrível.

Não surpreenderá ninguém que meu interesse em Numenera continua o mesmo. Nesses últimos anos investi pesado na ambientação: adquiri vários suplementos, livros de aventuras, campanhas e tudo mais. A Monte Cook Games ofereceu uma quantidade considerável de suporte para seu título mais popular e Numenera viu muita mesa no meu grupo regular de jogo. Escrevi muita coisa, produzi material e joguei bastante a ambientação. Sinceramente, gostaria até de ter jogado mais, se tivesse tempo. Tudo isso para dizer que Numenera não é o tipo de livro que vai ficaria pegando pó na prateleira, ele é um RPG que praticamente pede para ser narrado e jogado.

Sendo um fã hardcore da ambientação e tendo me dedicado enormemente ao lore, foi com certa surpresa que acompanhei o anúncio de que a Monte Cook Games estava planejando um novo Numenera.


Talvez surpresa não seja a melhor palavra... eu fiquei realmente irritado com a perspectiva de que o jogo receberia uma nova edição que mudaria o que eu já conhecia sobre ele. Meu descontentamento não era apenas por conta de ter que mudar o sistema ou assimilar novas regras, mas principalmente por saber que o sistema de Numenera não precisava de mudanças. No que diz respeito a ambientação, vale o mesmo. Eu não queria que a ambientação sofresse qualquer atualização desnecessária, ela estava perfeita da maneira que foi feita.

Com isso em mente, disse a mim mesmo que uma nova edição de um livro quase perfeito era desnecessária e que eu não embarcaria nela. Tratei o Numenera: Destino e Descoberta como uma manobra da Monte Cook Games para lucrar com um novo livro básico e nada além disso. Quando ele foi oficialmente anunciado eu já estava decidido a não comprar e me manter fiel ao meu Numenera original.

MAS ESPERE!

Eis que surgiram então as primeiras avaliações e detalhes sobre o projeto e o que ele pretendia.

Para começo de conversa, Numenera não seria atualizado no que diz respeito às regras. Não haveriam mudanças drásticas e significativas naquilo que já conhecemos e no que nos habituamos a usar. O Sistema base de Numenera o Cypher sofreu ao longo dos últimos anos algumas alterações menores para adequar e facilitar a experiência e a jogabilidade. Nada além disso! 


O Cypher sempre foi um jogo que "roda macio" na mesa. As regras dele são suficientemente simples para serem ensinadas e compreendidas em uma única sessão. O Narrador consegue assimilar rápido a essência do sistema em que se usa um D20 para determinar sucesso ou fracasso contra um número alvo. Tudo é tratado em termos de níveis (seres, monstros, objetos inanimados etc.) que fornecem a dificuldade para interagir eles. Uma vez compreendido esse fundamento, tudo flui lindamente. Uma das minhas grandes preocupações era justamente se uma nova edição alteraria isso.

A resposta é NÃO!

Vamos começar falando do Tomo que tem o título Descoberta.

O novo Numenera preserva toda essência do jogo original. Em termos de regras, poucas coisas mudam, o que temos é mais uma clarificação do que alteração. Alguns aspectos que deixavam dúvida foram melhor explicados e mais exemplos foram adicionados. Uma vez que a mecânica do Cypher System para Numenera é praticamente a mesma, os suplementos já lançados continuam sendo válidos e podem ser usados sem medo de terem ficado desatualizados.

Um importante elemento é a adição dos Wrights e dos Delvers, duas "classes" adicionais que se somam às já conhecidas Glaive, Nano e Jack. Enquanto estas três são correlatas diretas aos guerreiros, magos e ladinos, as duas novas permitem que personagens tenham inclinação para construção de Numenera (como Artífices) e para explorar o mundo (uma espécie de ranger). Os dois novos tipos são muito bem vindos, e aumentam o leque de opções dos jogadores. Há algumas atualizações menores nos poderes e habilidades do Glaive e do Nano principalmente, algumas delas no sentido de fornecer mais versatilidade aos tipos. De uma forma geral, eu gostei das adições.


Algo semelhante acontece com os Descritores e Focos nesse livro. Os descritores do livro original de Numenera estão aqui em Descoberta e não foram alterados até onde vi. Isso inclui as tabelas de poderes e habilidades de Visitantes e Mutantes, a propósito.
 
As listas de Artefatos, Cifras e Esquisitices também estão de volta, sendo que alguns itens receberam updates para facilitar o entendimento sobre seu funcionamento. Há também sugestões bem vindas para cifras que se adequam a cada tipo de personagem, ou seja Cifras para Glaives, Cifras para Nanos, Cifras para Delvers e assim por diante. Essa sem dúvida é uma boa sacada para quem não gosta do sistema aleatório em que qualquer coisa pode cair com qualquer um. Nada impede você de rolar aleatoriamente os objetos, mas essa nova opção permite obter itens mais condizentes para cada tipo de personagem. No que diz respeito às cifras, temos também uma regra alternativa sobre o esgotamento de itens, se você não quiser que os poderes se desfaçam o tempo todo. Eu particularmente gosto da regra das cifras se exaurirem após cada uso, o que dá um elemento caótico ao jogo, que me agrada, mas é bom ter algumas ideias novas rolando aqui e ali.

No que diz respeito às criaturas, velhos conhecidos podem ser encontrados reunidos no Tomo Descoberta, incluindo oponentes NPCs e Inimigos Icônicos. Temos a adição de algumas novas e empolgantes criaturas, o acréscimo de monstros que apareceram em suplementos, aventuras ou campanhas e algumas boas surpresas. Além disso, as ilustrações de criaturas continuam a ser um dos pontos altos, com monstros bizarros, estranhos e intrigantes como de costume.

Uma novidade interessante é a adição das Intrusões de Jogadores. Temos um punhado de sugestões para que os jogadores entendam quando podem acrescentar algo à história e costurar elementos na trama. Estas Intrusões comandadas pelos jogadores são uma ótima ideia que se encaixa perfeitamente no espírito de Numenera. As intrusões do GM continuam usando a mesma regras, com a adição de algumas sugestões bem vindas. A opção dos jogadores sugerirem eventos positivos no jogo e pagarem um ponto de experiência para que isso aconteça. É algo que aprofunda a experiência do jogo.

O consenso que tenho é que Numenera Descoberta não é muito diferente do livro original de Numenera, contendo no entanto, atualizações bem vindas com base na experiência extraída em mesas de jogo. 


Algumas pessoas podem tentar lhe dizer que esse livro é um Advanced Numenera (como já ouvi alguém dizendo). Mas ignore isso! As mudanças presentes não alteram o jogo que você já conhece, apenas acrescentam elementos e opções à ele.

Depois de ler isso, alguns devem estar se perguntando, se poucas coisas mudaram, então qual a razão de ser para um Numenera: Descoberta e Destino?

A explicação é simples e vem através do segundo livro que tem por título Destino.

Primeiro, vamos direto ao ponto e dizer o que Numenera Destino realmente é. Trata-se de um livro totalmente novo, do início ao fim, que fornece uma série de empolgantes novidades para o universo de Numenera. De certa forma ele é realmente um passo adiante na ambientação e uma forma diferente de encarar o jogo.

Como o próprio título implica, este segundo livro permite levar a campanha numa outra direção e desenvolver o conceito do Nono Mundo de uma forma inovadora. Enquanto o material em Descoberta se concentra em enfrentar desafios, conquistar riqueza e viver aventuras, Destino é bem mais profundo. O jogo encara uma vertente onde o foco é construir um futuro melhor.

Você ainda vai precisar do Numenera Descoberta para jogar suas aventuras, mas com Numenera Destino, a proposta será outra. Os personagens deixam de ser simples aventureiros e se tornam ferramentas de transformação, indivíduos capazes de moldar o mundo à sua volta. A ambientação prevê duas maneiras de atingir esse nobre objetivo: Estabelecendo Comunidades ou Criando Numenera. 


Essas mudanças estão ligadas a um novo "Tipo" de personagem, o Arkus, cujas habilidades estão voltadas para construir uma Comunidade. Onde outros tipos (classes) concentram suas especializações em combate ou conhecimento, o Arkus age diretamente na sociedade à sua volta e ajuda a criar povoados, desenvolvendo esses pequenos grupos de vilarejos para cidadezinhas, de cidades maiores para Metrópoles. O Arkus é um motivador, um sonhador e um visionário. A ideia é que ele seja o idealizador de uma comunidade que vai surgir ao seu redor e que está fadada a se tornar algo maior que ele próprio.

Essa proposta do livro Destino é realmente inovadora e muito interessante. Onde antes tínhamos aventuras cujo objetivo era explorar, conquistar e derrotar monstros para obter tesouros, fama e ganho pessoal, agora temos cenários visando o bem estar de um grupo de pessoas. As histórias ganham uma nova dimensão, com os heróis de Numenera se dedicando a prover os meios para uma comunidade sobreviver, garantindo seu sustento, proteção e evolução. Destino fornece uma quantidade notável de ideias para uma campanha onde os personagens serão mais do que simples heróis, eles serão construtores de um novo mundo.

O conceito de Comunidade como um organismo vivo numa campanha é nada menos que sensacional. Os jogadores terão de criar uma ficha da Comunidade com estatísticas, vantagens, desvantagens e características básicas. A Comunidade se torna praticamente um personagem na história, construído com sugestões de cada um dos jogadores. Elas possuem sete estatísticas em um perfil que se assemelha ao de uma entidade viva, são eles: Governo (liderança e organização), Saúde (o número de pessoas fisicamente aptas), Infraestrutura (os materiais e edifícios ao redor), Dano Infligido (para resolver combate em massa), Armadura (os muros, fortes e defesas) e Combate (as milícias, exércitos e tropas).

Uma típica aventura de Comunidade pode envolver defender um povoado do ataque de selvagens abhumanos, afugentar um monstro ameaçador ou ainda obter recursos para que a população sobreviva a um inverno rigoroso. Como defensores de um assentamento, também cabe aos heróis incentivar o comércio com outros povoados, criar relações diplomáticas, lidar com agressões, descobrir fontes confiáveis de energia, estipular leis e regras de convivência para diferentes pessoas, povos e culturas.

 

Outra questão fundamental diz respeito a Numenera: Como usar a tecnologia dos antigos e se valer de máquinas miraculosas para ajudar a comunidade e incentivar seu progresso? Em uma ambientação tão rica e vasta quanto o Nono Mundo, não vão faltar desafios e problemas a serem solucionados. Talvez o grupo tenha que explorar uma antiga ruína em busca de uma máquina que faça chover, ou encontrar uma relíquia capaz de purificar a água de um rio ou ainda evitar que uma máquina cause terremotos e erupções vulcânicas desastrosas.    

Há cinco exemplos de Comunidades no livro, cada um desses assentamentos é descrito em cerca de sete páginas de material. Elas podem ser usadas como base para o grupo se assim ele desejar. Temos o povoado de Umdera que muda regularmente de lugar; Enthait uma cidade maior com 25.000 habitantes e construída sobre as ruínas de um complexo mais antigo; Rachid que tem tamanho médio e que lida com questões de visitantes alienígenas, Taracal uma ilha flutuando no Mar de Segredos; e Delend uma cidade montanhosa erguida sobre um artefato de grande poder e mistério.

No entanto, o grupo pode construir sua própria comunidade focando naquilo que desejam numa campanha dessa natureza. O lugar pode ser fundado do zero e ir crescendo aos poucos. Há opções de quais edifícios e monumentos podem ser erguidos, do que pode ser construído e de melhorias necessárias. Gerenciar população, recursos e vantagens será essencial para impulsionar a sua Comunidade.

Numenera Destino permite ao seu grupo deixar sua própria marca na história como pessoas que levaram o Nono Mundo em direção ao futuro.

No que diz respeito a regras e mecânica, não faltam novidades para seus personagens. 

O livro oferece um leque de novas opções para construção de personagens com nada menos do que trinta e cinco novos descritores, o que é quase três vezes mais do que a dúzia encontrada no livro original. Os Focos também foram ampliados, muitos deles vieram de material publicado nos excelentes Characters Options 1 e 2, mas há uma boa quantidade de novos focos.  


Alguns desses novos focos estão voltados para a proposta de personagens imprescindíveis para a construção e manutenção das Comunidades. Temos, os seguintes Focos, por exemplo: "Age sem consequências" (um foco de manipulação de combate para defender as pessoas), "Comanda o Leviatã" (que permite assumir o controle de criaturas gigantes que ameaçam sua comunidade), "Constrói o Amanhã" (que permite modificar os recursos da sua comunidade), "Defende os Portões" (um protetor da comunidade), "Descende da Nobreza" (um foco de liderança e carisma), "Lidera uma Horda" (um líder guerreiro que comanda soldados), "Transmite Sabedoria" (uma liderança filosófica), "Radia Vitalidade" (um curandeiro comunitário), "Conduz as Pessoas" (um campeão ou ícone admirado por todos) e "Comanda Palavras como Armas" (que mantém a comunidade unida e o inimigo desorganizado).

Com tudo isso, é fácil compreender Numenera Destino quase como uma ambientação à parte. 

O Mestre encontrará à sua disposição uma infinidade de opções narrativas e sugestões de como desenvolver o Background ao redor da Comunidade e como construir aventuras empolgantes centradas nela. Uma campanha pode transcorrer ao longo de anos, décadas, séculos ou mesmo milênios no qual, uma pequena comunidade pode se tornar a base para uma vasta nação num futuro distante, tendo os personagens dos jogadores e seus descendentes como catalizadores de toda essa transformação.

O conjunto Numenera: Descoberta e Destino, com dois livros foi lançado pela Monte Cook Games originalmente em 2018, e agora está sendo oferecido para jogadores novos e veteranos no Brasil. O Financiamento Coletivo está em curso através da plataforma Catarse e capitaneado pela Editora New Order. A New Order, aliás, foi responsável por ter lançado o Livro Original em 2014, recebendo elogios do criador do sistema Monte Cook. 

Se você tem dúvidas à respeito do cenário ou da ambientação, na página do Catarse encontrará vários vídeos e comentários que reforçam o que eu escrevi nessa pequena resenha. Os livros terão a mesma produção gráfica da versão americana, uma verdadeira obra prima em matéria de acabamento e arte.  

Numenera: Descoberta e Destino está recheado com tantas ideias incríveis, tanto mecânicas quanto em termos de ambientação que é até difícil colocar em perspectiva. Se você já conhece e gosta de Numenera e quer fazer a melhor campanha possível nesse mundo, esse material é mais do que obrigatório. Se você não conhece Numenera, eu não poderia indicar outro jogo tão inteligente quanto esse. Não deixe passar essa chance de entrar no Nono Mundo da melhor maneira possível.

O Nono Mundo aguarda!



Nenhum comentário:

Postar um comentário