segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Cinema Tentacular: Hellraiser (2022) - Reinventando um clássico


Eu sempre gostei de Hellraiser

Ok, não me olhem com essa cara... eu sempre adorei ter medo do filme original. 

O Hellraiser de 1987 era algo diferente de tudo o que havia naquela época. Ele era estranho, brutal, transcendental em sua proposta de casar violência, gore e body horror com uma história bem escrita e bem contada. Em resumo, era apavorante e fascinante na mesma medida.

Diz a lenda que o próprio Clive Barker, o autor do romance e diretor do filme, jamais ficou muito satisfeito com o resultado da produção. Ele achava que as pessoas iriam rir das cenas em que um dos personagens retorna do inferno e grita como se estivesse nascendo. As pessoas não riram, vai por mim, eu não ri... o filme é uma das coisas mais apavorantes que eu vi numa tela de cinema. O tipo da coisa que parece espirrar sangue em quem está assistindo. 

O tempo passou e a fórmula de Hellraiser rendeu incríveis NOVE sequências, sendo que destas apenas a segunda e terceira mantém algum frescor do original. Depois de um tempo, a franquia foi ladeira abaixo com produções meia-boca que acrescentavam muito pouco à mitologia dos Cenobitas, da Configuração dos Lamentos e do horror grotesco. Sendo absolutamente franco, os filmes eram uma porcaria.

Demorou três décadas até que alguém olhasse tudo aquilo e chegasse a conclusão de que Hellraiser ainda tinha potencial, mas precisava ser reinventado. O Canal de streaming Hulu decidiu bancar a aposta e assumiu a responsabilidade de recriar Hellraiser e apresentar a franquia a uma nova geração de fãs do cinema de terror. 


Os planos eram ousados. Muitos pensavam que o novo Hellraiser seria uma releitura do romance de Barker, outros supunham que sem Doug Bradley, o ator que deu vida a Pinhead nos bons e maus momentos, não teria como funcionar. O anúncio de que o personagem seria interpretado por uma mulher ainda jogou mais gasolina na questão e dividiu o público. Os primeiros trailers acalmaram as coisas e apresentaram um cenário curioso no qual Jamie Clayton, a atriz escalada para usar os pregos do Sacerdote Máximo do Inferno brilhava com uma aura demoníaca. Parecia que as coisas estavam entrando nos eixos e que Hellraiser, versão 2022, seria no mínimo interessante.

Esse final de semana, tive a chance de assistir o tão aguardado filme.

O que posso dizer é que a releitura do Hulu para o clássico de Clive Barker, não é ruim, mas é dolorosamente sem graça. Se por um lado ele se concentra em aspectos interessantes da mitologia de Hellraiser, por outro, ele embala tudo de uma maneira muito superficial. O resultado, ainda que não seja desastroso, soa como um horror moderninho convencional no qual um grupo de pessoas tenta sobreviver a uma situação assustadora e aos monstros que os atormentam. 

Em linhas gerais, o filme se concentra em um grupo de personagens irritantes que buscam escapar de um mal sobrenatural, gritando uns com os outros incessantemente em uma tentativa ensurdecedora de descobrir o que está acontecendo. Mas se isso não fosse o bastante, piora... O que me irrita é que eles agem como idiotas completos, e é incrivelmente difícil torcer ou ter empatia com qualquer um deles quando estão perpetuamente fazendo birra ou (como diria a minha mãe) tendo um siricutico.


Eu até entendo que os personagens são jovens e que estão enfrentando algo horrendo, mas a reação deles diante da maioria das situações beira o cômico. Eles são burros, e eu odeio gente burra em filme de Terror.

A conexão com o filme original é estabelecida através do folclore que gira em torno dos Cenobitas, os seres horrivelmente mutilados cuja existência inteira é dedicada a ultrapassar os limites da sensação e explorar a fronteira da dor e do prazer. Em bom português, os cenobitas vivem de torturar as pessoas que conseguem agarrar e causam um sofrimento insano nestes pobres coitados. Para convocar os cenobitas nessa versão, é preciso manipular a Configuração dos Lamentos, um tipo de caixa quebra cabeças que possui arestas afiadas. Uma vez cortando alguém, os demônios respondem quase que imediatamente. Quando a caixa vai parar com a protagonista ela acaba trazendo os Cenobitas repetidas vezes provando que um imbecil com algo perigoso nas mãos sempre será capaz de fazer as coisas mais idiotas, apenas para provar sua estupidez. Presumo que seja por conta de pessoas assim que xampu tem instruções de uso no rótulo - e mesmo assim, algum idiota vai usar errado.  

Liderando o grupo de personagens Geração Z está Riley (Odessa A'zion), uma ex-viciada em drogas que se encontra em dificuldades e cuja única salvação é o irmão, Matt (Brandon Flynn). Quando os dois tem uma briga feia, Riley corre para os braços de seu namorado Trevor (Drew Starkey) que obviamente não vale nada. O sujeito a convence a ajudar no roubo uma carga misteriosa que está guardada em um container num depósito. É claro, a carga é a Configuração dos Lamentos, vista na introdução do filme em Belgrado e que acabou chegando misteriosamente à Nova York. Não demora até que Riley convoque os Cenobitas o que dá início a uma série de acontecimentos onde muito sangue será derramado.

Além da irritante falta de sintonia com os personagens descartáveis, Hellraiser comete um segundo pecado capital em filmes de horror: Ele não dá medo! O filme sempre foi marcante por causar desconforto e obrigar o espectador a desviar o olhar das cenas mais hediondas (eu lembro da cena "E Jesus chorou" até hoje). Mas essa versão não consegue causar desconforto algum, muito menos medo. As cenas de horror extremo, tortura e angústia estão ali, mas quando se trata de Hellraiser, você espera mais... espera que certos limites sejam cruzados para que se justifique o título. Aqui não há qualquer resquício do horror visceral do original, ainda que bem executadas as cenas não provocam reação.


Um dos pontos positivos é o vilão humano do filme, um bilionário amaldiçoado chamado Voight (Goran Visnjic). Ele consegue trazer um pouco de interesse na trama quando está na tela, mas é uma pena que ele não apareça mais. Sua mansão é outro destaque, um cenário grande como uma catedral com muros que formam padrões cabalísticos, repleto de passagens secretas e uma claraboia que serve como uma das imagens memoráveis do filme. Eu gostei da mitologia do Leviatã (o Deus dos Cenobitas) voltar a ser explorada, mas infelizmente o roteiro não foca muito nesse aspecto preferindo dar destaque para correria, esconde esconde e outras bobagens pelos corredores da mansão. 

Hellraiser não seria nada sem os icônicos monstros, os Cenobitas que são no fim das contas a coisa mais interessante desse filme. Os artistas, designers e maquiadores que criaram o conceito desses cenobitas estão de parabéns em suas opções estéticas. Os cenobitas se tornaram visualmente bem assustadores nessa versão, saindo os trajes de couro preto (bem no espírito sadomasoquista) e dando lugar a roupas feitas da pele, ossos e tendões, arrancados das vítimas. Visualmente os cenobitas estão sinistros: as mutilações são medonhas com rostos distorcidos, membros dilacerados e corpos misturados com enxertos e próteses horríveis. O líder dos Cenobitas, aqui identificado como "Sacerdote" se mostra um sucessor digno da performance do Pinhead original, interpretado de forma memorável por Doug Bradley. Jamie Clayton não é tão assustadora, mas há um magnetismo nela que se encaixa no credo Cenobita. Outro destaque é o Trincador (Shaterer), cujos dentes estalando e rangendo são material digno de pesadelos.

Contudo, por mais impressionante que seja essa coleção de aberrações (e não são poucas) é um tanto frustrante que a aparição recorrente dos monstros acabe cansando. O mistério das criaturas é revelado, tornando-os menos assustadores a cada aparição, diluindo gradualmente o choque de ver uma mulher com a cabeça cheia de pregos ou um espectro todo dilacerado. 


O diretor David Bruckner (que fez o excelente "O Ritual") conduz o filme de forma correta, mas ele perde tempo demais com os personagens pouco interessantes e seus dilemas existenciais, algo que não interessa em absoluto. Fica faltando a mística, o suspense, o ritmo vertiginoso e o rigor narrativo que Barker acertou tão bem com uma fração do orçamento.

É louvável que Hellraiser aposte em uma nova história para se reconstruir, mas ele teria sido um filme muito melhor se tivesse tomado emprestado os elementos essenciais do original e contado a história no mesmo espírito. Temos vítimas sofrendo as agruras do inferno, muito sangue, monstros horríveis, correntes e ganchos afiados; todos elementos reconhecíveis como parte do universo de Hellraiser, mas apesar disso tudo, o filme não soa como Hellraiser.

O Inferno não se ergue como promete o título, mas não tenho dúvidas de que outras sequências virão na esteira deste. Veremos se elas conseguem acertar na próxima.  


Trailer:


3 comentários:

  1. Detesto saudosismo barato mas é fato: o cinema de terror contemporâneo, na imensa maioria das produções, é uma piada!!!

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  2. eu achei bom o filme mas sim, os personagens são meio ruins mesmo

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