quinta-feira, 13 de outubro de 2022

O Príncipe Negro - Os feitos e atrocidades de Edward de Woodstock


Pense em um vilão, mais especificamente um vilão de filme medieval.

Não será surpresa que venha a mente a figura de um homem forte e rude, de cabelos e bigodes negros e armadura igualmente escura. Ele será um nobre de estirpe, mas terá uma atitude arrogante, disposto a violência e com uma queda para a brutalidade. Nada ficará em seu caminho para que ele tome para si aquilo que acredita lhe ser de direito e ai daquele que se interpõe diante dele.

Essa descrição que se encaixa perfeitamente no estereótipo do vilão medieval, foi enormemente inspirada por um personagem real, no caso, Edward de Woodstock, que entrou para a história como "O Príncipe Negro". As façanhas e a história de Edward foram amplamente documentadas, como bem cabe a todos membros da família real inglesa, mas teria ele sido merecedor de todos os feitos que lhe foram imputados? Seria ele um verdadeiro vilão ou sua infâmia é decorrente de uma espécie de campanha difamatória para torná-lo alguém excessivamente perverso? 

Edward de Woodstock nasceu em 15 de junho de 1330. Ele era o filho mais velho do rei Eduardo III e Filipa de Hainault, mas, apesar de ser o herdeiro de direito do trono nunca se tornou rei, morrendo um ano antes de seu pai em 8 de junho de 1376, com apenas 45 anos. Os poucos anos de Edward foram marcados por proezas que escreveram seu nome entre os grandes guerreiros de seu tempo. De fato, ele ganhou fama como um soldado formidável, um líder militar adequado e um homem que sabia como transitar com segurança na política e na arte da guerra medieval. Também se tornou famoso por suas grandes conquistas e vitórias.

Indiscutivelmente, ele é mais notório por seu brutal "Saque de Limoges", e alguns acreditam que foi esse incidente que levou Edward a ser conhecido como "O Príncipe Negro", no entanto, nem tudo é o que parece. Na verdade, ele só ficou conhecido por esse apelido, mais de cento e cinquenta anos após sua própria morte, no tempo dos Tudor. Durante sua vida, ele era simplesmente conhecido como "Edward de Woodstock", temido pelos inimigos e admirado pelos aliados.


A razão exata de sua reputação sinistra ainda é debatida pelos historiadores; existem várias teorias desde aquelas que apontam o fato dele usar uma armadura preta até sua atitude que não era das mais iluminadas. Mas quando seus feitos começaram a pender para o lado da vilania é que as coisas se tornam interessantes.

Edward nasceu em berço de ouro e cresceu como um típico príncipe medieval, sendo ensinado dos deveres de soldado e cavaleiro desde a infância. Ele foi instruído nos códigos de cavalaria e era um ávido praticante de Torneios de Justa, tão ávido que James Purefoy retrata o personagem de Edward, o Príncipe Negro, na clássica peça medieval "A Knight's Tale". Dizem que ele era tão adepto de justas que se envolveu na primeira com apenas 14 anos, o que lhe valeu costelas quebradas e uma grande reprimenda de seu pai, que achava tal atitude um risco para o herdeiro do trono. À despeito disso, ele continuou participando de torneios, por vezes usando um elmo fechado que ocultava sua identidade. Sabemos que ele era péssimo perdedor, e que em mais de uma ocasião, meteu-se em discussões e brigas quanto ao resultado das disputas. Em pelo menos uma ocasião, ele teria emboscado um adversário após ser derrubado do cavalo, indo procurá-lo para tirar satisfações. Edward teria participado de um bom número de duelos ainda adolescente, saindo-se bem da maioria já que dominava a arte da esgrima e do combate corpo a corpo.

Forte para sua idade e ágil no jogo de pernas, Edward era adepto de um estilo brutal de combate. Ele investia com tudo, correndo contra o oponente com a espada em riste, brandindo suas armas com toda força até derrubar o oponente. Há uma descrição de que ele teria matado um oponente usando seu elmo de aço como arma para afundar a face do inimigo até deixá-la irreconhecível. 

Mas nem só de treinamento marcial vive um herdeiro real. Edward tinha apenas sete anos quando começaram as negociações para seu noivado. Ele se casou com uma prima de seu pai, Joana de Kent, em 1362 e teve com ela dois filhos legítimos, o mais velho dos quais morreu aos 6 anos de peste, mas o mais novo, Ricardo, viria a ser chamado de rei Ricardo II com a morte de seu avô em 1377. O casamento de primos certamente não era incomum para a realeza na Europa medieval. Não há muitas informações sobre como era a relação com a esposa/prima, mas dado o grande número de amantes, podemos supor que ele gostava de mais coisas do que apenas combater. Edward havia tido vários filhos ilegítimos o que não era incomum para a época. Há rumores de que ele andava sempre acompanhado de amigos que se ofereciam para livrá-lo desses embaraços. Ele próprio teria ordenado o afogamento de seus "pequenos bastardos".


Edward tornou-se Príncipe de Gales, mas detestava a vida na corte, ansiando pelo calor da batalha. Ele teve um aperitivo do que era uma guerra aos 17 anos, quando cavalgou impetuosamente para participar da Batalha de Crécy em agosto de 1346. Foi uma vitória total para os ingleses que se provou devastadora para os franceses. Edward participou ativamente das escaramuças, chegou a ser derrubado de seu cavalo, mas continuou marchando pelo campo de batalha coberto de barro, sangue e corpos mutilados. Seguiu ceifando golpes às cegas com a espada usando-a como um grande cutelo em suas mãos. Dizem que ele matou vários inimigos e que ao terminar o frenesi da batalha, ainda coberto de sangue e vísceras seguiu direto para um bordel local para descarregar o que restava de suas energias. O Príncipe havia provado do doce néctar da morte e gostara do sabor.  

Os franceses se tornaram seus inimigos frequentes e ele teria a chance de enfrentá-los repetidas vezes ao longo da célebre Guerra dos Cem Anos. Edward era um adepto do confronto direto, mesmo quando seus exércitos estavam em menor número ou em posição de desvantagem. Se a situação se mostrasse contrária, ele não tinha escrúpulos em deixar os companheiros lutando para fazer uma retirada estratégica. Quando não estava guerreando contra os franceses, o Príncipe vagava pelas estradas em busca de lutas, bebedeira ou camponesas que pudesse violentar. Seus gostos eram vorazes e ele detestava ser contrariado.

Os pais de Edward temiam o caráter impulsivo do príncipe, mas tinham de concordar que ele parecia talhado para ser um soldado. Uma vitória decisiva veio em setembro de 1356, quando ele derrotou os franceses em Poitiers chegando a fazer prisioneiro o rei deles. Há relatos de que ele pretendia desafiar o rei para um duelo onde tencionava matá-lo e enviar sua cabeça para Paris, mas os conselheiros conseguiram dissuadi-lo de tal atitude. Um regate real, afinal, não podia ser ignorado. Entretanto, isso não impediu Edward de matar vários membros da corte, torturar outros, cegar alguns e estuprar as amantes do rei francês.

Mas a barbárie de Edward estaria prestes a atingir outro patamar após a Batalha de Limoges pela qual ele será lembrado para sempre. A Inglaterra ostensivamente governava Limoges e Edward recebeu a administração da cidade e o título de Príncipe da Aquitânia. Ele adorava Limoges, era seu playground para fazer o que bem entendesse. Não é de se surpreender que quando recebeu a notícia de que havia perdido a cidade para um Bispo local, Johan De Cross que resolveu se aliar aos franceses, o Príncipe tenha ficado furioso. De Cross guiou uma guarnição francesa até a cidade e conseguiu tomá-la em agosto de 1370.


Ao receber a notícia, Edward sentiu-se traído e decidiu contra-atacar imediatamente. Ele cavalgou até Limoges e conseguiu reavê-la com relativa facilidade, mas quando ficou sabendo que os cidadãos locais haviam coberto os franceses com honras e os tratado como libertadores, sua fúria cresceu. Cronistas medievais dizem que o Príncipe ordenou que mais de 3000 moradores, homens, mulheres e crianças fossem executadas por traição. A multidão aterrorizada foi conduzida até a praça central que ficou coberta de sangue. As vítimas eram decapitadas e as cabeças arremessadas num vau que cruzava a cidade. Por dias, o rio correu vermelho.  

A vingança de Edward inegavelmente contribuiu para o apelido assustador de Príncipe Negro, ainda que historiadores discutam se o massacre foi tão grande quanto se noticiou na época. É inegável que houve uma matança, mas alguns registros sugerem que essa não passou de 300 prisioneiros. Independentemente de quantos realmente morreram, os soldados de Edward aproveitaram o rescaldo para saquear e incendiar boa parte da cidade. 

Deixando Limoges de lado, existem várias outras teorias sobre como Edward ganhou o nome de "O Príncipe Negro". A primeira foi sua já mencionada crueldade com aqueles que ele derrotou em batalha. O príncipe não acreditava em cortesia com inimigos vencidos e não raramente ordenava que estes fossem agredidos e até mesmo, torturados. Alguns argumentam que a razão para o apelido envolvia o simples fato de que Edward vestia uma armadura preta na batalha. Outros postulam que talvez tenha sido devido à armadura de bronze de sua efígie na Catedral de Canterbury ter ficado preta ao longo do tempo. Outra possibilidade é que seu brasão, composto por três penas de avestruz em um fundo preto, tenha levado ao seu nome.

Após seus sucessos militares na França, a atenção de Edward se voltou para a Espanha, onde ele ajudou o deposto Rei Pedro, outro conhecido como "Cruel" a derrotar seu irmão ilegítimo Henrique de Trastamara. Eduardo o derrotou em Nájera e foi premiado com um lendário rubi cor de sangue. O rubi está na Coroa do Estado Imperial e até hoje faz parte das Joias adornando a Coroa Britânica.


Mas a vida intempestiva de Edward de Woodstock começou a cobrar um alto preço pelos seus excessos. A causa de sua morte é incerta, pois ele sofria de muitas doenças no final de sua vida. O mais provável é que ele sofria com ferimentos antigos que não cicatrizaram corretamente, mas não se descarta um agravado quadro de disenteria. Outros mencionam um câncer, esclerose ou nefrite, doenças que ele parece realmente ter enfrentado conforme descrevem seus cronistas. A causa exata provavelmente nunca será conhecida, mas o que se sabe é que ele morreu antes de poder ascender ao trono. Os ingleses lamentaram a morte do Príncipe negro, mas os franceses celebraram, sabendo que se Edward tivesse se tornado Rei a Guerra poderia escalar e sair do controle.

Após sua morte, o corpo foi sepultado na Catedral de Canterbury, onde um espaço foi mantido ao lado dele para sua esposa, embora, ela tenha preferido ser enterrada ao lado do primeiro marido.

Os desejos específicos escritos pelo Príncipe à respeito do que deveria acontecer após a sua morte são no mínimo curiosos. Ele queria um sepulcro de bronze onde sua imagem vestindo armadura deveria ser colocada. Uma instrução importante é que uma inscrição fosse visível a todos aqueles que passassem por seu local de descanso final. Existem teorias de que sua escolha de ser enterrado na Catedral de Canterbury foi quase uma confissão de seus pecados no leito de morte, já que a capela é considerada um lugar de arrependimento e penitência. Suas motivações para isso nunca foram explicitadas, mas talvez o epitáfio abaixo lance alguma luz sobre suas intenções:

Tal como você é, algum dia fui eu.

Como eu sou, você será.

Pensei pouco na morte

Contanto que eu aproveitasse a vida.

Na terra eu tinha grandes riquezas ...

Terras, casas, grande tesouro, cavalos, dinheiro, ouro ...

Mas agora sou um pobre cativo,

No fundo da terra eu deito ...

Minha grande beleza se foi,

Minha carne está carcomida até os ossos ...


O Mausoléu do Príncipe Negro é um dos mais belos da Inglaterra, hoje, tornou-se uma espécie de atração turística que atrai muitos curiosos que não sabem detalhes sobre a vilania de seu ocupante. Bom ou mau, a única certeza, é que todos tem o mesmo destino conforme salienta a inscrição. 

2 comentários:

  1. Interessante. Eu conheço uma história diferente. Ele realmente era chamado de "Príncipe Negro" por causa de sua armadura. Mas era extremamente generoso com seus prisioneiros. Inclusive, quando ele conseguiu aprisionar o rei francês, o tratou tão bem que sua fama de cavalheiro se espalhou por toda Europa. Com relação aos franceses, realmente, ele era famoso por incendiar as plantações para destruir a economia local. Tática eficiente e bem comum para a época. Ele morreu de disenteria e a Inglaterra inteira chorou por seu amado príncipe não ter tido a oportunidade de ter se tornado rei.

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  2. Boa matéria e esse epitáfio ai da uma tatuagem interessante

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