"Tratava-se tão somente de um objeto brilhante em forma de cubo, mas que de alguma maneira a fascinava e atraia seu olhar.
Julia esticou a mão tencionando se aproximar, mas Frank foi mais rápido: "Não toque" ele a conteve apertando sua mão com força e tirando o cubo de seu alcance.
"O que ele faz?" perguntou Julia ainda fascinada pelo brilho do objeto, seus detalhes e floreios intrincados a atraíam de tal forma que ela não conseguia tirar os olhos dele.
"Ela abre portas... para outros lugares, outras experiências." foi tudo o que ele conseguiu dizer, tão simples e tão verdadeiras eram suas palavras.
The Hellbound Heart -
Clive Barker
História
A Configuração dos Lamentos foi supostamente construída pelo artesão e arquiteto francês Phillip August Lemarchand em meados de 1749. Também conhecida como Configuração de Lemarchand, Caixa Miraculosa, Caixa de Pandora e Artefato Lemarchand, o objeto é bastante conhecido em círculos de estudo oculto. De fato, alguns a tratam como um dos mais raros e desejados tesouros do ocultismo, uma espécie de Graal Sagrado misticismo.
Ela consiste de cinco peças distintas, que se encaixam perfeitamente através de engrenagens internas e de um complexo mecanismo semelhante a um relógio de precisão. Cada peça é construída individualmente em bronze e recoberta de laca preta, sua superfície interna é polida como um espelho. Em seguida foram adicionados detalhes em latão dourado nas extremidades externas com floreios e arabescos entalhados à mão. O cuidado com o qual a caixa foi construída reflete a genialidade e dedicação de seu artesão.
O cubo é na verdade um quebra-cabeça incrivelmente intrincado. Suas extremidades podem ser deslizadas suavemente transformando os desenhos na superfície em centenas de configurações diferentes. Cada movimento altera o formato e os desenhos externos gerando uma infinidade de padrões.
A mais impressionante característica do cubo é que ele pode ser usado para abrir portais para outras realidades. No caso da Configuração dos Lamentos ela abre uma passagem para uma realidade que muitos consideram como sendo o próprio Inferno. Existe a crença que ela também pode abrir uma passagem para o paraíso, mas que em conformidade com a passagem bíblica "há 999 portas para o inferno e apenas uma que conduz ao reino dos céus".
Uma teoria que parece mãos correta, sugere que a caixa e uma espécie de chave que modifica o tecido da realidade e permite a abertura de portais dimensionais identificados pelas diferentes configurações obtidas pela manipulação do artefato. Sabendo-se que boa parte das pessoas que manipularam a Configuração acabaram abrindo a passagem para a mesma dimensão, e provável que ela seja uma espécie de armadilha conduzindo invariavelmente para o mesmo ponto.
Manipular a caixa exige um conhecimento extremo de enigmas e do funcionamento de quebra-cabeças tácteis. Compreender o funcionamento do mecanismo interno requer concentração extrema e muitos ocultistas dedicam anos pesquisando antigos tomos em busca da maneira correta de manipular o cubo. Certos livros, como o extremamente raro "Caenobium" trazem detalhes sobre esses pormenores, mas se ele é preciso, ninguém sabe ao certo. Por via das dúvidas, os mais cautelosos, evitam até mesmo tocar o cubo. O cuidado é justificável pois cada movimento das extremidades pode alterar os desenhos na face do artefato e causar uma reação indesejada.
A Configuração está intimamente ligada a criaturas conhecidas como Cenobitas, servidores demoníacos de Leviatan o Senhor do Labirinto. Estas entidades obscuras habitam outra realidade e se alimentam de sensações, sobretudo dor e sofrimento, impingidas em outras pessoas. Eles próprios não conhecem emoções ou sensações a não ser o êxtase experimentado pela flagelação dos corpos. Para muitos, a dimensão dos cenobitas é o Inferno e qualquer um aprisionado nela experimenta as agruras do próprio.
Cenobitas se manifestam em nossa realidade através de portais dimensionais. Seu propósito é escoltar o indivíduo até sua dimensão e apresentá-lo às brutais ferramentas de tortura que eles manejam habilidosamente. A dimensão em si é descrita como um labirinto de corredores escuros, passagens estreitas e aposentos onde os instrumentos de suplício estão colocados. Em algum lugar do centro desse labirinto existe uma grande área aberta no qual se encontra uma espécie de mirante. neste à distância, flutua no ar a firma de Leviata, uma forma de losango que remete a uma configuração da caixa. Ele costuma se aproximar daqueles que suplicamos uma audiência ao se colocar no mirante.
Uma vez que poucos são os que conseguem navegar pelo labirinto incólumes, a audiência com o Deus do Labirinto tende a ser algo extremamente raro.
O mais provável é que aqueles que abriram o portal serão encontrados primeiro pelos cenobitas. O horrível ritual dessas criaturas tenciona submeter a pessoa a um suplício extremo que transcende a definição de dor, penetrando no êxtase. Qual o propósito desse martírio não se sabe, mas alguns conjecturam que o sofrimento físico nutre o Leviatã.
Sobre Phillip Lemarchand
Phillip Lemarchand viveu na França pré-revolucionária. Ele foi um arquiteto, artesão e designer postumamente apontado como um dos mais prolíficos, embora não confirmados, assassinos de sua época.
Lemarchand primeiro ficou conhecido pela construção de intrincadas caixas de música que rapidamente se tornaram uma febre na França. As caixas, conhecidas como Peças Lemarchand eram verdadeiras obras de arte com características, melodias e desenhos únicos. Algumas delas ainda podem ser encontradas em museus e coleções particulares em toda Europa. Posteriormente em 1749, o artesão começou a desenhar novas peças em forma de cubo. Ele os chamava de Configurações e eram artefatos delicados, criados com extremo talento e dedicação. As peças encontraram um público seleto formado por nobres e burgueses ávidos por novidades.
No ápice de sua carreira, Lemarchand foi um dos artesãos mais prestigiados da França, contratado para construir peças que lhe trouxeram fama e fortuna. Dizem que ele teria trabalhado até para os Reis de França na criação de jóias exclusivas. Por volta de 1755, Paris foi assolada por escandalosos e inexplicáveis desaparecimentos, quase sempre envolvendo indivíduos ilustres, muitos dos quais, clientes de Lemarchand que haviam adquirido suas peças exclusivas.
Suspeitas recaíram sobre o artista, especialmente depois do misterioso desaparecimento de seu aprendiz, o filho de um conceituado ourives. Lemarchand foi indiciado e aprisionado pelas autoridades que o interrogaram. Os detalhes do inquérito movido contra Lemarchand desapareceram durante o caos que se seguiu à Revolução, mas sabe-se que ele chegou a ser julgado.
A despeito de uma suposta condenação, Lemarchand conseguiu escapar e segundo rumores se estabeleceu por volta de 1782 na Espanha. Em 1797, ele atravessou o canal da Mancha se refugiando em Londres. Em 1811 finalmente retornou à Paris, onde desapareceu assim como muitas de suas alegadas vítimas.
A Lenda
O nome Lemarchand é associado a morte e mistério. As atrocidades atribuídas a Lemarchand fazem dele uma dos mais infames figuras da história da França, rivalizado apenas por Giles de Rais, este sim um genocida comprovado. Curiosamente nunca foram apresentadas provas contundentes que o ligassem a qualquer desaparecimento ou assassinato. O vínculo que ele tinha com uma grande quantidade de indivíduos que simplemente sumiram sem deixar vestígios o coloca na posição de suspeito principal.
As lendas mencionam que o artesão dissolvia os corpos de suas vítimas em tinas de ácido no seu ateliê ou que as queimava em uma enorme lareira. Para ajudá-lo nessa sórdida tarefa ele contaria com o auxílio de comparsas, criados, ghouls e até diabretes que o serviam fielmente. As conjecturas variavam enormemente na época que Lemarchand foi acusado.
O julgamento foi um acontecimento, mas a despeito de sua notoriedade, pouco se sabe de concreto sobre o homem. Quase todas as informações existentes se baseiam em rumores e especulações. A maior parte de suas construções arquitetônicas (supõe-se que eram pelo menos 15 em Paris) foram destruídas durante o período de reurbanização da cidade ou posteriormente na Segunda Guerra Mundial. Existem poucos registros documentando eventos de sua vida privada, sequer se sabe ao certo se ele foi casado e se teve herdeiros. Mesmo mençoes às suas obras de arte mais famosas, as Configurações são raras e concedem poucas informações.
Sabe-se que ele nasceu em meados de 1717, foi educado na Academie Royale de Pinture et Sculpture em Paris nas primeiras décadas do século XVIII, que era um maçom, e que ele se mudou para a Espanha e depois para a Inglaterra a fim de se livrar do estigma pela associação de suas obras com misteriosos desaparecimentos. Sabe-se que ele tinha interesse em assuntos esotéricos e que era um entusiasta de ocultismo. Os rumores na época do julgamento insinuavam que ele tinha um pacto com o demônio e que Lúcifer em pessoa havia lhe concedido um talento singular.
Seria esta última informação a respeito de Phillip Lemarchand a razão de sua infâmia. Teria sido o interesse dele por temas controversos o que lhe valeu sua fama como homem dado a comportamento bizarro e possível homicida? Fato é que as poucas notas de rodapé sobre Lemarchand sempre vem acompanhadas de comentários desabonadores. Ele teria matado um criado que falhou em uma tarefa, teria castigado uma jovem que não cedeu seus encantos, teria assassinado comerciantes que se negaram a negociar com ele...
Mas nenhuma dessas façanhas jamais foi comprovada. A maioria dos dados a respeito do artista se perderam, quando ele fugiu da França após seu julgamento. Sua casa e posses haviam sido destruídas e saqueadas pela população parisiense. A maior parte dos registros sobre sua vida também acabaram destruídos por ordem de nobres que temiam ter seus nomes associados a um possível assassino.
O nome de Lemarchand acabou passando para a história pela infâmia de seus supostos atos, contudo, após a Revolução francesa e os anos do Terror, o impacto desses boatos empalideceram diante de atrocidades cotidianas bem reais.
O Legado de Lemarchand
Acredita-se que o artesão construiu mais de 270 cubos antes de desaparecer. Estas peças mudavam de mãos rapidamente, ainda que colecionadores as buscassem avidamente.
Lemarchand tinha a venerável idade de 94 anos quando retornou a Paris e se hospedou no L'Hotel D'Arnais no Quartier Latin, um prédio cuja planta ele próprio desenhou. Ele jamais saiu de seu quarto, recebia a comida na porta e não se ausentou do cômodo nos três meses que ficou hospedado. Quando o gerente do hotel finalmente entrou no aposento após dias sem notícia dele, encontrou apenas a mobília, e uma das Configurações depositada sobre uma poça de sangue. Talvez tenha sido um fim adequado, juntar-se ao mistério daqueles que desapareceram.
O nome de Lemarchand ainda é citado pelos entusiastas de seu brilhante trabalho como artesão e arquiteto. Alguns prédios projetados por ele ainda estão de pé na parte antiga da cidade e uma luta para reconhecer o valor histórico arquitetônico de suas obras está em curso.
Lemarchand contudo será lembrado pelas suas Configurações. Ocultistas de renome como Austin Osman Spare, Eliaphas Levi, A.E Waite e Aleister Crowley mencionaram em algum momento de suas obras os cubos criados por Lemarchand. Invariavelmente, eles são tratados como poderosos artefatos dotados de poder oculto.
Muitas figuras na história teriam tido contato com Configurações. Voltaire foi presenteado com uma das peças, assim como Benjamin Franklin que em sua visita a Paris recebeu um cubo que tratou de levar para a América. Francis Dashwood, o fundador do célebre Clube do Inferno teria adquirido um cubo que foi usado em rituais nas catacumbas de Edimburgo. O Conde de St. Germain por um curto período de tempo teve uma configuração presenteada a Catarina da Rússia pouco antes dela assumir o poder. O Czar Nicolau II teria adquirido essa mesma peça pouco antes da Revolução Bolchevique, e Stalin foi seu último dono. O cineasta Cecil B. Demille se orgulhava de ter um cubo em sua coleção, assim como o dono da Standart Oil, Nelson Rockfeller que doou a sua peça para o Museu Smithsonian. O arquiteto do nazismo Albert Speer vasculhou Paris em busca de peças Lemarchand e após a Segunda Guerra rumores a respeito de peças surgindo e desaparecendo circularam sem parar.
O interesse de colecionadores em todo o mundo ainda é grande no que se refere às peças exclusivas de Lemarchand. Talvez o interesse despertado por elas esteja abaixo apenas das peças do designer Fabergé.
Para se ter uma idéia uma configuração construída em 1764 foi vendida na Tailândia em um leilão fechado em 1998. O objeto foi arrematado por um colecionador cuja identidade não foi revelada pela quantia de dois milhões e meio de dólares.
Impressionante. Quanto mais eu sei sobre o assunto dessas peças mais fico fascinado. Acho que como item mágico, só perde para A Chave de Prata.
ResponderExcluirÓtimo texto! Também sou fascinado pela Configuração de Lamentos!Tenho uma réplica dela na minha sala .
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