terça-feira, 3 de janeiro de 2023

A Trilha do Sr. Crowley - Os lugares soturnos que a Grande Besta visitou


Nascido no ano de 1875, é provável que não haja nenhuma figura na história que possa ser considerado tão sinônimo de esoterismo e magia quanto Aleister Crowley. O ocultista, feiticeiro cerimonial, poeta, pintor, romancista, montanhista e autoproclamado profeta inglês, encarregado de levar a humanidade a uma era de consciência cósmica e auto-realização chamada de Eón de Horus, iria ao longo de sua vida também ser conhecido como "A Grande Besta" e o "Homem mais Perverso do Mundo", uma reputação que ele conquistou por méritos próprios. 

Originalmente um membro da prestigiada Ordem Hermética Esotérica da Golden Dawn, que se dedicava à magia antiga e filosofia mística, Crowley deixaria ao longo de sua vida uma marca indelével no ocultismo. Ele foi fundamental para o desenvolvimento de vários movimentos religiosos e esotéricos alternativos, como a Ordo Templi Orientis, uma Sociedade chamada A∴A∴, e um culto de magia cerimonial chamado Ordem de Thelema, que Crowley acreditava ter sido ordenado a formar por uma entidade sobrenatural chamada Aiwass

Ao longo de sua vida muito (muito, muito) estranha, ele seria uma figura altamente influente no esoterismo ocidental, viajaria pelo mundo e entraria em todos os tipos de aventuras estranhas, e aqui veremos alguns desses lugares misteriosos ligados ao legado sombrio do soturno Senhor Crowley.

Um lugar em que a aura de Crowley ainda paira remonta aos seus dias quando ele era membro da Ordem Hermética da Golden Dawn. Essa Ordem mística nasceu na Era Victoriana e foi co-fundada pelo influente Samuel Liddell MacGregor Mathers. Crowley prosperou nessa sociedade fazendo amizade com Mathers e subindo rapidamente na hierarquia interna como um tipo de virtuose do cenário místico. Todos queriam conhecer o jovem Crowley e ouvir suas teorias peculiares, ainda que também tenha colecionado desafetos na Sede londrina. Seus críticos detestavam seus modos excêntricos, bissexualismo aberto , e seu estilo de vida hedonista e libertino. 

Usando de genialidade, brilhantismo acadêmico e trapaça, Crowley tentou ingressar no segundo posto mais alto da ordem que lhe foi negado apesar de Mathers apoiá-lo. A presença de Crowley causou uma grande divisão dentro da organização - uma disputa mística que envolveu acusações e dizem, encantos de morte. Mathers desafiaria o veredicto de seus pares na Sede de Londres e não apenas promoveria Crowley ao posto de "Adeptus Exemptus", um dos mais altos , mas também declararia que o capítulo de Londres não era uma parte verdadeira e oficial da Golden Dawn. No fim, os membros da Ordem acabariam por destituir o próprio Mathers. 

A ferrenha disputa interna causou uma grande fratura dentro da ordem. Crowley, o pivô da Crise chegou à conclusão de que a única maneira de remendar o problema era lançar um ataque mágico total ao templo da Ordem Hermética de Londres, localizado na época em 36 Blythe Road.


A sede londrina da Ordem Hermética da Golden Dawn era na época chefiada pelo famoso poeta irlandês, dramaturgo, escritor, ganhador do Prêmio Nobel e luminar da literatura William Butler Yeats, outra estrela em ascensão da Ordem e do ocultismo victoriano. Crowley e Yeats se tornaram inimigos mortais e escandalizaram a sociedade inglesa com uma rivalidade bizarra. Em 1900, a Grande Besta se vestiu com um traje completo das Highlands escocesas, com direito a kilt e uma máscara de Osíris, armou-se com uma adaga dourada e lançou o que ele chamaria de "um cerco astral" ao Templo da Ordem. Sua tática era lançar feitiços ritualísticos contra os rivais. 

O plano era conquistar o Templo e convertê-lo em seu, mas não saiu conforme o planejado, pois quaisquer feitiços que Crowley estivesse lançando acabaram irritando a sisuda sociedade londrina e atraindo a polícia local. As autoridades o prenderam, Crowley foi detido por agitação e a Sede de Londres moveu contra ele um processo judicial. 

Nos dias atuais, o local abriga um café chamado George's Café, e não há nada que indique que ali ocorreu a "Batalha da Rua Blythe". Contudo, foi lá, naquele endereço hoje comum que há mais de um século atrás os maiores magos ingleses se enfrentaram num campo de batalha místico - com feitiços sendo lançados e rituais conjurados por todos envolvidos.

O local mais conhecido associado às peripécias mágicas de Aleister Crowley foi a Boleskine House, uma mansão imponente no lado sudeste do Lago Ness, nas Terras Altas da Escócia. Construída na década de 1760 pelo coronel Archibald Fraser como um pavilhão de caça, a Boleskine House tinha uma aura sinistra desde o início, tendo sido supostamente erguida sobre as ruínas de uma igreja do século X que se incendiou. Foi também o esconderijo de um pérfido necromante que segundo as lendas locais andava reanimando cadáveres em um cemitério próximo. Em outras palavras, a mansão era perfeita para alguém como Crowley, que adquiriu o terreno da família Fraser em 1899.


Desde o início, o objetivo de Crowley era usá-lo para realizar uma série de rituais sombrios retirados de um grimório chamado "O Livro de Abramelin". As magias ritualísticas eram a paixão do Bruxo e seu maior fascínio. Ele acreditava ser capaz de realizar uma série de milagres: desde matar com a força do pensamento até ficar invisível, de invocar demônios a ganhar habilidades místicas. Contudo, nessa época, Crowley estava devotado a algo maior: Convocar seu Anjo da Guarda.

O ritual completo descrito no livro era um processo longo, tedioso e desgastante que demandava pelo menos seis meses e envolvia não apenas abstinência de prazeres mundanos, mas também a invocação dos doze Reis e Duques do Inferno. Estes deveriam ser compelidos a remover as influências negativas que exerciam sobre o mago. O grande risco do ritual é que se não fosse executado corretamente nos mínimos detalhes, poderia causar a loucura ou até a morte de seu realizador. 

Era essencial, segundo Crowley, dissipar as energias demoníacas que seriam invocadas no ritual. E essa acabou sendo sua maior falha: os demônios invocados acabaram ficando presos na casa o que causou todo tipo de infortúnio dentro e ao redor da Boleskine House nos anos seguintes. Um conhecido de Crowley, um escriturário chamado Hugh Gillies, sofreu uma série de tragédias pessoais, incluindo a perda de dois filhos. Outro indivíduo tentou assassinar toda a sua família antes de cometer suicídio. E houve inúmeros relatos de aparições fantasmagóricas e espíritos à espreita na área. 

Crowley admitiria que seus feitiços na casa haviam sido um fracasso e ele havia perdido o controle sobre os demônios. Os proprietários subsequentes da Boleskine também experimentariam assombrações, infortúnios e tragédias, incluindo loucura, suicídios e incêndios inexplicáveis. A Boleskine House manteve sua reputação sinistra até os dias atuais, e continua sendo um lugar com uma aura assustadora. 


Outro lugar que Crowley conseguiu imbuir de histórias estranhas é uma pequena ilha desabitada no rio Hudson em Nova York chamada Esopus Island. O lugar não era mais do que uma rocha nua pouco interessante, mas por alguma razão, Crowley pensou que era o local perfeito para traduzir o texto chinês filosófico taoísta  chamado Tao Te Ching

Em 1918, Crowley pegou uma canoa e viajou para a ilha com nada além de tinta, pincéis e corda para rapel, levando consigo 0pouca comida já que declarou que seria alimentado por corvos. Ele então passou os 40 dias e noites meditando, conduzindo rituais, pintando símbolos e mensagens com tinta vermelha nas rochas da ilha e basicamente assustando todo mundo que via seu comportamento bizarro. Crowley se manteve em uma espécie de transe influenciado por potentes drogas e psicotrópicos. 

Em meio ao seu estado psíquico, ele afirmaria que, enquanto esteve na ilha, recebeu inúmeras visões de suas vidas passadas, incluindo o taoísta Ge Xuan, o papa renascentista Alexandre VI, o alquimista Alessandro Cagliostro e o mágico Eliphas Levi, entre outros. Crowley teve sucesso na sua ambiciosa empreitada e o livro foi traduzido. 

Outra estranha façanha realizada por Crowley ocorreu em um local pitoresco chamado Boca do Inferno, ou "A Boca do Inferno", localizado nas falésias à beira-mar ao longo da costa oeste de Cascais, em Portugal. A Boca do Inferno é um abismo que conduz a um sistema de cavernas e recebe esse nome pelas ondas violentas que batem em seu paredão, criando um turbilhão de água e respingos marinhos. O lugar é notório, temido por muitas pessoas supersticiosas que acreditam ser ele um tipo de portão para os reinos inferiores. De fato, as histórias sobre bruxas, demônios marinhos e coisas estranhas encontram ali um cenário perfeito para se multiplicar. 

Em 1930, Crowley chegou ao local com a intenção de fingir sua própria morte por razões não totalmente compreendidas. O mago fez parecer que havia se lançado naquele abismo espumante e agitado e deixou uma nota de suicídio com o poeta Fernando Pessoa. A nota rabiscada, quase ilegível, escrita em um português terrível e adornada com inúmeros símbolos misteriosos que ninguém conseguia entender, foi amplamente divulgada nos jornais portugueses da época e dizia: "Não posso viver sem você. A outra boca do inferno que vai me engolir não será tão prazerosa quanto a sua."


Embora se pensasse que ele havia se matado por causa de uma amante, Crowley reapareceu três semanas depois em uma expedição artística à Berlim, e tudo indica que a tentativa de suicídio foi apenas uma brincadeira ou um belo golpe publicitário.

Juntando-se à lista de lugares estranhos associados a Crowley está uma pequena e despretensiosa villa de um andar de frente para o Mar Mediterrâneo em Cefalù, na pitoresca costa siciliana da Itália. Crowley e sua amante, Leah Hirsig, alugaram esse local em 1920 com o propósito de usá-lo como um templo e centro espiritual para os seguidores de sua nova sociedade de misticismo, um grupo que ele batizou "Collegium ad Spiritum Sanctum". O proposito era simples, estabelecer uma comunidade onde eles poderiam viver através da Lei de Thelema

Concebido como uma utopia idealista que serviria como escola de magia, templo, centro para rituais e local de cura espiritual, Crowley gostava de se referir a ele como um “antimosteiro” e seu edito para todos que chegassem lá era “ Faça o que tu queres há de ser tudo da Lei”. Não é de se surpreender, obviamente que a cada se tornou um lugar de hedonismo, orgia desregrada, uso de drogas psicoativas, rituais de magia sexual e todo tipo de devassidão. 

Adornado com numerosos murais e obras de arte pornográficas, além de várias pinturas e afrescos de demônios e monstros, Crowley esperava que este lugar se tornasse um destino global para seus seguidores. Lá, pessoas de todo o mundo, poderiam praticar magia e liderar um estilo de vida libertino. Era a utopia da Grande Besta elevada a décima potência, um lugar sem julgamento e sem regras além das idealizadas por cada um.

No entanto, em 1923, os habitantes locais já estavam fartos de todos os rituais e festas sexuais acontecendo aos olhos de todos. Houve uma queixa formal e várias testemunhas corroboraram que o comportamento dos estrangeiros era absurdo, passando do ponto do tolerado.


Após uma festa e ritual escandaloso que custou a vida de um dos protegidos de Crowley em meio a drogas e sexo as autoridades resolveram agir. O grupo foi formalmente expulso da Itália pelo regime de Benito Mussolini. A maior parte das obras de arte foi confiscada ou destruída pelos agentes fascistas que visitaram Cefalù e se depararam com coisas bizarras e inexplicáveis.

As ruínas daquilo que veio a ser conhecido como a Abadia de Thelema ainda estão lá, mas são uma sombra degradada de sua antiga grandeza hedonista. Dizem que a abadia ainda irradia uma aura potente de magia, deixada nas próprias paredes pelos rituais executados, no entanto, atualmente resta muito pouco para mostrar que Crowley e seus seguidores estiveram lá. 

Finalmente, chegamos a um lugar visitado por Crowley no fim de sua vida, uma comunidade inteira que ele supostamente amaldiçoou magicamente por despeito. 

Era o ano de 1944 e o ocultista já velho e fragilizado por uma vida de excessos, mudou-se para uma pequena pensão chamada Netherwood House, em uma cidade litorânea em East Sussex, na costa sul da Inglaterra. Sendo quem era, nao demoraria para o comportamento excêntrico chamar a atenção dos demais hóspedes. Embora Crowley tenha sido relatado a principio como charmoso e gentil, ele frequentemente se apresentava como "666" ou "A Besta". Ele pagava sua secretária com ensinamentos mágicos em vez de dinheiro, seu quarto era, como um jornal disse "repleto de pinturas misteriosas e opressivas como 'totens', cuja finalidade não podia ser compreendida”, e ele recebia a visita de uma procissão de feiticeiros, ilusionistas, alquimistas e outros ocultistas. 

Fora isso, segundo todos os relatos, Crowley levou uma vida relativamente normal (para ele) durante sua estada lá até sua morte em 1947. Contudo, sua reputação o precedia e ele era visto como um usuário de drogas degenerado e adorador de demônios. A cidade de Hastings recusou-se a permitir que ele fosse cremado lá e seu funeral foi chamado de Missa Negra.


  

Apesar do fato de que Crowley parecia estar feliz em Hastings, havia o boato persistente de que ele secretamente detestava o lugar, talvez porque ele foi condenado ao ostracismo por seus atos passados. Seja qual for o motivo, a história popular diz que ele canalizou uma enorme quantidade de energia mágica para amaldiçoar a cidade e aqueles que viviam ali. Pela sua maldição aqueles que nasciam na cidade nao teriam sucesso tentando sair e seriam sempre compelidos a voltar, não importa o quanto tentassem partir. Com efeito, seriam escravos deste lugar que eles nunca poderiam deixar. Diz-se que a única maneira de quebrar os efeitos da maldição é carregar uma pedrinha da praia de Hastings no bolso o tempo todo. 

A própria Netherwood House deixou de ser uma pensão por volta de 1970, e o prédio abandonado rapidamente ganhou a reputação de um lugar assombrado pelo fantasma de Crowley. Houve rumores de que Crowley havia deixado para trás móveis feitos de pele humana, grimórios de magia negra, artefatos egipcios e todo tipo de objetos oculto assustador. Um relato de um jornal da época diz:

"Um jovem saqueador lembrou-se de ter entrado na ruína vitoriana e rastejado até o porão, onde uma visão surpreendente o esperava. Espalhados pela escuridão estavam o que poderia ser chamado de “esculturas de papelão”, recortes, em forma de homem, fortemente crayonados e mantidos juntos por barbante. Eram "relíquias" que Crowley havia usado para fins rituais. Era assustador vê-los pendurados em pregos enferrujados e nas costas de cadeiras quebradas naquele silêncio estático e cheio de poeira. O mago havia falecido há muito tempo, mas seus dispositivos estranhos e ligeiramente infantis permaneciam como vestígios de um propósito misterioso além da mortalidade."

Crowley foi certamente uma figura importante no mundo do ocultismo, e definitivamente deixou sua marca em todas as coisas relacionadas à magia. Sua vida foi tão bizarra e tem sido tão comentada e especulada que às vezes é difícil separar o fato da ficção, mas ele certamente gostaria que fosse assim. 

Aqui vimos alguns dos lugares mais famosos, ou talvez infames associados a ele, e eles dão um vislumbre da estranha história desse indivíduo enigmático, lembranças de um pedaço muito estranho da história que será para sempre entrelaçado com o universo esotérico e o reino do paranormal.

2 comentários:

  1. E o Jimmy Page chegou a morar nessa mansão um tempinho kkkkk bicho doido

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  2. Vale ressaltar... Crowley não era satanista nos termos do satanás Católico. Menos ainda Thelema seguir essa ideia.

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