domingo, 27 de agosto de 2023

Cinema Tentacular: Resenha de "Fale Comigo" (Talk to Me)


Muitas pessoas defendem a tese de que filmes de terror precisam se reinventar constantemente para serem efetivos. Se um filme não trouxer novidades e frescor, dificilmente ele vai assustar alguém. Eu penso de forma diferente, os filmes de terror só precisam ser bem feitos para serem efetivos. O medo vem naturalmente, de acordo com o que é mostrado.

Tomemos por exemplo Fale Comigo (Talk to Me) que acaba de estrear no cinema. Você sem dúvida já viu essa história antes, se for um fã do gênero, você já assistiu centenas de filmes com uma premissa similar. A de que procurar no sobrenatural a solução para suas aflições é no mínimo perigoso. Contudo, apesar da história comum, ele consegue um excelente resultado.

"Talk to Me" é uma típica história de fantasmas, espíritos malignos e Possessão. Quando o filme começa e você ouve os detalhes sobre um ritual que envolve convidar espíritos para possuir uma pessoa e estabelecer uma conversa, está na cara que isso não vai prestar. A diferença é que você não imagina o quão barra pesada vai ser a coisa.

"Talk to Me" coloca a culpa dos acontecimentos nas mãos dos seus protagonistas adolescentes. São eles que invocam o terror, sabendo dos possíveis riscos de suas ações e dos perigos envolvidos. É uma alusão clara ao universo do vício, no qual mergulham aqueles que estão dispostos a testar pela primeira vez e que se acham espertos a ponto de acreditar poder parar quando bem quiserem. Em determinado momento, os personagens estão tão enredados pela situação que não há escapatória. Os envolvidos estão perdidos e serão destruídos por um dos horrores mais viscerais dos últimos tempos.

Tudo começa com uma mão de gesso, supostamente o apêndice embalsamado e decepado de um famoso médium morto. O estranho objeto vem acompanhado de maldições e maus agouros. Ao segurar a mão macabra e recitar algumas palavras, as portas do sobrenatural não são apenas abertas, elas são escancaradas.


Os co-diretores Danny e Michael Philippou, gêmeos australianos de 30 anos alcançaram popularidade graças ao seu canal no YouTube, o RackaRacka, no qual mortes são encenadas com resultados pavorosos ainda que cômicos. Fale Comigo é o primeiro filme da dupla e uma estreia deveras promissora. O filme foi aplaudido em festivais, ganhou as graças do público e critica que o chamaram de "o melhor filme de terror do ano". Não por acaso, ele foi adquirido pela distribuidora independente A24 responsável por algumas das melhores produções do gênero.

A cena de abertura dá o tom do que vem pela frente e é simplesmente brutal. Uma festa sanguinolenta que continua ao longo do filme, com gore desenfreado e uma história sinistra até o talo.

Mas “Talk to Me” também é uma história movida pelo amor incondicional e pela sensação esmagadora da perda, sentimentos que fazem com que os personagens enfrentem perigos tentando se conectar àqueles que amam e de quem sentem saudades. A dependência é total!

A trama é bastante simples, centrada em Mia (Sophie Wilde), uma adolescente ainda se recuperando da traumática morte de sua amada mãe dois anos atrás e que está cada vez mais distante do pai. Em uma tentativa equivocada de se sentir melhor, ela vai a uma festa onde o destaque é a já mencionada mão, de origem obscura.

Na festa ela ouve falar dos supostos poderes da mão e se interessa pela história. As regras para acessar os poderes da mão são bastante simples: 


1. Pegue a mão e repita “Fale comigo” para comungar com os mortos. 

2. Diga "Eu deixo você entrar" para permitir que o espírito assuma o controle de seu corpo. 

3. A comunhão não deve durar mais de 90 segundos, ou haverá sérias consequências. 

4. Você acende uma vela para abrir a porta para o além e apaga para fechá-la. 

5. Se você morrer antes de conseguir fechar a porta, o espírito fica com você.

Num misto de curiosidade sobrenatural e arrogância adolescente em suas formas mais básicas, Mia aceita tomar parte do ritual. E é assim que a coisa tem início, de forma bastante inocente.

Após participar do ritual — ao mesmo tempo estimulante e profano — Mia, sua melhor amiga Jade (Alexander Jansen) e o irmão desta, Riley (Joe Bird), vão para casa achando que nada de mais irá acontecer. Eles estão errados, muito errados.


Os três atores são excepcionais, mas Wilde e Bird cativam sem fazer esforço. É fácil sentir conexão e proximidade com eles e se importar com seu destino. Ambos usam expressão corporal para elevar suas performances em sequências impressionantes. Nas tétricas cenas em que as entidades controlam os jovens, seus corpos são forçados até o limite se contorcendo e agindo de forma selvagem. A centelha de humanidade acaba sufocada por um descontrole aterrorizante. Entre momentos chocantes - bestialidade involuntária e múltiplas tentativas de suicídio motivadas por fantasmas - as notas de terror se intensificam e rendem um filme assustador.

De fato, fazia muito tempo que um filme de possessão não conseguia criar um horror tão enervante, recorrendo apenas a atuação dos intérpretes. Estivesse nas mãos de outro diretor, talvez não rendesse tanto, mas conduzida com tons macabros, a possessão se torna algo agoniante.

O espectador não é poupado em momento algum. "Fale Comigo" é cheio de sons viscerais, efeitos especiais bizarros e inúmeras reviravoltas que deixam o público na ponta da poltrona. O sangue em “Talk to Me” não é exagerado, mas com certeza é farto. Segundo os diretores, o uso de efeitos práticos, aprimorados com CGI, amplificam o terror ao máximo.

Não há nada de revolucionário na premissa de idiotas ingênuos tentando se aproximar do sobrenatural. Mas novamente, é a engenhosa combinação de horror e conexão humana que faz de “Talk to Me”, ser algo memorável.

Talvez seja cedo para cravar ser esse o melhor filme de terror do ano, mas sem dúvida está no topo da lista.

Trailer:


2 comentários:

  1. Olá. Esse enredo tem um pouco de "A Mão do Macaco", não tem?

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  2. Acabei de assistir ao filme e me deparei com tua resenha! Filme excelente em todos os sentidos, realmente. O melhor do ano até aqui, com certeza.

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