terça-feira, 1 de agosto de 2023

O Homem na Cela de Vidro - O criminoso mais perigoso da Inglaterra


Eles o chamavam de "azul" porque essa era a cor que o rosto de sua primeira vítima ficou depois dele o estrangular. Em seguida ganhou o apelido de "colher" após assassinar um colega de prisão e deixar uma colher enfiada no crânio dele. A mesma colher que ele usou para comer um pedaço do seu cérebro.

Sua terceira e quarta vítimas morreram na mesma tarde após um frenesi de sangue que parecia ter saído de um conto de terror.  Depois dessas mortes, Robert Maudsley adquiriu o apelido que pegou: Hannibal, o Canibal e se tornou sinônimo de maníaco e pessoa perigosa.

Na Inglaterra ele ganhou enorme popularidade e por conta disso, está trancafiado há mais de 50 anos, sem qualquer previsão de um dia ser posto em liberdade. Isso porque os psiquiatras são unânimes em atestar que seria questão de tempo até ele matar novamente.

Embora tenha quase 70 anos e não tenha cometido nenhum crime nos últimos 45 anos, Maudsley é oficialmente classificado como o prisioneiro mais perigoso da Grã-Bretanha, um homem que representa um risco tão alto para aqueles ao seu redor que passou a última metade do século em isolamento.

O prisioneiro está alojado em uma cela exclusiva chamada de "Gaiola de Vidro", uma unidade situada no porão da prisão de Wakefield. O local tem uma semelhança incrível com cela do Dr. Hannibal Lecter em O Silêncio dos Inocentes. Ela foi construída para Maudsley em 1983, sete anos antes do lançamento do filme. Com cerca de 5,5m por 4,5m, a cela é um pouco maior que as outras e têm grandes janelas à prova de balas através das quais o preso pode ser observado.

Os únicos móveis são uma mesa e uma cadeira, ambas feitas de papelão compactado. O banheiro e a pia são aparafusados ao chão, enquanto a cama é uma laje de concreto com colchão.

Uma porta de aço sólido se abre para uma pequena gaiola dentro da cela, envolta em perspex grosso, com uma pequena fenda na parte inferior pela qual os guardas passam comida e outros itens para ele. Ele permanece na cela 23 horas por dia. Durante sua hora diária de exercício, é escoltado até o pátio por seis agentes penitenciários fortemente armados. Ele não tem permissão para entrar em contato com nenhum outro preso. É um nível de isolamento intenso ao qual nenhum outro prisioneiro, nem mesmo Myra Hindley, foi submetido.


Certa vez um guarda sorriu após dar uma ordem e Maudsley não gostou. Ele disse que era bom o sujeito tirar o sorriso do rosto, senão ele o faria. O guarda pediu transferência imediata, estava aterrorizado com o tom que o interno usou para ameaçá-lo. Alguns dizem que o preso tem esse dom, o de "entrar na cabeça das pessoas e causar terror simplesmente falando com elas". 

A bizarra e trágica história de Maudsley já se tornou assunto de teses, documentários e filmes. Alguns explorando os elementos mais medonhos de seus crimes, outros tentando definir o que o transformou no que ele é hoje. Após entrevistarem membros de sua família, amigos e colegas de prisão, e ter acesso as cartas e sessões, psiquiatras ainda tentam entender quem é o sujeito preso há tantos anos. É certo que seu comportamento furioso está ligado a infância abusiva que transformou o homem em um matador.

Maudsley tem QI de nível gênio, é amante de música clássica, poesia e arte. Passa o tempo lendo, escrevendo e compondo. Ele obteve diploma por correspondência em teoria musical. Amigos e familiares o descrevem como gentil, calmo e muito inteligente. Eles gostam tanto de sua companhia quanto de seu senso de humor. Ainda assim, as visitas são conduzidas através do vidro grosso. O contato humano é um benefício que ele não pode ter. 

As fotos mais recentes dele têm mais de 20 anos e foram tiradas durante um documentário feito sobre seu tempo na prisão. Os rigores da solitária cobraram seu preço e hoje Maudsley parece muito mais velho do que seus 70 anos. Ele tem uma barba grisalha, seu cabelo é longo e ralo e sua pele, pálida pela falta de luz solar, retraída nas maçãs do rosto.

Durante seu último julgamento por assassinato em 1979, o tribunal ouviu que, durante seus acessos de fúria, Maudsley acredita que as vítimas são seus pais. Os assassinatos, argumentaram os advogados, foram resultado de agressões reprimidas resultantes de uma infância de abuso quase constante. "Quando mato, acho que tenho meus pais em mente", disse Maudsley. 'Se eu tivesse matado meus pais em 1970, nenhuma dessas pessoas precisariam ter morrido. Se eu os tivesse matado, então estaria andando por aí como um homem livre sem nenhuma preocupação no mundo."


O problema é que Maudsley sofre de frequentes alucinações nas quais revive momentos de seu passado. Ele já acordou furioso várias vezes, despertando de sonhos que o fizeram destruir sua cela. Em certa ocasião, ele se lançou repetidas vezes contra o vidro tentando agarrar os guardas que ele via como seus pais. Se não fosse a divisória, teria os alcançado e provavelmente haveria uma tragédia.

Maudsley nasceu em junho de 1953, o quarto filho de um motorista de caminhão de Liverpool. Antes de seu segundo aniversário, Robert, seus irmãos Paul e Kevin e a irmã Brenda foram todos levados para cuidados por sofrerem com a negligência dos pais.

O jovem Robert passou a maior parte de sua infância na Nazareth House, um orfanato católico administrado por freiras em Liverpool. Durante esse tempo, ele formou um vínculo estreito com seus irmãos, mas mal conhecia seus pais, que costumavam visitá-lo ocasionalmente. Eventualmente eles conseguiram a guarda dos filhos de volta.

Seria o início de uma terrível campanha de abuso físico. Seu irmão Paul recorda do que acontecia: "No orfanato, todos nos dávamos muito bem. Nossos pais vinham nos visitar, mas eram apenas estranhos. As freiras eram nossa família e costumávamos ficar juntos. Então nossos pais nos levaram para casa e fomos submetidos a abusos físicos. Era algo que nunca havíamos experimentado antes. Eles apenas pegavam um por um, nos davam surras e nos mandaram para o quarto."

O pior, porém, estava reservado para Robert. "Tudo o que me lembro da minha infância são as surras. Uma vez fiquei seis meses trancado num quarto e meu pai só abria a porta para entrar e me bater, com cinto, fios, sapatos, porretes... o que estivesse perto se tornava uma arma na sua mão. Isso acontecia de quatro a seis vezes por dia. As surras eram brutais e eu desmaiava".

Ele acabou sendo levado pelo serviço social depois de ficar em coma por duas semanas após uma surra. Ele então foi colocado em uma série de lares adotivos. Em pelo menos dois desses lares adotivos ele voltou a sofrer abuso, sendo que, em um deles, Robert foi submetido a abuso sexual. Um dos seus pais adotivos o "emprestava" a pedófilos para ser usado. 


Com 16 anos, Robert conseguiu fugir e foi se esconder em Londres. Na cidade ele desenvolveu um vício em drogas e passou os anos seguintes entrando e saindo de hospitais psiquiátricos após repetidas tentativas de suicídio. Em várias ocasiões, ele disse aos médicos que podia ouvir vozes em sua cabeça dizendo-lhe para matar seus pais e para se defender antes que alguém o atacasse.

Não se sabe ao certo se ele chegou a cometer algum crime nesse período, realidade e fantasias se confundiam na mente tumultuada do sujeito. Ele assegurou mais tarde que matou algumas pessoas, mas nunca houve uma comprovação disso. Trabalhando como garoto de programa para sustentar seu crescente vício em drogas, Maudsley cometeu seu primeiro assassinato confirmado em 1973, depois de ser pago por um sujeito chamado John Farrell para fazer sexo. Quando Farrell, um pedófilo registrado, mostrou fotos de crianças que havia abusado, Maudsley explodiu em um surto homicida.

Ele derrubou o sujeito com socos, subiu sobre ele e o estrangulou com as próprias mãos. A força empregada foi tamanha que a laringe se partiu, os olhos pularam das órbitas e ele ficou com a face azulada. Maudslay ficou ao lado do cadáver até a chegada da polícia e quando recebeu ordem de prisão, explodiu em novo surto, atacando os guardas. Ele foi dominado com dificuldade e levado para a prisão, mantido em uma cela solitária enquanto aguardava julgamento.

Declarado legalmente incapaz, ele foi enviado para o temido Hospital Broadmoor para criminosos insanos e lá permaneceu por três anos. O que aconteceu a seguir tornou-se uma lenda naquela prisão famosa pela brutalidade de seus internos. 

Em 1977, ele tomou um outro paciente, um conhecido pedófilo, como refém e se refugiou em uma cela. Maudslay então o torturou por cerca de nove horas antes de estrangulá-lo e pendurar seu corpo no alto das grades para que os guardas pudessem vê-lo. De acordo com um guarda, a vítima havia sido massacrada ao ponto de parecer ter sido atacada por um animal selvagem. Um detalhe mórbido se destacava em meio a toda aquela atrocidade: o topo do crânio havia sido "aberto como um ovo cozido e uma colher pendia para fora do cérebro visível".

Quando perguntado sobre o que havia acontecido, Maudslay teria explicado que decidiu comer parte do cérebro do sujeito quando ele ainda estava vivo.


Ironicamente, apesar de matar um interno em Broadmoor, dessa vez Maudsley foi considerado apto para julgamento. Ele foi condenado por homicídio e enviado não para o hospital, mas para a prisão de Wakefield, também conhecida como Monster Mansion por reunir os piores criminosos da Grã-Bretanha. Maudsley chegou a Wakefield para descobrir que sua reputação o precedia. Apelidado de "Canibal" e "Devorador de Cérebros", ele estava na prisão há apenas algumas semanas quando se envolveu em outra matança.

De acordo com outros presos que estavam lá na época, Maudsley decidiu matar outros criminosos naquele dia. O primeiro foi o agressor sexual Salney Darwood que tinha fama de ser estuprador de crianças. Ele atraiu Darwood para sua cela e cortou sua garganta com um ferro afiado. Depois escondeu o cadáver debaixo da cama. Maudsley passou o resto da manhã tentando encontrar outras pessoas para atrair até sua cela, mas ninguém quis ir com ele. "Todos podiam ver a loucura em seus olhos", disse um interno. 

Eventualmente, ele entrou furtivamente na cela de Bill Roberts, de 56 anos, e o atacou enquanto ele estava deitado em seu beliche. Maudslay o feriu com uma faca improvisada com o cabo de uma escova de dentes. Após desferir vinte estocadas, enfiou a arma no ouvido da vítima tão fundo que ela se partiu. Para reaver a lâmina, bateu a cabeça de Roberts contra as grades repetidas vezes com o intuito de abri-la.

Alguns minutos depois, Maudslay caminhou até um dos guardas. Estava calmo para alguém coberto de sangue. Ele colocou a faca quebrada sobre uma mesa e informou que faltariam dois presos na próxima chamada.

Condenado por duplo homicídio, Maudsley foi inexplicavelmente enviado de volta à prisão de Wakefield. Os demais internos não queriam sua presença lá e chegaram a ensaiar um motim para que ele fosse enviado para outra instituição. Ele foi transferido então para a solitária até que sua cela exclusiva ficasse pronta para hospedá-lo.


Desde então, os contatos do criminoso mais perigoso da Inglaterra com outras pessoas tem se limitado a equipe responsável por sua segurança e ocasionais visitantes. Os guardas usam trajes anti-distúrbio, com kevlar e protetor facial, que mais parece uma armadura. Eles também usam armas não letais, embora tenham acesso a uma pistola que sempre é mantida perto, para o caso do maníaco escapar. Maudslay não tem permissão de falar com os guardas e estes interagem o mínimo possível com ele. Nunca há contato físico.

Recentemente, Maudslay fez um pedido formal através de seus representantes legais para que sua situação fosse revista e ele tivesse acesso a alguns benefícios. Ativistas dos direitos humanos alegam que ele não representa mais uma grave ameaça e que estaria apto a receber algumas regalias visto que não incidiu em qualquer conduta criminosa nas últimas décadas e que foi um preso modelo.

O próprio Robert Maudslay escreveu em seu apelo: "Tudo o que posso fazer é esperar por um colapso mental ou uma brecha para cometer suicídio. De muitas maneiras, acho que é isso que as autoridades esperam que eu faça. Se não houver possibilidade de revisão em minha pena, peço então que me deem uma pílula de cianeto para que eu possa abreviar as coisas".

Ao que tudo indica o apelo do homem na Cela de Vidro não será atendido, e ele continuará no mesmo lugar onde esteve pelos últimos 16,500 dias.

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