Quando se pensa em trabalhos perigosos as pessoas quase sempre lembram de soldados que arriscam suas vidas em campos de batalha. Lembram também de médicos e profissionais de saúde que se arriscam para tratar de vítimas de doenças contagiosas e letais. Há ainda os que vivem em alto mar, que exploram as profundezas oceânicas ou que voam em foguetes rumo ao espaço.
Quando se fala em trabalhos perigosos nos dias atuais, dificilmente alguém citaria o Milliner, uma profissão que desapareceu ao longo das últimas décadas. Um Milliner era basicamente alguém que trabalhava no ramo da confecção de chapéus - em bom português, um chapeleiro.
Pode ser uma surpresa para muitas pessoas, entretanto a profissão de chapeleiro era considerada tão perigosa no século XIX que gerou até mesmo um ditado: "mad as a hatter" (algo como "louco feito um chapeleiro"). A expressão era usada para se referia a pessoas que aceitavam fazer trabalhos arriscados por pequenas recompensas.
Mas por que esse aparentemente tranquilo trabalho era considerado uma profissão de alto risco?
A resposta carece de certo contexto histórico.
No século XV a sociedade europeia adotou um novo código de vestimenta que incluía uma peça que se tornou comum em todas as camadas sociais. Do mais bem nascido nobre, ao mercador e mais simples aldeão, todos queriam adornar suas cabeças com chapéus. Essa peça de vestimenta se tornou tão difundida na Europa e posteriormente no restante do mundo que era praticamente impossível uma pessoa sair de casa sem cobrir sua cabeça.
No início os chapéus eram caros e difíceis de serem obtidos, mas dada a demanda do artigo logo começaram a surgir chapéus de todos os preços. Quando as nações europeias se lançaram ao mar e dominaram colônias nas Américas, isso deu ao chapéu um impulso notável. As pessoas desejavam chapéus de pele de animais do novo mundo. Não é exagero dizer que uma indústria inteira nasceu com essa necessidade.
Animais eram abatidos nas Américas e suas peles arrancadas e enviadas para a Europa para serem curtidas, tratadas, preparadas e finalmente moldadas no formato de chapéus. Todo esse processo era realizado pelo Milliner, o chapeleiro.
Ok, mas o que há de tão perigoso nisso?
Bem, com a demanda para uma produção cada vez maior, era importante confeccionar os chapéus o mais rápido possível. Um método rápido que permitia separar o pelo da pele dos animais envolvia mergulhar a matéria prima em uma banheira com produtos químicos. Isso reduzia o tempo consideravelmente, mas o principal ingrediente para essa mistura era o mercúrio.
Acontece que o mercúrio emana um vapor altamente tóxico que se inalado de forma recorrente acaba causando uma doença chamada eretismo.
O eretismo é uma condição grave que nos estagios iniciais causa apatia, irritação, depressão e insegurança. Os efeitos são em sua maioria neurológicos, com a exposição frequente a pessoa exposta começa a apresentar um agravamento e efeitos colaterais cada vez mais complexos.
A exposição aos vapores do mercurio pode provocar tremedeira, tics nervosos, euforia, e finalmente delírios. Os chapeleiros passavam horas expostos a grandes tanques com mercurio, mexiam nas peças ensopadas e manipulavam tudo aquilo sem qualquer proteção. Poucos meses nessa atividade podiam ser o bastante para causar o eretismo.
Não era raro que os Milliner manifestassem sintomas bizarros. Alguns apresentavam tremores que os impediam de trabalhar, tinham tremores faciais que quase os deformavam, ouviam coisas, sentiam gostos e cheiros estranhos e chegavam a experimentar alucinações absolutamente reais. Em Londres no ano de 1786 um famoso Milliner foi preso depois de assassinar a esposa e seus dois filhos afogando-os em uma tina em sua oficina. O incidente causou enorme comoção e consolidou a relação entre os chapeleiros e a loucura.
Muitos chapeleiro começaram a ser vistos como pessoas peculiares e dadas a comportamento excêntrico. Não se entendia exatamente o que causava aquilo e embora muitos suspeitassem do Vapor de Mercúrio essa era apenas uma suposição que não justificava sua substituição.
As pessoas definiam o Eretismo como o "Mal dos Chapeleiros" e logo a expressão "louco feito um Chapeleiro" acabou pegando. Estima-se que um em cada quatro Milner acabava desenvolvendo algum grau de eretismo, sendo que muitos terminavam seus dias trancafiados em asilos ou manicômios dado seu estado mental deteriorado. O Eretismo avançado não tinha cura e mesmo se afastando do trabalho insalubre as pessoas continuavam manifestando a doença.
No final do século XIX um estudo realizado pela Academia Médica de Paris determinou a relação direta existente entre os vapores do mercúrio e a misteriosa loucura dos chapeleiros. Um novo composto químico baseado em ácido hidroclorídrico passou a ser empregado em substituição ao mercúrio o que reduziu os riscos da profissão. Curiosamente nos Estados Unidos os profissionais da área substituíram o uso do mercúrio por cloro hidratado no tratamento de peles, somente na década de 1940.
A loucura do Chapeleiro foi imortalizada pelo escritor Lewis Caroll que criou o personagem Chapeleiro Louco para sua obra mais famosa "Alice no País das Maravilhas". Acredita-se que Caroll se inspirou em Theophillus Carter um chapeleiro que vivia perto de sua casa e que era um tipo dado a comportamento peculiar.
É notável como a loucura prolifera nos meios mais insuspeitos, assim como o Caos, ela parece simplesmente surgir onde menos se espera.
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