terça-feira, 30 de julho de 2019

O Desaparecimento do Gringo Velho - O Misterioso destino de Ambrose Bierce


Alguns desaparecimentos misteriosos conseguem atingir o perfeito equilíbrio entre estranheza, ausência de explicação e a vida da vítima. Em alguns casos, esses desaparecimentos parecem incrivelmente adequados, como se eles estivessem fadados a acontecer e como se eles não pudessem ser evitados. Um desses casos, inclui o desaparecimento de um talentoso escritor que escreveu muito a respeito do mundo do sobrenatural e é claro, desaparecimentos, antes dele próprio sumir sem deixar vestígios. De fato, seu desaparecimento sem solução se tornou um mistério persistente que se sobrepôs a sua própria carreira literária, tornando-o mais famoso pelas estranhas circunstâncias de seu fim do que pelas suas histórias horripilantes.

No final do século XIX um dos mais populares autores dos Estados Unidos era um homem chamado Ambrose Bierce. Ele era um veterano condecorado da Guerra Civil além de jornalista e cronista, não apenas de livros e contos, mas de uma série de artigos e ensaios publicados no New York Journal, no New York American e no San Francisco Chronicle. Tamanha era a sua popularidade que ele serviu de inspiração para outros grandes escritores, incluindo Jack London e Joaquin Miller. Embora seus trabalhos hoje sejam um tanto obscuros, ele foi muitíssimo conhecido, particularmente na Costa Oeste da América, especialmente no que tange aos seus trabalhos nos reinos do bizarro e sobrenatural. Bierce era obcecado pelo oculto, pela morte e pelo paranormal, temas que apareciam repetidas vezes em seus contos, com inúmeras aparições, fantasmas e assombrações. Apesar de muitas de suas histórias terem um tom realista, uma bagagem trazida de seu trabalho como repórter, ele se sobressaia em contos de ficção e assombro. Talvez o fato dele escrever sobre o fantástico de maneira tão realista é que constituía o diferencial de suas obras.


É provável que o melhor exemplo disso seja um conto curto com o título "A Trilha de Charles Ashmore"  (Charles Ashmore’s Trail), que foi publicada em uma coleção de 1893, sob o nome "Pode tal coisa existir"? (Can Such Things Be?). A narrativa é construída como se fosse um relato verdadeiro de algo que havia ocorrido, e envolve um jovem homem chamado Charles Ashmore, que em uma noite gélida de novembro de 1878 deixa a casa de sua família, em Quincy, Illinois para apanhar água em um velho poço. Charles não retorna, e sua família, dando pela sua falta sai a procura. Uma vez que na noite anterior havia nevado, haviam pegadas facilmente perceptíveis levando até o poço, mas elas abruptamente somem em determinado ponto. Acreditando que ele pudesse ter caído, os parentes de Charles gritam, mas não obtém resposta. Não há sinal do rapaz, não há pegadas, nem um traço sequer na neve que não parece ter sido perturbada. Ele simplesmente sumiu da existência a cerca de dois metros do poço. O pai e a irmã mais velha, verificam o buraco e descobrem que ele tem uma crosta de gelo que não poderia ter se formado se o rapaz tivesse caído nele. Tornando tudo ainda mais esquisito, a mãe de Charles, quatro dias mais tarde vai até o mesmo poço para apanhar água e ouve um sussurro chamando seu nome. O som fantasmagórico continua a chamá-la, mas ela sai correndo antes que algo pior - e que provavelmente aconteceu com seu filho, possa acontecer.

A história é interessante para qualquer pessoa que goste de mistérios. A maneira como Bierce relata os fatos e a forma como ele fornece à narrativa um verniz jornalístico influenciou muitos outros escritores. Não é exagero dizer que ele foi um dos primeiros a criar esse estilo de literatura, amparada pela prosa jornalística. Outra história dele, "O Caso de Oliver Larch", também envolve um jovem rapaz, dessa vez de de Indiana, que na véspera do Natal desaparece no ar depois que um forte brilho é testemunhado por pessoas que passavam pelos arredores. Quando a  família tenta traçar seus passos, ouve uma voz que parece ser de Oliver vindo de lugar nenhum e cuja origem parece incerta. Oliver teria sido transportado para outra realidade e se via impedido de retornar. Por vezes mencionada como se fosse uma história real, o conto parece ser uma espécie de continuação da primeira.

Há também o famoso "Caso de David Lang", que é parcialmente adaptada em cima de outra história de Bierce intitulada "A Dificuldade de Cruzar um Campo" (The Difficulty of Crossing a Field), e que muitos consideravam como uma narrativa de fatos inexplicáveis e ainda assim reais. Ela relata um incidente envolvendo um tal David Lang que também desaparece, dessa vez diante dos olhos de várias testemunhas embasbacadas. Passando-se no Tennessee, o conto tem lugar em 1880. Um fazendeiro chamado David cruza um campo aberto, quando repentinamente desaparece no ar deixando sua família e um grupo de amigos horrorizados. No lugar em que ele estava, surge um círculo de grama amarelada, e assim como ocorre nos casos de Ashmore as pessoas afirmam escutar vozes que parecem suspensas no ar por dias. No conto, um estudioso chamado Dr. Maximilian Hern, teoriza a respeito de tais desaparecimentos, afirmando que estes são causados por "um vazio no éter universal", que ele especula ser uma falha no tecido da realidade que dura apenas uns poucos segundos. Contudo, toda matéria que está em contato com essa falha acaba sendo vaporizada e destruída, bem como qualquer pessoa que tenha o azar de estar sobre ela. 

Bierce dizia ter entrevistado cientistas e metafísicos que afirmavam ser esse fenômeno causado por campos magnéticos, capazes de abrir buracos para outras realidades e dimensões, onde as vítimas colhidas ficavam presas. O curioso é que o escritor afirmava que essas histórias tinham base em incidentes verídicos. Ele dizia que embora os nomes tivessem sido trocados, as circunstâncias narradas tinham como base acontecimentos dos quais ele havia investigado em seus tempos de repórter. 


Muitas pessoas passaram a entender os contos de Bierce como narrativas oficiais sobre acontecimentos que de fato haviam ocorrido. Essa era a extensão de seu poder de convencimento: transformar situações fictícias em reais, fosse ou não, a sua intenção original. Bierce era conhecido não apenas por escrever com uma autoridade impressionante e uma forte capacidade de convencimento, mas por conceder às suas narrativas realismo.

Outro famoso trabalho de Ambrose Bierce, por vezes considerado como verídico, é a história curta "Casa Esquisita" (Spook House), que foi publicada no Jornal "The Advocate" na forma de artigos. O conto é a respeito de uma velha casa no Kentuck de onde uma família inteira supostamente desapareceu sem deixar rastro em 1858. Seus objetos pessoais, roupas, comida, cavalos e até mesmo escravos ficaram para trás. Na história, um ano depois do desaparecimento, dois viajantes acabam se abrigando na casa durante uma tempestade e um deles também acaba sumindo. O sobrevivente passa a se dedicar a descobrir o mistério da casa que envolve uma sinistra força sobrenatural habitando um aposento secreto. A história, considerada aterrorizante na época foi escrita no formato de reportagem, inclusive com entrevistas, o que concedia a ela uma ar de realismo impressionante.


Ainda que a história fosse fantástica e absurdamente estranha, a forma como ela foi apresentada originou um debate duradouro sobre sua veracidade. Bierce era capaz de habilmente transitar na tênue linha entre verdade e ficção, ao ponto de tornar as duas praticamente a mesma coisa.  

Como é possível perceber facilmente através de seus contos, Bierce era fascinado por mistérios, sobretudo aqueles envolvendo estranhos desaparecimentos. Para criar suas histórias ele conduzia pesquisas sobre o assunto. Ele tinha um profundo interesse nas teorias do teórico alemão Hern Leipzig, que especulava a respeito de "buracos" na nossa realidade, através do qual objetos animados e inanimados poderiam desaparecer, sendo tragados por uma realidade invisível de onde jamais conseguiriam escapar. Esse lugar era tratado como uma espécie de limbo, no qual a vítima deixava de existir, mas onde continuava existindo simultâneamente, invisível ao mundo à sua volta e incapaz de interagir com ele. Bierce concluiu que esses buracos, espaços vazios ou recessos como ele chamava, algumas vezes eram uma das causas para os inúmeros casos de pessoas desaparecidas. Ele elaborava:

"Vamos supor que esses espaços vazios existam em nosso mundo, como cavernas existem na terra, ou buracos existem em um queijo suíço. Em tais espaços vazios não existe absolutamente nada. Trata-se de um vazio completo, uma espécie de éter. Nem mesmo a luz pode penetrar nesse espaço. O som não pode vir de dentro dele, nada pode determinar a sua existência. Ele não é percebido ou captado pelos nossos sentidos e para todos os efeitos não há como determinar a sua existência. Nesse vazio, não há sequer a passagem de tempo. De quado em quando, contudo, algum fenômeno desconhecido é capaz de abrir esse vazio e permitir o acesso ao seu interior. Infelizmente tal fenômeno tem curta duração e quando terminado, aqueles que são tragados para esse vazio se vêem presos nele, para sempre. Não existem mais em nosso mundo, não estão vivos e nem mortos, mas em uma realidade que os devorou".     

Com uma fascinação tão grande por desaparecimentos e com tamanho talento para escrever a respeito deles, parece irônico e sinistramente apropriado que o próprio Ambrose Bierce tenha um dia desaparecido sem deixar qualquer sinal. E seu desaparecimento é, ainda hoje, considerado um dos mais estranhos da história.

Tudo ocorreu em 1913, quando Bierce, que já havia completado 70 anos de idade, decidiu enveredar uma vez mais pelo caminho da guerra e do caos. Em busca de aventura e excitação ele planejou cruzar a fronteira até o México, em plena Guerra Civil para encontrar as forças de Pancho Villa e testemunhar pessoalmente sua luta contra as tropas federais do General Huerta. Bierce não escondia de ninguém que considerava sua experiência como oficial na Guerra da Secessão o momento mais importante de sua existência. Embora ele tivesse lutado com distinção, havia sido ferido duas vezes. Sua participação no conflito serviu para obter inspiração para suas histórias e assunto suficiente para incontáveis narrativas. No final da vida, Bierce desejava experimentar tudo aquilo novamente e convencido que haviam histórias a serem contadas, ignorou os avisos de não se envolver na Guerra que devastava o país vizinho. Bierce escreveu em sua cara de despedida: "Eu estou a caminho do México por que é lá que está a excitação. Eu gosto desse jogo. Eu gosto da luta. E eu quero ver isso novamente".


Tudo se encaixava perfeitamente com a personalidade inquieta de Bierce, que adorava falar a respeito de seus tempos na guerra e como aquilo ajudou a moldar seu caráter. O escritor parecia enxergar a guerra sob um prisma particular: via beleza em meio ao Caos, poesia no horror. Sabe-se que Bierce antes de seguir para o Sul da Fronteira, visitou uma vez mais os antigos campos de batalha da Guerra Civil, inclusive os lugares onde foi ferido. Pouco depois, em dezembro de 1913, escreveu uma carta a sobrinha avisando que estava prestes a cruzar a fronteira próximo de Laredo, no Texas. Ele ficaria alguns dias na cidade de Juarez, para se equipar e traçar seus planos. Essa seria uma de suas últimas correspondências, e de fato, a última vez que se ouviria falar dele, exceto por um cartão postal que ele enviou de Chihuahua, México em 26 de dezembro no qual ele escrevia apenas uma frase: "Jornada de Juarez concluída, à caminho de Ojinaga, está tudo bem".

Dali em diante não se teve nenhuma outra notícia de Bierce. Assim como muitos de seus personagens, ele simplesmente desapareceu da face da terra. Até onde se sabe, ele jamais expressou planos de retornar aos Estados Unidos e chamava sua aventura derradeira de "Jornada de la Muerte", sua Jornada Mortal. Em sua carta derradeira para a sobrinha ele escreveu:

"Adeus - se você ouvir que fui amarrado e colocado diante de um pelotão de fuzilamento por mexicanos, não fique triste. Essa seria uma bela forma de morrer! Muito melhor que morrer de idade avançada, de doença ou caindo de uma escada. Ser um gringo no México, isso sim é vida!"

Em 1919, um amigo próximo de Bierce chamado George F. Weeks partiu para o México com o objetivo de traçar os últimos passos de seu amigo e descobrir o que teria acontecido com ele. Para a maioria das pessoas ele teria sido morto por revolucionários ou tropas federais, pego em alguma emboscada ou se tornado vítima de bandoleiros. Sem dúvida, a Revolução Mexicana foi um tempo de grande violência e brutalidade. Weeks planejava colocar um ponto final nas especulações de que Bierce teria perdido a memória e que passou a viver no México com uma identidade falsa. Durante sua viagem, Weeks encontrou um oficial mexicano que relatou como Bierce teria morrido em uma batalha em Ojinaga, contudo, havia muitos rumores.

Desde seu desaparecimento, teorias sobre o destino final do famoso escritor floresceram. Além da possibilidade mais óbvia e provável dele ter sido morto em uma batalha, haviam os que imaginavam que ele jamais teria ido para o México. Que havia cometido suicídio em virtude de seu estado de saúde. Esses afirmam que as cartas de Bierce e seu estado de ânimo geral demonstravam o quanto ele detestava a noção de ficar velho e inválido. Ele também pode ter cometido suicídio por achar que sua existência havia se estagnado. Outra teoria é que ele teria ficado nos Estados Unidos, mas fabricado a história do México afim de perpetuar sua própria lenda. Nesse caso, ele teria construído a narrativa de seu desaparecimento misterioso. Assim, ele se juntaria aos seus personagens, nublando as linhas da realidade e da ficção para sempre.


Outros afirmavam que ele continuou a viver no México, país que o cativou. Ele teria assumido a identidade de um americano chamado Jack Robinson, indivíduo de quem se sabe muito pouco, mas que teria acompanhado os rebeldes de Pancho Villa por meses antes de também sumir. Robinson se tornou uma espécie de consultor e conselheiro dos rebeldes, afirmando que tinha farta experiência militar, sendo ele próprio um veterano. Aqueles que conheceram Robinson, afirmam que ele era um homem de idade extremamente articulado.

Finalmente ele poderia ter sido assassinado por bandidos de estrada ou capturado por tribos nativas e sacrificado por eles. Essa triste possibilidade contempla que ele simplesmente adoeceu ou foi ferido e terminou morrendo numa cama em algum lugarejo perdido. Posteriormente, ele foi enterrado numa cova sem nome e lá permanecem seus ossos pela eternidade.

No fim das contas, Weeks não conseguiu as provas que buscava, mas descobriu que em sua curta passagem pela Guerra Civil, o Gringo Velho colecionou amigos e histórias. É de se imaginar que narrativas ele teria para contar se tivesse retornado dessa viagem.

Mas existem ainda os que procuram uma explicação metafísica para o ocorrido. Estes defendem que Bierce foi vítima do fenômeno sobre o qual escreveu de maneira tão competente. Talvez ele tenha caído em um "espaço vazio" na realidade e desaparecido para sempre em um limbo do qual não existe retorno. Sobre esse ponto, existe uma narrativa (sem dúvida minha favorita!) sobre o que poderia ter acontecido com o inquieto autor.


Nesta, o Gringo Velho teria sido capturado por rebeldes e levado diante do próprio Pancho Villa. O Comandante rebelde o interrogou e acabou confundindo o homem com algum tipo de espião ou observador enviado pelos americanos para comunicar o curso da revolução. Alegando que havia sido um veterano da Guerra Civil, Villa ponderou que então o velho deveria ser executado como soldado, encarando um pelotão de fuzilamento. Ele concedeu inclusive a honra de ser o oficial presente na execução que daria a ordem de "preparar, apontar, fogo".

Bierce concordou e até teria sorrido diante da honra: "Melhor isso do que viver como prisioneiro".

O velho foi colocado diante de um paredão onde muitos outros haviam sido baleados. Antes entregou uma carta a um rapaz com instruções para faze-la chegar às mãos da sobrinha do Gringo, na Califórnia. Pancho Villa em pessoa contou até três e ordenou que disparassem. Mas então algo inesperado aconteceu! Antes que as balas o atingissem, o alvo simplesmente desapareceu no ar, como se outra realidade o tivesse engolido. Os soldados ficaram tão apavorados que fugiram e mesmo o lendário Pancho Villa não soube explicar o estranho acontecimento. Ele mandou que ninguém jamais mencionasse o incidente para não alimentar histórias de fantasmas. O rapaz incumbido de entregar a carta foi instruído a queimá-la e dessa forma, ninguém saberia o que havia acontecido com o Gringo Velho. Para todos os efeitos ele teria desaparecido durante a Guerra e o Caos que tanto desejava assistir.

O certo é que o desaparecimento de Ambrose Bierce continua sendo um enigma, e seu destino permanece em aberto. Como diziam muitos de seus amigos que o conheceram: "não iria me espantar se um belo dia Bierce aparecesse cheio de histórias e narrativas para contar".

No fim das contas, não importa o que realmente aconteceu com ele, mas que ele provavelmente ficaria satisfeito com o mistério de jamais sabermos ao certo.

domingo, 28 de julho de 2019

Norton I - A vida e o reinado do Primeiro e Único Imperador dos Estados Unidos da América


O escritor Neil Gaiman escreveu que "é um pouco de insanidade que nos mantém sãos". 

É possível encontrar verdade nessas palavras examinando a vida de um homem chamado Joshua Abraham Norton, o primeiro e único Imperador na história dos Estados Unidos da América.

Norton nasceu na Inglaterra e foi criado na África do Sul. Ele se mudou para a cidade de San Francisco em 1840 com o objetivo de investir sua herança. A título de curiosidade, antes ele passou pela América do Sul, e no Brasil se encantou pela noção de um Império Tropical. Com cerca de um quarto de milhão de dólares - quantia mais do que considerável na época, ele planejava realizar investimentos no mercado de arroz. Norton comprou arroz no Peru, mas uma praga inesperada fez com que ele perdesse a safra, um segundo contratempo, dessa vez envolvendo uma fraude de seguro fez com que ele perdesse o restante do dinheiro.

Arruinado e de um momento para o outro levado à bancarrota, Norton desapareceu. Supostamente ele perdeu a razão, contemplando o suicídio e o esquecimento por algum tempo. 

Demorou dois anos até ele ressurgir em San Francisco, disposto a comunicar a todos uma nova e surpreendente notícia. Carregando um papel onde escreveu seu discurso, Norton marchou para o escritório do San Francisco Bulletin, um dos mais importantes jornais da cidade, onde leu sua proclamação:

"À todos cidadãos e companheiros americanos, Eu, Joshua Norton, doravante conforme o pedido e desejo de cidadãos dos Estados Unidos, declaro a mim mesmo Imperador da América e Protetor do México".

E com isso, teve início seu reinado de 21 anos.

A primeira medida de Norton foi ordenar a dissolução do Congresso Nacional sob suspeita de corrupção e fraude. Quando estes se negaram a obedecer, sua segunda ordem foi que o exército ocupasse os salões de Washington e expulsasse os políticos envolvidos em esquemas ilícitos. É claro, as autoridades se mostraram relutantes em acatar as ordens do Imperador Norton I.   

Mas seria um erro pensar que todos os decretos de Norton tenham sido ignorados. Foi ele o primeiro a dar sugerir a construção de uma ponte cruzando a Baia de Oakland, embora sua opinião tenha sido acatada somente 70 anos mais tarde, com a construção da Golden Gate. Ainda mais impressionante foi o conselho do Imperador para a criação de um organismo que representasse as nações e deliberasse a respeito das disputas entre os países membros, diminuindo assim o risco de guerras. Norton não chegou a dar nome para essa Assembléia, mas seu modelo foi adotado no final da Primeira Guerra quando nasceu a Liga das Nações, que antecedeu por sua vez a Assembléia das Nações Unidas.


Norton I foi acima de tudo um governante consciencioso, sempre disposto a ouvir o seu povo e cuidar das questões trazidas pelos súditos. Vestido com um uniforme militar, decorado com botões brilhantes e medalhas, o Imperador andava pelas ruas, muitas vezes atraindo aplausos e acenando para o povo. 

Ele desfilava diariamente, inspecionando os arredores. Quando encontrava algo de que não gostava imediatamente anotava em um bloco de papel e mandava para algum colaborador, de preferência alguém que trabalhasse para os jornais e desse destaque para sua crítica. Um dos seus colaboradores mais próximos era Samuel Clemens, que mais tarde ficaria famoso sob o pseudônimo de Mark Twain. 

O Imperador cobrava ordem e esperava respeito dos seus súditos, mas por vezes alguns o tratavam de forma inadequada. Certa vez, um policial o prendeu sob acusação de desacato e ele foi levado para uma delegacia sob protestos. Uma multidão se mobilizou para liberá-lo e no fim do dia, o Chefe de Polícia se apresentou em pessoa para liberá-lo. Um Juiz teria dado a seguinte declaração:

"Até onde sei, o Sr. Norton jamais roubou seus súditos, derramou sangue ou espoliou qualquer nação, o que na minha opinião é mais do que pode ser dito a respeito da maioria dos Imperadores".  

Norton aceitou de forma magnânima as desculpas do policial que o prendeu e concedeu a ele um Perdão Imperial. Depois disso, todos os policiais que passavam pelo Imperador respeitosamente passaram a saudá-lo tirando o chapéu, referindo-se a ele como Majestade.

De fato, a maioria dos moradores de San Francisco eram muito calorosos com seu Imperador. Restaurantes o convidavam para as refeições, cocheiros lhe ofereciam viagens gratuitas e muitas vezes pessoas o convidavam para beber. Norton I fazia questão de pagar por todos os seus gastos. Ele havia emitido notas promissórias que podiam ser trocadas por dólares, ao menos até que as notas imperiais ficassem prontas. Suas notas eram aceitas no comércio local e trocadas quando necessário. Além disso, a cidade ofereceu ao Imperador um segundo uniforme de gala para que ele pudesse usar em seus passeios. Todos que o saudavam, recebiam um aceno cortês, educado e gentil, como seria esperado de um Governante amado pelo seu povo.

Alguns afirmam que Norton I tornou-se popular sobretudo por ser bom para o turismo. Jornais em todo canto do país falavam do Imperador vivendo em San Francisco e pessoas vinham de longe para conhecê-lo. Norton cobrava uma pequena taxa, na forma de impostos devidos, para conversar e trocar ideias com súditos de terras distantes. Ele chegou a dar autógrafos e tirar fotografias, fazendo desses encontros ótimas oportunidades para colecionadores de souvenirs.


Uma das principais razões para o Imperador ser amado envolvia sua boa índole. Sua bondade pode ser presumida por um incidente ocorrido durante os sangrentos levantes anti-Chineses que ocorreram em 1860 em San Francisco. Na ocasião, lojas e comércio de asiáticos foram destruídos por agitadores racistas. Quando Norton encontrou um grupo de pessoas perseguindo um homem que pretendiam linchar, ele caminhou para o meio destes e começou a proferir o Pai Nosso em voz alta. As pessoas eventualmente acabaram se dispersando, sentindo-se envergonhadas de si mesmas.

Outro dos seus decretos que ganhou o coração dos súditos da cidade, foi uma lei na qual ele proibia o uso do apelido "Frisco" para nomear a cidade que tanto amava. As pessoas podiam usar "San Fran" ou "SF", mas jamais chamar a cidade de "Frisco".

"Nenhuma pessoa que tenha sido alertada, deverá usar a abominável alcunha "Frisco" para designar esta cidade e aqueles que o fizerem, deverão pagar uma multa no valor de 25 dólares".

Norton I foi um Imperador ciente do mundo à sua volta. Ele previu guerras e manifestou sua opinião a respeito de questões diplomáticas do seu tempo. Também sugeriu uma união entre a América e a Grã-Bretanha, através de seu casamento com a Rainha Victória, garantindo assim que os países se tornassem irmãos uma vez mais. Lamentavelmente a Rainha declinou da oferta.

Infelizmente, após 21 anos à frente do Império, Norton I sofreu um infarto e faleceu no final de uma tarde chuvosa. Uma carruagem foi enviada para recolhê-lo assim que cidadãos o reconheceram. Na manhã seguinte, os principais jornais da cidade estampavam a manchete:

"O Rei está morto"   

Em um editorial repleto de sentimento e respeito, o San Francisco Chronicle escreveu:

"No chão comum, na escuridão de uma noite sem lua, Norton I, por graça divina, sagrado Imperador dos Estados Unidos da América e Protetor do México, partiu desta vida deixando um vazio na alma de seus súditos".

Seu funeral foi pago pela comunidade de comércio e homens de negócio. Uma testemunha comentou que durante a passagem da carruagem a caminho do cemitério, todos que se depararam com o féretro tiraram o chapéu em sinal de respeito: "Do Capitalista mais rico, ao mendigo mais miserável, do sacerdote mais justo ao ladrão mais vil, das damas da sociedade, às mulheres da vida. Nenhuma pessoa ficou alheia ao ocorrido".

A procissão fúnebre contou com um cortejo que se estendeu por duas milhas e com mais de 30 mil pessoas. Estas vieram prestar seus respeitos ao Imperador Joshua Abrahan Norton, um homem que muitos poderiam considerar louco, mas que através de suas ações foi mais são e amado que a maioria dos Reis e Rainhas desse mundo.

*          *          *

Eu comecei o texto mencionando Neil Gaiman e concluo fazendo-o novamente. 

O escritor britânico, criador de Sandman, contou à sua maneira a história de Joshua Norton, relacionando sua existência a uma aposta realizada por Perpétuos, entidades que representam as facetas da existência humana. Sonho deu ao homem uma razão para viver, tornar-o um Imperador e ele, com dignidade, desempenhou a função sem jamais perder-se nos reinos do Delírio, Desejo ou Desespero.


A história de Norton I, pode parecer ficção, mas é totalmente real.

Não sei quanto a aposta dos Perpétuos, mas não duvido de nada...

Essa é uma das minhas histórias favoritas, o Sr. Gaiman estava em um momento de inspiração sublime quado decidiu contá-la.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Partes Humanas - Horror no Centro de Recursos Biológicos do Arizona


E agora para algo absurdamente medonho.

Essa notícia apareceu na minha rede de notícias estranhas e incomuns e confesso, por alguns instantes fiquei sem saber se ela era verdadeira ou algo inventado. Francamente, é o tipo da coisa que você lê e pensa: "tomara que seja falso".

Mas como quase sempre acontece nesses casos em que atrocidades bizarras inacreditáveis são cometidas, ela acabou se mostrando verdadeira. O que nos leva a repetir mais uma vez um dos mantras do Blog Mundo Tentacular: "Nada nos reinos da ficção mais bizarra consegue chegar perto daquilo que acontece diariamente no mundo real".

Esse incidente, ocorrido em Phoenix, no Estado do Arizona dá toda uma nova dimensão para a palavra insanidade e coloca em perspectiva até que ponto pode chegar a loucura de algumas pessoas e a ausência total de empatia.

Leia por sua própria conta e risco pois o conteúdo é bem gráfico...
PHOENIX (KPHO/KTVK/CNN) – Horrendos detalhes foram liberados pelas autoridades da Promotoria da cidade a respeito de uma ação legal que está sendo movida por particulares contra o banco de coleta de órgãos de Phoenix.

Em 2014, o FBI invadiu o Centro de Recursos Biológicos (Biological Resource Center - BRC) como parte de uma investigação contra o tráfico de órgãos humanos que estava em curso desde aquele ano.

Os agentes encontraram freezers de estocagem contendo material humano disposto e preservado de maneira absurda, o que causou enorme comoção e reação após a descoberta.

Segundo o testemunho dos agentes envolvidos na apreensão, o conteúdo do lugar demonstra não apenas uma total falta de respeito com o material humano, mas uma bizarra ausência de empatia e profissionalismo. 


"É realmente uma história de horror. Inacreditável! Essa história é totalmente inacreditável", disse Troy Harp, que doou os corpos de sua mãe e de sua avó para as instalações em 2012 e 2013.

Harp é uma das 30 pessoas que estão processando o BRC, e que doaram os corpos de parentes com a promessa de que eles seriam usados em nome da ciência, em pesquisas e diagnósticos clínicos. Um dos objetivos do Centro era estudar o efeito de câncer e de seu tratamento em pessoas que morreram destas doenças. O propósito bastante nobre, era compreender como essas doenças mortais agiam sobre as pessoas acometidas por elas e encontrar formas de tratamento e prevenção. 

"Mal posso acreditar no que fizeram com esses corpos! Eles parecem esquecer que elas eram antes de tudo pessoas, e que deveriam ser tratadas com respeito, sobretudo porque se ofereceram para ajudar os outros", completou em uma entrevista o filho e neto das vítimas.

Mas o que aconteceu afinal de contas?

Agentes do FBI cumpriram mandato de busca e invadiram as instalações do BRC vestindo trajes Hazmat de proteção biológica no desenrolar de uma ampla investigação a respeito de tráfego de órgãos humanos.

Havia indícios de que uma rede abastecia o lucrativo mercado de órgãos humanos e partes de corpos para transplante. Eles vinham agindo no mercado negro, movimentando quantias bastante elevadas. O FBI descobriu que o Centro de Recursos Biológicos do Arizona estava envolvido diretamente, suprindo esse mercado negro com órgãos de indigentes cujos corpos haviam sido separados em triagens em centros hospitalares do estado. Dispondo de freezers, laboratórios e meios de distribuição, pessoas dentro da entidade vinham realizando essas operações clandestinamente pelo menos desde 2009.


Contudo, a investigação acabou descobrindo mais do que isso. Havia um caráter ainda mais estarrecedor do que vinha ocorrendo dentro das instalações do Centro. Algo que desafia a compreensão e deixou a todos enojados.

Um dos agentes descreveu a descoberta de uma sacola num freezer contendo genitais masculinos e femininos, formando o que ele chamou de "uma medonha obra de arte". As partes de anatomia haviam sido unidas com arame para formar uma única peça de natureza mórbida. Em outro freezer encontraram várias cabeças humanas decepadas que foram congeladas em baldes e depois dispostas lado a lado em uma prateleira. Em outro freezer acharam montagens mórbidas de cabeças humanas costuradas a torsos, com braços e pernas de terceiros. Uma dessas figuras era a conjunção do torso de um homem, com três cabeças femininas costuradas. Outra montagem trazia um torso e cabeça que ganhou o acréscimo de pernas e braços adicionais. A cada descoberta bizarra, os agentes do FBI (homens e mulheres calejados com experiência nas mais variadas situações) se sentiam frustrados e irritados.

"Era como entrar em um filme de horror! Fomos confrontados com coisas dignas de filmes de Frankenstein", relatou um dos agentes de capo que participou da invasão. Ele contou que vários outros agentes tiveram de se ausentar e pedir afastamento temporário após as descobertas no local.

Uma espécie de tapete com seis metros de comprimento foi confeccionado com pele humana proveniente de várias pessoas. Ele foi cerzido e costurado, pendendo em uma parede do depósito da instituição. Isso sem mencionar peças menores confeccionadas com cabelo, unhas, dentes e ossos  que foram achadas em diferentes espaços do Centro.

O promotor distrital chamou os procedimentos realizados no Centro de "piadas mórbidas" e que demonstram um "total descaso com os indivíduos e condição humana". A ação criminal especificou que os cadáveres foram cortados com serras elétricas, serras convencionais e bisturis, equipamento normalmente usado para desmembramento anatômico. O testemunho dos agentes envolvidos na descoberta citam "piscinas de sangue humano e fluidos corporais congelados encontrados no chão de pelo menos dois freezers, onde os desmembramentos provavelmente foram realizados".


Uma vez que a maioria dos restos humanos não tinha identificação, o trabalho de reconhecimento dos corpos foi lento. Médicos e anatomistas forenses foram chamados para analisar os restos e separar aqueles que foram criminosamente montados em estruturas. Os parentes posteriormente receberam urnas com as cinzas de seus entes queridos, mas muitos reclamam que não havia como ter certeza se os corpos foram totalmente recuperados.   

O responsável pelo Centro de Recursos Biológicos, Stephen Gore foi sentenciado a um ano de cadeia e mais um período de quatro anos de condicional após se declarar culpado de gestão ilegal de seu negócio. Os responsáveis pela realização e montagem dos restos humanos também foram processados e receberam sentenças que variam de dois a três anos de cadeia. As sentenças pelo crime de tráfico de órgãos correm em um processo separado e constituem crimes consideravelmente mais graves e que devem condená-los a pelo menos 10 anos adicionais.

O CRB foi fechado e a comunidade estuda a destruição das instalações.´

Esse é um mundo muito estranho... muito estranho mesmo!

terça-feira, 23 de julho de 2019

A Passagem Donner - O dramático caso de pioneiros que recorreram ao canibalismo


Atenção: o texto a seguir é bastante pesado e pode perturbar algumas pessoas mais sensíveis. Recomenda-se discrição no momento da leitura.

Aquele foi um inverno especialmente severo.

Na Califórnia, quando os pioneiros do comboio que havia deixado Illinois não chegaram na data combinada, imediatamente temeu-se pelo pior. Nesse caso, o pior podia ser muitas coisas: desde se perder no deserto, até ser atacado por nativos, ser vítima da investida de bandoleiros ou até mesmo padecer de alguma doença. No ano de 1846, uma jornada através da América envolvia perigos extremos e riscos incalculáveis.

Havia o temor de que a caravana jamais chegaria e alguns acreditavam que ela pudesse ter se perdido nas Montanhas de Sierra Nevada, um dos lugares críticos da travessia. As montanhas eram um verdadeiro labirinto de trilhas e cânions que demandavam ter conhecimento do terreno para se guiar pelo caminho correto. 

Assim que o clima permitiu, um grupo de resgate partiu para tentar encontrá-los. A neve ainda estava alta, mas não eram mais os 6 metros que as nevascas haviam tratado de acumular. Muitos acreditavam que a missão estava fadada ao fracasso. Não seria a primeira vez que um vagão de comboio se perdia na travessia. Não seria tampouco a última.

Mas o que o grupo de resgate encontrou nas montanhas foi muito mais apavorante do que simples cadáveres soterrados.

Os corpos estavam lá, mas eles apresentavam estranhos sinais. Faltavam membros e órgãos, havia sinais de que teriam sido cortados e de alguma forma desmembrados. Animal algum seria capaz daquilo, e isso era o mais assustador. Quando os homens encontraram três crianças sentadas na entrada de uma casa, elas não reagiram. Apenas os olharam com expressões perdidas, como se vissem através deles ou os tratassem como fantasmas. Não reagiram sequer quando chamadas.

Dentro da cabana rústica, usada como abrigo ao longo de meses, encontraram os primeiros adultos, com expressões igualmente distantes. Estavam magros, pálidos e tristes, mas vivos.

Atingidos pelo Inverno mais severo em anos.
Contudo, quando um dos homens que veio resgatá-los perguntou como haviam conseguido aquela proeza - resistir a um dos mais rigorosos invernos da história, uma das mulheres simplesmente começou a chorar de maneira convulsiva.

Nas horas que se seguiram à chegada do grupo de resgate, estes se depararam com sinais inequívocos do que havia acontecido naquele acampamento improvisado nos limites da civilização. E o que aquelas pessoas haviam feito para sobreviver.   

A Expedição Donner, uma caravana de comboio partiu de Illinois com o intuito de chegar à California. Ele foi o pior e na época, o mais famoso desastre da grande marcha para o Oeste que marcou o século XIX. 

Das 87 pessoas que compunham a caravana - metade destas com menos de 18 anos de idade, 41 pereceram. Entretanto, nenhuma teria sobrevivido se para perseverar eles não tivessem quebrado o maior de todos os tabus. O Incidente Donner se tornou conhecido por ser o mais sinistro caso de canibalismo em massa ocorrido na história da América.

Por anos, entretanto, existiu uma incerteza no que diz respeito a escala da catástrofe, em grande parte porque a maioria das pessoas que tomaram parte dos acontecimentos se recusava a falar a respeito do que de fato aconteceu. Outros insistiam em negar o canibalismo e afirmavam que ele jamais havia sido praticado.

Seus descendentes insistiram que a história havia sofrido deturbação nas mãos de repórteres que venderam os acontecimentos de maneira sensacionalista. É inegável que o acontecimento foi explorado, mas parece óbvio que os fatos falam por si. De que outra forma eles teriam resistido?

Uma expedição de pioneiros encontra dificuldades na jornada.
Pesquisas exaustivas em diários e correspondência, escritas pelos sobreviventes e testemunhas, concluíram que sem dúvida a vasta maioria dos 46 sobreviventes recorreram a carne humana. Muitos preferiam esquecer ou sofriam remorso ou vergonha de seus atos. Compreensivelmente alguns preferiam simplesmente tentar esquecer... como se tal coisa fosse possível.

Ironicamente, a maioria dos pioneiros afligidos por aquela situação desesperadora acreditavam em Destino-Manifesto, a crença de que os Anglo-Americanos eram uma espécie de povo escolhido por Deus, destinados a levar a civilização aos cantos mais distantes do Continentes. Acreditavam também que nada poderia detê-los, nem mesmo as dificuldades enfrentadas. O quão amarga foi a ironia de que eles, "aqueles destinados a civilizar", para sobreviver tenham recorrido a "selvageria" e a "quebra de um dos maiores dogmas da humanidade".

A saga da Expedição teve início em abril de 1846 quando um grupo de imigrantes vindos da Inglaterra, Escócia, Irlanda e da Alemanha se juntou com o objetivo de formar um Comboio de Caravana rumo ao Oeste. Eles deixariam a cidade de Springfield, Illinois, esperando cruzar boa parte do continente e chegar à Califórnia. Esse território, originalmente pertencente ao México havia acabado de ser anexado pelos Estados Unidos e havia rumores de riqueza e fartura. Antes porém era preciso empreender a jornada e chegar lá.

A travessia era obviamente algo complicado e perigoso. Não havia uma passagem marítima e a viagem pelo mar exigia contornar os limites da América do Sul até atingir o Pacífico, outra viagem extremamente cara e arriscada. Para a maioria dos pioneiros, a única saída era pegar a estrada e torcer para não encontrar nenhum obstáculo que se mostrasse intransponível.

O comboio era liderado por duas famílias prósperas, os Donners e os Reeds que haviam chegado da Inglaterra e do Norte da Irlanda e que patrocinaram a expedição. Aqueles que se juntavam a ela tinham de contribuir com um determinado valor e trabalhar arduamente pelo objetivo comum. Conduzir as carroças, promover segurança, caçar, alimentar os animais... não faltavam obrigações de sol à sol.  Só assim, com o comprometimento de todos, uma caravana podia ter sucesso.    

Segundo os historiadores, James Reed, o patriarca da família, quase mudou o curso da história americana ao tentar persuadir um jovem advogado chamado Abraham Lincoln a se juntar à jornada. O futuro presidente dos Estados Unidos desejava migrar para a Califórnia, mas estava começando família e possuía ambições políticas. Ele decidiu não ir, embora sua esposa tenha visto a partida da caravana e abanado desejando-lhes sorte. Ela viu a carroça dos Reed desaparecer no horizonte, puxada por um grande cavalo cinza chamado Glaucus, batizado assim - ironicamente, em homenagem ao nobre grego da mitologia que alimentava seus cavalos com carne humana para torná-los mais fortes.    

Foi James Reed que, meses mais tarde, ofereceu a ideia de seguir por um tipo de atalho que lhes teria sido indicado por uma tribo de nativos amistosos. É provável que eles tenham entendido as informações erroneamente, a trilha conhecida como Hastings Cutoff, os conduziu através do Grande Deserto de Salt Lake em Utah. 

Esse foi o primeiro erro já que adicionou semanas à jornada e fez com que, ao chegar à Sierra Nevada, seus suprimentos já estivessem reduzidos. Mesmo assim, eles decidiram seguir adiante acreditando que haveria tempo de cruzar as montanhas antes das primeiras nevascas começarem a cair. Esse foi o seu segundo erro. 

A região onde a Expedição buscou abrigo.
A caravana poderia ter parado na base da montanha ou contornado para se refugiar durante o inverno em um lugar seguro, mas talvez os membros acreditassem ter tempo. Possivelmente eles também temiam se arruinar se fossem obrigados a passar meses parados.

Seja como for, a caravana começou a ascender a montanha e fez um bom avanço até ser atingida em cheio por uma monstruosa nevasca em 28 de outubro. Cerca de 59 membros da expedição conseguiram localizar algumas cabanas próximas do Lago Tuskee (atualmente Lago Donner) onde se refugiaram. Enquanto isso, os demais foram capturados pela neve e tiveram de erguer abrigos improvisados que eventualmente foram soterrados por seis metros de neve. A situação era dramática! 

Quando a nevasca parou, eles se viram diante de um ambiente totalmente diferente. Tudo havia  desaparecido sob um manto de branco imaculado: as trilhas, os caminhos e os marcos estavam debaixo da neve. Pior ainda, não havia nada para caçar.

Nas primeiras semanas imobilizados, eles tiveram de lidar com novas nevascas que os impediram de avançar. Para sobreviver acabaram matando bois que puxavam as carroças. Depois foi a vez de cavalos e até cães. Finalmente quando não havia mais nada, recorreram aos ratos que conseguiam capturar. Mas logo estes também terminaram... restava ferver as peles e o couro das roupas e comer.  

Encarando a fome, um grupo de nove homens, cinco mulheres e um menino, e que incluía dois guias nativos, decidiram depois de seis semanas improvisar sapatos de neve e casacos para tentar cruzar a montanha e atingir o Vale de Sacramento. Era algo muito arriscado pois existia o risco de deslizamentos e avalanches. Além disso, o caminho podia estar bloqueado.    

Monumento que atualmente se encontra no Lago Donner
O grupo, que depois passou a ser chamado de "Vã Esperança" não tinha bússola, mapa e possuía um único rifle. Cegos pela neve, enfraquecidos pelo esforço e sentindo os efeitos da altitude, eles logo começaram a sucumbir ao congelamento e hipotermia. Além disso, logo ficou claro que estavam perdidos. 

Parecia claro que iam morrer de fome e exaustão. Um dos homens sugeriu então uma solução extrema. Um deles teria de se sacrificar para que sua carne servisse de sustento para os demais. O silêncio recaiu sobre todos e eles se perguntaram como iam escolher. O grupo não foi capaz de decidir quem seria a vítima, por isso aceitaram uma opção menos selvagem, eles seguiriam adiante até que um deles caísse.

Eles não tiveram de esperar muito tempo. Na noite seguinte, um empregado hispânico de nome Antonio foi o primeiro a morrer, seguido de Franklin Graves, um fazendeiro que solenemente informou suas duas filhas que esperava que elas aceitassem aquela solução - mesmo que tivessem de comê-lo, para continuar vivas.

Na terceira noite, após uma forte tempestade de neve, na qual eles tinham apenas cobertores para se proteger, outro homem morreu. Os sobreviventes, se resignaram de seu destino. Cozinharam sua primeira refeição humana na véspera do Natal.

Eliza Poor Donner (fotografada já em idade adulta) foi uma das crianças que sobreviveu a horrível expedição. 
Dois homens foram voluntários para fazer o preparo da refeição, e foi de comum acordo que as pessoas decidiram que ninguém seria obrigado a comer seus próprios entes queridos. Armados com facas, eles cortaram fatias de carne dos braços e pernas dos mortos - os cadáveres perfeitamente preservados pelo frio extremo. Em seguida fincaram os pedaços em espetos de madeira e os colocaram para assar sobre uma fogueira.

Enquanto comiam, os colonos evitavam contato visual e choravam. Fígado, coração, pulmões e o cérebro também foram extraídos para servir de alimento. Parte da carne foi seca para ser preservada, o que era um alívio, pois ficava menos reconhecível como humana. Entretanto, o jovem rapaz de 13 anos, Lemuel Murphy, não foi capaz de comer, não importando a aparência.

Ele conseguiu apanhar um rato e o comeu cru. Nessa noite ele foi o quarto a perecer, ficando primeiro delirante, chorado e implorando que não o comessem depois de morto. "Não quero que ninguém acabe roendo meus ossos!"

Em 30 de dezembro, o grupo - re-energizado e carregando suprimentos de carne seca (inclusive do menino), deixou o lugar que passou a ser chamado de Campo da Morte, nenhum deles se voltando para olhar os restos dos que salvaram suas vidas. Infelizmente, o estoque logo começou a acabar e eles se viram forçados a comer sapatos e botas, amarrando pedaços de pano em seus pés calejados e congelados.

Nessa altura, o grupo já não estava disposto a esperar que algum deles morresse para se alimentar. A necessidade falava mais alto e demandava alguma providência imediata. Naquela época, nativos americanos eram considerados como selvagens e sub-humanos e alguém sugeriu matar os dois leais guias Miwock que os acompanhavam.

Os dois homens, que ironicamente foram os dois únicos adultos que se negaram a participar da primeira ceia de carne humana, foram avisados por uma boa alma de que estavam sob grave perigo. Acabaram então fugindo na calada da noite.

A ceia dos desesperados
Eventualmente o grupo conseguiu encontrar um pouco de alívio ao abater um cervo. Seus caçadores beberam vorazmente o sangue quente do animal e dividiram sua carne. Mas a alegria durou pouco. Mais um colono acabou morrendo e apesar dos protestos de sua viúva, suas pernas e alguns órgãos foram removidos e servidos junto com o cervo.   

A essa altura, desidratação e fome já haviam progredido para um quadro de delírio os deixando mentalmente instáveis. Tudo era agravado pelo fato deles beberem apenas água da neve derretida, que acabava baixando a temperatura corporal. As cinco mulheres que ainda estavam vivas, acompanhadas de dois homens chamados William Foster e William Eddy, que discutiam constantemente se já havia chegado o momento de matar uma das mulheres para dela se alimentar.

 Entretanto, a crise diminuiu. Cerca de 25 dias depois de sua partida, eles avistaram rastros na neve e as seguiram até um pequeno acampamento que era usado pelos guias. Os homens estavam tão fracos que nem tentaram fugir. William Foster disparou na cabeça deles à queima roupa e logo em seguida começou a descarná-los. Foster jamais foi acusado de assassinato, mesmo tendo ele próprio reconhecido ter matado os dois índios, um indicador de como os nativos eram tratados naquela época. 

Foi uma amarga ironia que pouco mais de dois dias depois, os últimos sete sobreviventes da "Vã Esperança" - que haviam conseguido por milagre atravessar a montanha, foram encontrados por membros da mesma tribo Miwok. Estes os levaram até a aldeia e cuidaram de seus ferimentos. 

Uma fotografia do local usado como acampamento pela expedição Donner, as árvores foram cortadas por eles. 
Os índios inicialmente os confundiram com fantasmas, mas em seguida os recolheram e providenciaram ajuda. Os Miwok eram amistosos e assim que tiveram a chance, enviaram um mensageiro até a colônia na Califórnia para avisar que ainda haviam pessoas presas nas montanhas.

O primeiro grupo de resgate chegou ao Lago Tuskee apenas em 18 de fevereiro e foi saudado por uma mulher emaciada que emergiu de um buraco escavado na neve e perguntou em uma voz oca: "Vocês são homens da Califórnia ou anjos do Paraíso"?

Os sobreviventes - a maioria deles crianças - estavam tão fracos que demoraram dois meses para que estivessem em condições de deixar o acampamento com a ajuda de outros grupos que vieram em seu socorro. Foram essas pessoas que testemunharam em primeira mão o que havia se passado no lugar durante o auge do inverno. 

Em março, um pequeno grupo localizou um série de tendas erguidas pela Família Donner cerca de 5 quilômetros adiante. Era uma cena digna de pesadelo. 

Um depósito de carne, foi escavado no gelo, construído para armazenar e preservar os restos esquartejados para futuras refeições. As crianças estavam se alimentando de pedaços de humanos que assavam em um fogão de lenha improvisado. Um menino de sete anos roía um osso, tirando os fiapos de carne e tendão ainda agarrados nele. Outras três crianças sobreviventes, filhos de Jacob Donner, um dos líderes da expedição, estavam sentados em uma madeira devorando os restos assados do próprio pai, contaram as testemunhas horrorizadas.

Foto de James e Margaret Reed
As crianças ficaram inconscientes a aproximação do grupo de resgate. O corpo de Donner, o comandante da expedição também repousava parcialmente esquartejado no depósito. Sua cabeça havia sido removida, uma medida que os colonos tomavam para não ter de encarar seus amigos enquanto os dilaceravam. Outras sepulturas pontilhavam a paisagem, várias delas escavadas em busca do corpo em seu interior.   

"Perto da fogueira usada por todos para se aquecer haviam restos de sangue, cabelos e ossos" contaram os homens.

Todos haviam se alimentado de seus companheiros mortos, parentes e amigos. Parecia claro que a medida havia sido a única coisa que os impediu de também definhar. Anos mais tarde, Georgia Donner, que era apenas uma criança na época da tragédia, contou que foi a própria viúva de seu tio quem sugeriu que seu cadáver fosse recuperado para que as crianças tivessem algo para comer. 

Mas se é que tal coisa era possível, uma descoberta ainda mais macabra demonstraria o quão fundo aqueles homens e mulheres haviam chegado.

Em meados de março, William Foster e William Eddy - os dois homens que sobreviveram na patrulha que partiu em busca de ajuda - chegaram a uma cabana onde esperavam encontrar seus três filhos ainda crianças. Os três haviam morrido, dois deles haviam sido devorados pouco depois de morrido. A sogra de Foster, ainda delirante, apontou um dedo para um imigrante alemão chamado Lewis Keseberg, que sequer tinha coragem de encará-los.


Ela disse que Keseberg, um homem de pavio curto havia ficado impaciente com a espera e acabou matando a criança que faltava, um menino de quatro anos, asfixiando-o com as próprias mãos. Na manhã seguinte, ele pendurou o pequeno cadáver e começou a cortar fatias de carne para o jantar daquela noite. Keseberg foi o último homem a ser resgatado, ele deixou o acampamento em 29 de abril, depois do grupo de resgate achar em sua barraca restos e ossos escondidos. Ele negou ter matado a criança, embora admitisse ter preparado e comido três. Até o fim da vida ficou marcado como um carniceiro por vontade própria e não necessidade. Evitado por todos, o homem morreu na miséria e solidão.

Existe a suspeita de que os demais tenham transformado Keseberg em um bode expiatório jogando nela a culpa pelas mortes cometidas. A verdade é que seria difícil para uma pessoa cometer esses crimes sem o conhecimento dos demais, sobretudo porque o espaço compartilhado era muito pequeno. Alguns historiadores acreditam que ele tenha sido estigmatizado por não falar bem inglês e que não sabia do que estava sendo acusado. 

Dos 45 sobreviventes, 32 tinham menos de 18 anos. Apenas a família Reed afirmava ter passado por todas as provações sem ter perdido nenhum dos seus ou sucumbido ao canibalismo. Os Reed esconderam alguns alimentos em sua carroça e com rações mínimas conseguiram resistir. "Graças à Deus nós conseguimos passar por tudo sem que nossa família tivesse de comer aquela medonha carne", escreveu Virgínia Reed de 13 anos para um primo, meses mais tarde.  

Na mesma carta ela deu alguns conselhos ao primo que pretendia fazer a travessia e tentar a sorte na Costa Leste: "Lembre-se de jamais pegar um atalho e tenha pressa, pois o inverno pode chegar de um momento para o outro".

A Tragédia da Passagem Donner foi um dos episódios mais assustadores da marcha para o Oeste. Nos meses que se seguiram a notícia do que havia acontecido, a história se tornou tão perturbadora que sozinha reduziu o fluxo de migrantes a metade. Muitos começaram a dedicar algum pensamento antes de se lançar na perigosa jornada. Lembrado como um evento traumático, o incidente ganhou status de lenda na América e é lembrado até os dias atuais como um dos acontecimentos mais marcantes de uma época já marcada por dificuldades monumentais.   

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Histórias ao Redor da Fogueira - Dez Lendas Sinistras do Velho Oeste


Quem não gosta de uma boa história de fantasmas em volta da fogueira?

Uma certeza é que cowboys no velho oeste adoravam, e isso ajudou a construir lendas e histórias que sobreviveram até os dias atuais. De estranhas criaturas nas pradarias a mitos dos Nativos Americanos, passando por espectros de mulheres e crianças e alguns horrores verdadeiramente de gelar o sangue nas veias, a Marcha para o Oeste serviu como base para muitas histórias apavorantes. Havia momentos em que pessoas se tornavam lendas, e seus fantasmas se levantavam para prosseguir com sua jornada, provocando arrepios naqueles que ouviam os relatos.

Algumas lendas relutam em desaparecer. De Jesse James até o Holandês Perdido, esses mitos são difíceis de serem esquecidos. Da mesma maneira, entidades do Velho Oeste parecem se recusar a morrer, assustando crianças e cowboys igualmente. No vazio das pradarias, na noite escura ou sob um céu de estrelas, as lendas parecem muitíssimo reais e não são poucas as vezes que você pega a si mesmo acreditando nelas.

Conheça aqui algumas lendas nascidas no século XIX, quando o Oeste selvagem ainda estava sendo domado por homens e mulheres de fibra e coragem.

"El Muerto" do Sul do Texas


No inicio de 1800, os limites territoriais entre o Sul do Texas e o Mexico não eram bem definidos e as fronteiras se confundiam.

O Rio Nueces e o Rio Grande serviam como referencia, mas como não havia um consenso a fronteira não era muito clara e se tornava uma espécie de terra de ninguém. Quadrilhas de ladrões de gado tiravam vantagem dessa situação para roubar e fugir para o México.

Um fora da lei mexicano chamado Arturo Vidal, ficou especialmente famoso pela sua esperteza em despistar os homens da lei. Os Texas Ranger juraram que iriam até as últimas consequências para pegá-lo. Quando Vidal foi capturado após um sangrento tiroteio em Amarilo, onde ele matou dois delegados, os homens da lei ficaram especialmente furiosos. Decidiram executá-lo ali mesmo, sem Juiz ou Juri, apenas Carrascos. Ele o enforcaram no alto de uma ponte.

Mas não parou por aí! Decidiram mandar um recado para todos os criminosos que admiravam Vidal e viviam no lado de lá da fronteira. Para tanto, cortaram sua cabeça e amarraram seu corpo em um cavalo selvagem na posição de cavalgar. Em seguida soltaram o animal para correr na direção do México mostrando o que acontecia com aqueles que desafiavam a justiça.

O que ninguém esperava é que nos anos seguintes várias pessoas relatariam o avistamento de um cavaleiro sem cabeça, galopando pelo sul do Texas na direção do Rio Grande. Apelidado de "El Muerto", esse espírito se tornou famoso entre os cowboys texanos, uma aparição realmente temida. Dizem que os Rangers envolvidos na execução de Vidal também tiveram encontros com o espectro e que ele teria encontrado sua vingança além túmulo caçando e eliminando cada um dos envolvidos em sua execução. Sua marca era uma pata de cavalo no peito d ecada vítima.

A Lenda de El Muerto ainda é bastante popular e mesmo hoje, muitas pessoas afirmam ter encontrado a figura aterrorizante cavalgando pelos desertos na fronteira.  

Jesse James, Coletor de Almas  


Jesse Woodson James foi um dos mais famosos Foras da Lei do Oeste: ladrão de banco, assaltante de bancos, chefe de quadrilha e assassino notório. Entre os anos de 1860 e 1880, ele foi considerado o maior de todos os bandidos do oeste e um pistoleiro cujo nome causava medo.

Em 3 de abril de 1882, sua carreira de crimes terminou quando ele foi baleado pelas costas por Robert Ford. Contudo, rumores a respeito dele ter sobrevivido continuaram sendo partilhados décadas após o incidente fatal. Alguns acreditavam que Jesse James era tão perigoso e cruel que mesmo o Diabo não queria sua presença no Inferno. Por isso, o convenceu a aceitar um acordo. Jesse voltaria para a Terra para cumprir um trabalho como Coletor de Almas.

Essa história se espalhou em vários estados e algumas pessoas afirmavam categoricamente ter encontrado Jesse James, ou ao menos o seu fantasma com sede de sangue.

Segundo a lenda, o contrato com o diabo o compelia a coletar a alma de pelo menos 1000 pessoas antes de poder descansar. Para cumprir a sua missão maldita, ele cavalgava à noite, vestindo negro e montando um garanhão igualmente preto de olhos flamejantes. Suas pistolas prateadas cuspiam balas que deixavam um cheiro de enxofre quando disparava. O pistoleiro buscava aqueles que haviam negociado a alma com o diabo e fazia as vezes de coletor de dívidas.

Ainda segundo a lenda, ele teria conseguido coletar as 1000 almas, e como recompensa deveria voltar a Terra e viver novamente. Mas o diabo o enganou e ele se transformou em uma espécie de fantasma preso a fazenda em Kearney, Missouri onde seu corpo foi sepultado.

Alguns acreditam que o fantasma do famoso pistoleiro ouve o pedido de pessoas que querem contratá-lo para matar algum desafeto. Se ele for invocado em uma noite de lua cheia e se o pedido for interessante, Jesse James se ergue dos mortos para cumprir mais um contrato de morte. Ou assim acreditam alguns! 

O Canto do Pássaro da Morte


Os nativos do Velho Oeste por vezes transmitiram muitas das suas lendas e crenças para os homens que viviam na fronteira, e estes ajudaram a espalhar essas lendas.

Uma história especialmente assustadora diz respeito a uma ave, apropriadamente chamado de Pássaro da Morte. Esse animal de cor escura, semelhante a um corvo, tem um canto específico que lembra o choro lamentoso de uma mulher. Não por acaso ele se tornou símbolo de mau agouro e morte iminente.

Os Nativos Americanos acreditavam que a ave estava ligada de alguma forma a tragédias e que ela seria atraída para perto de quem estava fadado a morrer de maneira violenta. Uma vez que o pássaro era um carniceiro, ele estava interessado em devorar os restos dos mortos - em especial os olhos. Uma das lendas é que se um pássaro desses sentasse sobre a sombra de uma pessoa, esta morreria em menos de uma semana.

Em meados de 1840, uma poesia a respeito da lenda foi publicada em um jornal de grande circulação e se tornou bastante difundida. A partir de então, cowboys, bandidos e homens da lei passaram a prestar atenção em qualquer pássaro negro voando em seu caminho ou tentando pousar em sua sombra.

Dizem que o famoso pistoleiro Wild Bill Hickock teria visto um pássaro negro pouco antes de chegar a Deadwood, no Território de Dakota, onde seria baleado pouco tempo depois. 

O Incêndio de Silver Hills


Em 1861, o pequeno povoado de Silver Hills, Oklahoma, era visitado por mineiros e vaqueiros que vinham de longe. Os homens buscavam principalmente um popular estabelecimento que servia como Saloon, Salão de Jogos e Bordel, chamado "The Buckskin".

Os homens adoravam o lugar e muitos haviam caído de amores por uma jovem e linda moça chamada Betty Sue que trabalhava lá. Dezenas haviam oferecido presentes, prometeram coisas de valor e acenaram com promessas de casamento. Betty, no entanto, não aceitava qualquer pedido.

As outras mulheres que trabalhavam no estabelecimento ficaram com inveja e acharam que Betty Sue estava levando todos os clientes, fazendo-se de boazinha. Mas todos que a conheciam, afirmavam que Betty era realmente uma moça adorável, coma  voz e aparência de um anjo.

Em meados de 1861, algumas das colegas de Betty contrataram um bandido de fora da cidade para dar uma surra em Betty e arruinar de uma vez por todas com seus encantos. Ela teria sido raptada e levada para um descampado: agredida, violentada e marcada na face com um ferro de gado. Quando um grupo de busca a encontrou, ela estava quase morta, mas a levaram de volta e cuidaram de seus ferimentos. Uma posse foi formada para ir atrás do culpado e este foi encontrado semanas depois. Antes de ser enforcado, ele confessou quem o havia contratado para o serviço sujo que maculou a mocinha.

Os cavaleiros retornaram dispostos a relatar o ocorrido e quando chegaram a Silver Hills descobriram que Betty havia enlouquecido e se lançara de uma ravina para a morte. Ao saberem o que havia transcorrido, os garimpeiros ficaram furiosos. Sem saber qual delas era a mandante do crime decidiram amarrar todas no interior do Buckskin e atearam fogo no lugar.

Em meio ao grande incêndio, um depósito de álcool clandestino no porão do saloon foi pelos ares em uma grande explosão. Com efeito, um incêndio incontrolável tomou Silver Hills que ardeu completamente.

Desde então a lenda sobre a cidade se tornou referência entre pregadores itinerantes que viam no incidente uma demonstração de como os pecados da luxúria, inveja e ira podem caminhar lado a lado para provocar uma grande tragédia.

O Espírito do Pé Grande


Hoje em dia, a maioria das pessoas enxerga a lenda do Pé-Grande como a de uma fera metade homem e metade animal, uma espécie de elo perdido. Contudo, nem sempre foi assim. Muitas lendas indígenas afirmam que essa criatura é um espírito sanguinário invocado para cumprir uma missão de vingança.

Em 1868, em Utah, um grupo de cowboys emboscou e matou a sangue frio quatro jovens Cherokee que haviam ido até uma cidade. O ataque foi covarde e causou grande controvérsia, sobretudo porque os rapazes não estavam armados e não tinham como reagir. foram mortos apenas por estar no lugar errado, a hora errada.

Os nativos teriam então buscado um xamã proscrito, que conhecia toda sorte de magia negra e feitiços que poderia ajudá-los a obter vingança contra os assassinos. O feiticeiro disse aos homens que se eles realmente desejavam vingança, estava ao seu alcance invocar das profundezas da terra um espírito sanguinário, mas que uma vez libertado, caminharia livremente provocando outras tragédias. Dispostos a tudo para obter vingança, eles tomaram parte em um ritual que trouxe uma criatura horripilante ao mundo.

O Pé Grande seria uma fera enorme que anda ereta como um homem, mas com corpo recoberto de cabelos grossos e castanhos, seus olhos faiscando com inteligência e maldade. A fera tinha sede de sangue e foi enviada para encontrar os responsáveis pela morte dos jovens. Um a um eles foram mortos com requintes de crueldade, seus corpos foram achados semi-devorados em trilhas isoladas.

Quando o último dos homens morreu, o Pé Grande então se viu livre para vagar pelo mundo. Mas o primeiro lugar que o monstro atacou em seguida foi a aldeia dos homens que haviam participado do ritual que a trouxe ao mundo em primeiro lugar. A criatura massacrou mulheres e crianças antes de fugir para a floresta, mostrando que a vingança nunca é um bom negócio, ainda mais quando envolve o sobrenatural.

Cuidado com as Lágrimas da Chorona

Embora essa seja uma lenda cuja origem pode ser traçada até o México, a assombrosa e aterrorizante história se espalhou pelo Velho Oeste. Dependendo da fonte, ela relata a dramática história de uma mulher da alta sociedade que eventualmente se vê negligenciada pelo marido que a troca por outra mulher. Ela se torna tão amarga e furiosa que se vinda do marido da maneira mais terrível: afogando seus dois filhos em uma lagoa. Seus atos acabam por deixá-la completamente insana e quando ela enfim compreende o que fez, se lança também em um rio onde se afoga. Mas é claro, esse não é o seu fim da história.

A Chorona se ergue de sua sepultura nas profundezas e passa a vagar pelo deserto em busca de crianças que possa raptar para preencher a saudade que sente de seus filhos. Ela é uma assombração muito presente no folclore do México, mas que foi incorporada pelos na fronteira, principalmente a Califórnia. Lendas locais mencionam que o espectro vaga pelo leito dos rios, lamentando-se e chorando. Aqueles que ouvem seu pranto passam a sofrer de depressão e uma profunda melancolia.

Crianças recebem alerta para jamais sair de casa depois do anoitecer e nunca brincar próximo de lagos ou rios, pois estes são os lugares onde o fantasma é visto mais frequentemente.

A chorona foi objeto de um artigo dedicado exclusivamente a ela não faz muito tempo. Quem não leu a postagem, pode encontrá-la AQUI

Os Cães Infernais do Cânion de Eldorado


Nos tempos da Corrida do Ouro, garimpeiros evitavam todo e qualquer contato com outras pessoas. Era uma questão de suma importância manter suas operações de prospecção em segredo, Para tanto, procuravam à todo custo proteger seus interesses. Uma das formas era treinar Cães de Ataque.

Os animais eram companheiros fiéis e funcionavam como um sistema de alarme contra possíveis ladrões. Na época, não havia muita moral a respeito de como treinar os animais e a respeito de transformá-los em armas letais. Por vezes eles apanhavam, não ganhavam comida ou simplesmente eram atiçados para reagir a qualquer provocação. Em outros casos, eram alimentados com carne humana para apreciar o gosto. Como resultado não era raro que eles se tornassem violentos, perversos e implacáveis. Era quase impossível parar um cão de ataque e eles atacavam para matar! Esse tipo de besta logo ganhou um apelido no oeste que acabou pegando: Cão de Garimpo.

Os Cães de Garimpo, muitas vezes, se voltavam contra seus próprios donos. Regrediam a um estado de selvageria tamanho que na maioria das vezes, quando uma mina era fechada, preferia-se matá-los antes de levá-los de volta para a civilização.

Eldorado Canyon ficou conhecido pelos seus Cães de Garimpo. Acredita-se que em determinado momento, a operação de garimpo na área contava com mais de uma centena desses animais ferozes e brutais. Quando a mina se esgotou, os animais ao invés de serem abatidos acabaram simplesmente sendo libertados na grande garganta do Canyon. Por muitos anos o lugar ficou deserto e ninguém ia até lá...

Décadas mais tarde, quando surgiram planos para transformar o local em uma represa, houve muitos rumores a respeito de enormes cães selvagens, mais ferozes do que qualquer outro jamais visto. Os animais tinham um comportamento de matilha, atacavam qualquer pessoa que cruzasse seu caminho e defendiam seu território com uma determinação impressionante. Anos de isolamento os tornou verdadeiros cães do inferno.

Alguns acreditam que eles ainda vivem no deserto e que são responsáveis por muitos ataques e até mortes.

Bodie, a cidade mais assombrada do Oeste


Bodie é uma das mais famosas cidades fantasmas do Velho Oeste.

Localizada no deserto da Califórnia, Bodie foi preservada em seus mínimos detalhes. Explorar o local é ter um vislumbre do passado e do período. A cidade é reminiscente da Corrida do Ouro e permanece quase da mesma forma que era antes de ser abandonada em 1888. Para muitos, Bodie é como um museu à céu aberto, com prédios intactos e ruas através das quais se pode andar e explorar à vontade. Mas cuidado! Bodie tem fama de ser a cidade fantasma mais assombrada do Oeste!

Não são poucos os visitantes que se queixam de sentir energias estranhas no lugar. Mais de uma pessoa sofreu vertigens, alucinações e sensações indefinidas. A culpa seria dos muitos fantasmas e espíritos que ficaram de alguma forma presos na cidade. Esses espíritos pertenceriam a antigos habitantes de Bodie, um lugar que sempre teve fama de atrair pessoas ruins - bandidos e personagens violentos. Alguns acreditam que Bodie era um lugar maligno, onde vigorava todo tipo de excesso e perversidade, sobretudo no saloon e na velha delegacia, os lugares tidos como os mais assombrados. Alguns afirmam que o fato da cidade não ter e nunca ter possuído uma igreja, comprova a vocação dos antigos moradores para a perversidade. Comenta-se que objetos mudam frequentemente de lugar, luzes surgem do nada, sons abafados são ouvidos; risadas, gritos e até o ruído de tiros. Testemunhas teriam visto ainda homens e mulheres vestidos com as roupas típicas do oeste, andando pelas ruas e casas.

Uma das lendas locais alerta visitantes de que de modo algum tentem tirar alguma coisa de Bodie. Qualquer objeto levado da cidade parece carregar uma maldição que provoca azar, tragédia e atrai miséria que irá durar até o item ser devolvido. O centro de visitantes inclusive possui uma caixa de vidro para que as pessoas que retiraram qualquer coisa da cidade possam devolver sem que perguntas sejam feitas.

Tenha medo daquele que troca de pele


Os Navajo acreditam em criaturas sobrenaturais chamadas Troca-Pele (Skinwalkers).

Eles eram, para alguns, feiticeiros e bruxos que usavam magia negra, mas outros acreditavam que não seriam exatamente humanos e que nem sequer estariam vivos. Essas criaturas podiam imitar qualquer som, assumir qualquer forma e copiar em detalhes a aparência dos outros para cometer as mais horríveis atrocidades. Eles não sentiam qualquer remorso em matar, fosse a vítima mulher ou criança - basicamente, qualquer um que cruzasse seu caminho se tornava uma presa. O Troca-Pele era um terror para os povos indígenas, algo em que eles realmente acreditavam e temiam encontrar. Para identificá-los usavam lâminas de silex que em teoria ficavam aquecidas quando um Troca-Pele estava próximo. A mesma lâmina era a única coisa que poderia matá-los e para que essa morte fosse permanente o monstro tinha de ser cuidadosamente esfolado.

Muitos nativos evitavam sair em noites sem lua, pois era nessas noites escuras que o Troca-Pele caçava. Também evitavam receber visitas em suas aldeias, temendo que qualquer um pudesse ser uma criatura disfarçada.

Com o tempo, as lendas foram se misturando e não demorou muito até ela ser conhecida pelos povos que vinham de longe. No Velho Oeste, especialmente na Califórnia, Arizona e Nova Mexico, cowboys falavam a respeito de espíritos, sussurrando seus nomes para não atrair sua atenção. Mencionavam histórias a respeito de pessoas que desapareciam no deserto, para ressurgir anos mais tarde, como se não tivesse passado um único dia. Falava-se de pessoas que voltavam de uma viagem ou de uma caçada, diferentes. Não em aparência, mas em comportamento. Pessoas que de um momento para o outro pareciam virar estranhos aos olhos de seus entes queridos. Chamavam esses de Troca-Pele, os monstros que os pele-vermelhas tanto temiam.

A lenda enraizada no inconsciente coletivo dos povos indígenas ainda hoje é muito difundida. Pergunte a um descendente de Navajo e com certeza ao ouvir falar no Troca-Pele, ele mandará que você fique quieto, pois citar esse nome é atrair a atenção.    

A Mina perdida do Holandês


Um dos lugares mais procurados na história do Velho Oeste é a lendária Mina Perdida do Holandês.

Um verdadeiro "cálice sagrado" dos tesouros do período, esse lugar foi buscado por caçadores de tesouros, garimpeiros e exploradores, mas sua localização continua sendo um mistério. O consenso é que ela se localiza em algum lugar nos arredores das Montanhas Superstition no estado de Arizona. Não é de hoje que mapas falsos e diários secretos que levariam à localização dessa mina aparecem nas mãos de pessoas que tentam vendê-los para indivíduos impressionáveis. Mas como a lenda teve início?

No final de 1870, um garimpeiro foi encontrado agonizando em um terreno inóspito no meio do deserto. O homem estava em péssimo estado, sofrendo de alucinações e desidratação aguda. Ele foi levado para um povoado de mineradores, mas ninguém conseguia entender o idioma que ele falava. Eventualmente, alguém chamou um imigrante alemão, pois concluíram que ele falava algo semelhante a esse idioma. O alemão traduziu as palavras de seu compatriota que se chamava Waltz. Ele delirava sobre uma riqueza incrível em ouro que havia encontrado numa mina. "Uma montanha inteira de ouro"!

Ninguém lhe deu muita atenção. Garimpeiros tinham a tendência de ficar um pouco loucos de solidão e paranoia. Waltz acabou morrendo, mas antes de expirar confidenciou que estava trazendo parte de seu ouro numa bolsa. O intérprete foi até o local em que Waltz fora encontrado e ali perto encontrou uma bolsa contendo uma quantidade considerável de pó de ouro.

Quando o rumor a respeito da descoberta se espalhou as pessoas enlouqueceram!

Uma verdadeira corrida do ouro se iniciou e garimpeiros vinham de longe procurar a Mina Perdida do Holandês (alemães eram muitas vezes chamados de holandeses no oeste).

Mas é aí que as coisas ficam estranhas. Como era de se supor, ninguém achou a Mina Perdida, mas uma quantidade absurda de pessoas, simplesmente desapareceu durante a caçada. É inegável que tenham havido muitos acidentes, afinal trata-se de um trabalho perigoso em um lugar insalubre, mas como explicar tantos desaparecimentos? Mais estranho: como explicar a descoberta de restos humanos, em especial mãos, pés e cabeças, achadas nas montanhas meses depois? Quem teria enterrado alguns garimpeiros até o pescoço? Quem teria matado homens usando picaretas? Quem teria sido responsável por atacar um acampamento e raptar um grupo de quatro homens? São muitas as questões e nenhuma explicação aceitável!

A Mina do Holandês até hoje é um mistério que atrai e assusta as pessoas. Se a Mina existe quem - ou o que, a protege e impede que suas riquezas sejam encontradas? Para alguns trata-se do fantasma do próprio Waltz, mas outros acreditam que a Montanha, não por acaso chamada Superstição, guarda em seu interior segredos e terrores que não estamos preparados para conhecer.