quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A Megera - Ideias e estatísticas para a infame Madame La Laurie


Estórias a respeito da infame Madame Delphine LaLaurie e a maneira brutal que ela costumava tratar seus escravos circularam pela Louisiana ao longo do século XIX. Elas chegaram a ser publicadas em folhetins e coleções escritas por Henry Castellanos e George Washington Cable. Cable, um abolicionista convicto escreveu textos para jornais como o New Orleans Bee e Advertiser, salientando o caráter imoral das ações da Madame como uma tentativa de conscientizar a opinião pública do tratamento dos senhores escravistas do sul do país. Martineau escreveu Retrospect of Western Travel, no qual contava a estória, inserindo diálogos e suposições, retratando a Madame como uma figura vilanesca e imoral.

Após 1945, estórias sobre LaLaurie se tornaram ainda mais violentas e consideravelmente mais explícitas. Jeanne deLavigne, autora de Ghost Stories of Old New Orleans (1946), proclamava que LaLaurie era conhecida pelos seus "apetites sadísticos que pareciam jamais serem satisfeitos, embora ela frequentemente praticasse torturas em seus escravos e se divertisse imensamente com a dor que causava".

As descrições vívidas de Lavigne a respeito das atrocidades cometidas pela "megera" ganhavam uma dimensão ainda mais chocante. Ela descreveu a descoberta da câmara de torturas da seguinte maneira:

"Os escravos negros estavam completamente nus, acorrentados nas paredes, alguns com os olhos vazados e unhas arrancadas por alicates; outros tiveram os tendões raspados e estavam tomados pela putrefação, tinham ainda grandes feridas em suas nádegas onde a carne havia sido fatiada, suas orelhas despedaçadas, seus lábios costurados para que nada dissessem... Intestinos eram puxados para fora do corpo e amarrados em volta da cintura. Haviam buracos nos crânios, onde pedaços de madeira eram enfiados para remexer e cutucar o cérebro".

DeLavigne não citava qualquer fonte histórica para essas descrições dignas do Inferno de Dante, e de fato muitas delas parecem ter sido simplesmente inventadas com o intuito de causar repulsa.

A partir daí, a estória ganhou popularidade e foi gradualmente aumentada a cada geração. O livro Journey Into Darkness: Ghosts and Vampires of New Orleans (1998) escrito por Kalila Katherina Smith, acrescentou uma infinidade de detalhes obtidos a partir do alegado testemunho de pessoas que auxiliaram no resgate das vítimas, incluindo um "homem que teve os braços amputados e sua pele arrancada em um padrão circular" e outro que teve suas pernas quebradas "em ângulos bizarros para que ficasse parecido com um caranguejo humano". A maior parte dos detalhes do livro de Smith embora dissessem o contrário não apresentavam qualquer fonte, enquanto outros não tinham qualquer comprovação histórica.

Hoje, as estórias escritas por deLavigne e Smith, se tornaram tão populares que acabaram aceitas como verdadeiras, mesmo as mais improváveis. Não que a "Megera de Nova Orleans" não tenha sido realmente um monstro que matou e torturou, mas é inegável que muito de sua fama se deve a imaginação de escritores obcecados em construir uma figura diabólica e maligna.

O interesse por Delphine LaLaurie continua vivo no século XXI.

Excursões que prometem visitas a lugares fantasmagóricos de Nova Orleans invariavelmente incluem uma passagem pela propriedade na Royal Street que pertenceu a família LaLaurie. A casa, considerada um dos lugares mais fantasmagóricos da Louisiana foi restaurada e até alguns anos atrás, visitas guiadas eram permitidas. Em 2006, a propriedade foi vendida, segundo boatos para o ator Nicholas Cage por 3,5 milhões de dólares. Posteriormente ela foi leiloada e há planos para a abertura de um museu sobre a história da cidade.

Mais recentemente, como muitos leitores do blog, comentaram, Delphine LaLaurie se tornou uma das personagens centrais na trama do seriado American Horror Story: Coven. Interpretada pela sempre genial atriz Kath Bates. A Madame LaLaurie do programa tinha uma personalidade maligna e sádica, condizente àquela construída no início do século XX.

Mas como poderíamos contextualizar a Megera de Nova Orleans em um cenário de horror, mais especificamente, em um cenário de horror lovecraftiano?

Aqui vão algumas ideias:

A proposta mais simples é transformar a "Megera" em uma feiticeira. Nas décadas seguintes a horrível descoberta da sua câmara de torturas privativa, muitos jornais tratavam Madame LaLaurie como um bruxa. Alguns iam até mais longe tentando inserir os assassinatos em alguma prática oculta voltada para o sobrenatural.

Creio que esse poderia ser o ponto de partida para transformar os crimes da Royal Street em algo mais bizarro do que mortes cruéis, tornando-os sacrifícios ritualísticos. No universo do Mythos de Cthulhu não são poucas as entidades que se beneficiam de oferendas de sangue, não apenas mortes, mas tortura, sofrimento e dor funcionam como moeda de troca para essas seitas blasfemas quando negociam com suas entidades patronas.

As peculiaridades do comportamento da Madame evidenciam alguém inteligente e dissimulado, características típicas de um cultista dos Antigos. Não raramente eles são pilares da sociedade, indivíduos ilustres, respeitados e acima de qualquer suspeita. Sob o verniz da civilização, atrás das portas trancadas de sua mansão, ela esconderia uma faceta desconhecida e aterrorizante. Ela poderia ser uma Seguidora Fiel ou até uma Grande Sacerdotisa interessada em expandir seu culto e receber o favor dos deuses negros. A descrição da Câmara de Tortura absurda, repleta de cadáveres em decomposição, pessoas feridas ainda presas a instrumentos medievais e ferramentas de sofrimento já é suficiente para revirar o estômago, mas para tornar tudo isso ainda mais medonho, basta supor que esse lugar de pesadelos tivesse um papel central no Culto. Talvez fosse ali que LaLaurie e seus seguidores preparassem as oferendas do sacrifício. A câmara nesse caso seria uma espécie de templo blasfemo de adoração, enquanto a energia desprendida pelas chibatas e ferros em brasa ativaria as magias, garantindo o resultado das invocações.

São muitas as entidades que poderiam ser inseridas nesse ambiente decadente de idolatria e perversidade: Tulzcha, Hastur, Nyarlathotep, Nyogtha apenas para citar alguns candidatos. Mas tortura, dor e loucura parecem andar de mãos dadas a uma abominação em especial que se sobressai como principal candidato: Y'Golonac.

Esse Grande Antigo está intimamente ligado a noções de corrupção e imoralidade. Seus seguidores neuróticos são pessoas que abraçam o sadismo e devotam suas vidas a perseguir sensações cada vez mais extremas e no seu degenerado ponto de vista, gratificantes. Para saber mais a respeito desse Grande Antigo indico a leitura do artigo sobre essa entidade: Y'Golonac

A câmara de torturas nefasta poderia ser uma espécie de templo profano, um tabernáculo devotado a devassidão que acumulava energia mística arrancada com cada chibatada. Nesse ambiente, Y'Golonac poderia se manifestar mediante oferendas, possuindo o corpo da própria sacerdotisa a fim de lhe garantir a sensação extrema definitiva: vestir a pele de um Deus no exato momento em que ele destrói um mortal.

Como todo lugar de culto, haveriam livros sagrados  e artefatos que estariam presentes para complementar a atmosfera religiosa e cerimonial. Tais objetos sem dúvida teriam desaparecido quando a casa foi saqueada após o incêndio de 1834. Descobrir o paradeiro desses objetos poderia ser a premissa de um cenário envolvendo a investigação em antiquários e coleções particulares da cidade. Talvez mais alguém deseje esses artefatos, quem sabe a seita ainda esteja ativa e deseje esses objetos. Talvez o mistério tenha início com a descoberta de alguma pista na Mansão LaLaurie ou com os sonhos de algum restaurador que dormiu na casa e se viu arrastado para pesadelos cada vez mais terríveis envolvendo a bruxa.

Além disso, permanecem muitas dúvidas a respeito do destino de Madame LaLaurie. Não se sabe exatamente onde e quando ela morreu, e como sabemos, no universo do Mythos, feiticeiros notoriamente encontram maneiras de tapear a morte. Talvez LaLaurie ainda esteja viva, banida de Nova Orleans aguardando o momento certo para retornar sob um disfarce. Talvez alguma força a impeça de retornar e assumir seu papel de volta na sociedade, ainda que sob outra identidade.

Eu fico pensando que provavelmente alguém como Madame Delphine tenha feito muitos inimigos e rivais, sobretudo entre os negros de Nova Orleans, descendentes e escravos que viam na cruel socialite uma ameaça. A renomada Rainha Mambo da tradição vodu, a Marie Laveau viveu em Nova Orleans na mesma época, apenas a alguns quarteirões da mansão em Royal Street. Embora seja difícil dizer que no mundo real elas tenham se encontrado, é quase certo supor que as mulheres estivessem cientes da existência uma da outra.

Sabe-se que Marie Laveau tentava proteger escravos que vinham até ela, e é bem razoável supor que rumores sobre torturas e abusos tenham chegado aos seus ouvidos bem antes do segredo ter sido revelado. Seria interessante supor que Marie Laveau tenha usado feitiços e rituais para atacar LaLaurie. Talvez o submundo da magia de Nova Orleans tenha sido varrido por uma "guerra mística" na qual entidades, criaturas conjuradas, seguidores fanáticos e rituais tenham sido empregados como tropas e armas na disputa. Se consideramos que Marie Laveau pode também ser uma cultista do Mythos, utilizando-o como uma versão do vodu, essa teria sido uma batalha assustadora.

Há histórias que afirmam que a Megera teria fugido ás pressas de Nova Orleans e se refugiado na França para escapar das perseguições. É possível, no entanto que a descoberta do "templo" tenha sido apenas o golpe final de Marie Laveau que decretou o fim da batalha e sua aparente vitória. Algum ritual poderia ter expulso LaLaurie e feito com que ela partisse de Nova Orleans jurando vingança. Quem sabe na Europa a diabólica Madame tenha refinado seus conhecimentos, entrado em contato com outros feiticeiros e aprendido muito mais sobre os Mythos. E se isso for verdade, a vingança que ela almeja já estaria na hora de ser servida.

Também é possível que LaLaurie jamais tenha deixado a cidade, quem sabe ela ainda viva escondida em algum lugar, esperando o momento de ressurgir das sombras. É possível que, para escapar de seus inimigos, ela tenha feito um acordo com alguma outra raça do Mythos: os ghouls que infestam os cemitérios de Nova Orleans ou os Insetos de Shaggai que também tem uma predileção pela corrupção humana podem ter aceito escondê-la e preservá-la até ser o momento certo. Talvez uma maldição tenha recaído sobre ela e depois de quase 100 anos, o momento de retornar tenha chegado.

Alternativamente, a bruxa pode ser usada como uma ameaça real e assustadora, que sempre habitou o centro de uma teia invisível de corrupção em Nova Orleans. Desse lugar ela habilmente manipula tudo o que acontece na "Cidade do Pecado" e observa zelosa de sua posição. Se for assim ela seria excelente adversário para os investigadores, para não dizer uma ameaça contante.

ESTATÍSTICAS DA MADAME DELPHINE LALAURIE
Feiticeira e Cultista de Y'Golonac

ATRIBUTOS:

STR: 14          DEX: 10         INT: 16         IDEA: 80%
CON: 16        APP: 12         POW: 19       LUCK: 95%
SIZ: 15                                 EDU: 14        KNOW: 70%

Bônus de Dano: +1d4
Sanidade: zero
HP: 16

HABILIDADES: Arte (Etiqueta) 50%, Ofício (Costura) 55%, Astronomia 15%, Barganha 45%, Contabilidade 44%, Crédito Social 40%, Enrolar (Fast Talk) 30%, Primeiros Socorros 40%, História 38%, História Natural 62%, Mythos de Cthulhu 18%, Usar Biblioteca 32%, Ocultar (Conceal49%, Ocultismo 72%, Ouvir 67%, Persuadir 64%, Psicologia 38%, Procurar (Spot Hidden) 48%, Torturar 79%, Manter vítimas vivas por muito tempo 77%

Idiomas: Inglês 70%, Francês 49%, Espanhol 12%

ATAQUES: Agarrar 45% (dano imobilizar), Chibata 52% (dano 1d3 + db), Variados objetos de tortura (ferros, atiçadores etc.) 49% (dano ad6 +db)


MAGIAS: Invocar Y'Golonac, Comandar os Demônios da Noite (Comandar Night Gaunts), Encantar Lâmina (Enchant Blade), Dominar Mentes Inferiores (Dominação), Símbolo dos Voors, Murchar (Shrivelling), Benção dos Faraós (Voz de Rá)

ESTATÍSTICAS PARA RASTRO DE CTHULHU:


Ocupação: Dama da Sociedade, Feiticeira Imortal
Motivação: Arrogância

Habilidades: Arqueologia 2, Contabilidade 3, Criptografia 2, História 2, História da Arte 2, Idioma (Francês), Idioma (Espanhol), Medicina 2, Mythos de Cthulhu 3, Ocultismo 4, Usar Biblioteca 2

Interpessoais: Avaliar Honestidade 3, Barganha 2, Crédito 3 (Nova Orleans), História Oral 2, Intimidação 4

Técnicas: Arte 1

Gerais: Armas Brancas 8, Atletismo 6, Briga 5, Furtividade 5, Primeiros Socorros 6, Punga 6, Sentir Perigo 7, Vitalidade 8

2 comentários:

  1. Adaptação muito bom. Apenas a achei muito erudita, talvez demais para uma mulher de seu século.

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  2. Dizem que a Madame LaLaurie era bastante culta para os padrões de sua época, uma mulher inteligente que cuidava dos negócios de sua família e era capaz de receber visitantes e entretê-los. Eu considerei que os interesses ocultos dela se manifestariam em habilidades aprimoradas com porcentagem altas em ocultismo e História Natural.

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