domingo, 1 de outubro de 2017

Os Emparedados - Uma história de confinamento e crueldade extrema


"Eu passei a espátula, e terminei, sem interrupção, de colocar a quinta, sexta e sétima fileiras. A parede estava quase na altura do meu peito. Eu parei e segurando a luminária acima da parede de tijolos, lancei alguns raios de luz sobre a figura que repousava lá dentro".

Em 1846, a história curta de Edgar Allan Poe intitulada, "O Barril de Amontilhado" ("The Cask of Amontillado") apresentou aos leitores uma narrativa sinistra sobre um tipo de assassinato realmente sádico. A obra de Poe conta a história de um homem que relata a um amigo como ele se vingou de um antigo conhecido, atraindo o sujeito para catacumbas subterrâneas com a promessa de compartilhar com ele uma rara garrafa de vinho. O narrador descreve como ele embebedou o pobre diabo até o estupor e como acorrentou seu inimigo a uma parede. Em seguida começou a fechar o aposento usando tijolos e cimento, deixando-o para morrer lenta e horrivelmente no local. 

Esse tipo de morte, descrita por Poe em detalhes é conhecida como Emparedamento, uma forma de punição terrivelmente cruel na qual a vítima é, essencialmente enterrada viva e deixada para sufocar contorcendo-se em agonia até sucumbir de inanição ou de severa desidratação. 

Essa modalidade desumana de execução podia ainda ser realizada com a vítima sendo encerrada ainda viva em um caixão, baú ou barril de madeira. O método mais conhecido, no entanto, envolvia colocar o indivíduo em um nicho ou câmara pequena da qual ele jamais poderia escapar, uma vez que seria cuidadosamente lacrado. 

A história do emparedamento é sem dúvida, uma mancha negra na história da própria humanidade e parece ter sido uma prática realizada por diferentes povos em praticamente todos os continentes.


Emparedamento era usado como um tipo de punição capital, na qual o acusado era considerado culpado de um crime tão grave que apenas a morte lenta poderia satisfazer a noção de justiça - ou sede de sangue, de quem o condenava. O segundo uso para emparedamento, embora tão medonho quanto o primeiro era talvez mais perturbador pois envolvia a condenável prática do sacrifício humano. Em geral, o propósito era trazer boa sorte ou benefícios aos que realizavam o sacrifício.

Um dos mais antigos casos documentados de emparedamento remonta aos tempos do Império Romano, quando a prática era utilizada como punição para as sacerdotisas conhecidas como Virgens Vestais. As Vestais eram mulheres de respeitadas famílias romanas consideradas livres de defeitos físicos e mentais, escolhidas a dedo para a função que desempenhavam. Elas eram obrigadas a cumprir um estrito voto de celibato e dedicar sua existência a preservar uma chama sagrada acesa nos templos de Vesta, a  Deusa protetora das Casas e da Família.  

Se uma Virgem Vestal quebrasse seu voto de celibato, ela deveria ser, por lei, condenada a morte por emparedamento nos subterrâneos da cidade. Derramar o sangue dessa classe de sacerdotisas era proibido pela Lei Romana, que também não permitia a realização de enterros dentro da cidade. Dessa forma, os legisladores romanos tiveram de achar uma solução. Após a condenação decretada por um colegiado de pontífices, o executor recebia ordens para preparar uma pequena câmara subterrânea. Este aposento continha apenas um divã e uma pequena quantidade de comida e água. A Vestal era escoltada até o lugar escolhido e forçada a entrar. Uma parede de tijolos era então erguida no único acesso e ela abandonada para morrer. 

Punições similares existiam na Idade Média para freiras e monges católicos que quebravam seus votos de castidade ou expressavam ideias consideradas heréticas.

Diferente das Virgens Vestais, essas freiras e monges que traziam vergonha para suas ordens eram selados em suas tumbas não para morrer em poucos dias, mas para viverem confinados por anos em completo isolamento. Conhecido como "vade in pacem" ou "vá em paz", a punição visava isolar o indivíduo completamente, privando-o de qualquer contato ou visão do mundo externo. Até mesmo as pessoas incumbidas de levar água e comida, entregue através de pequenas frestas, eram especialmente escolhidas para a função, de preferência surdos-mudos incapazes de interagir com o prisioneiro. Alguém preso dessa forma enlouquecia gradualmente, face ao isolamento imposto.


Embora seja correto dizer que esse tipo de crueldade faz parte do passado, é preciso lembrar que o emparedamento foi uma prática usada até mais recentemente do que se pode imaginar. Relatos a respeito dessa prática ocorrendo no início do século XX em lugares como Mongolia e no Império Persa (atual Irã) não eram incomuns.

Uma das narrativas mais detalhadas sobre emparedamento vem da Pérsia no século XVII. Um vendedor de gemas francês chamado Jean Baptiste Tavernier, descreveu a descoberta macabra de tumbas de pedra com ladrões aprisionados em seu interior aguardando a morte. Tavernier escreveu que os homens foram deixados com a cabeça de fora, "não por piedade, mas para expor cada um deles à chuva, vento e ação de aves de rapina". Ainda segundo sua narrativa, os homens gritavam e suplicavam para que alguém encerrasse seu sofrimento, mas ninguém ousava fazê-lo, pois a punição pela interferência era compartilhar do mesmo destino. O comerciante escreveu no final de sua narrativa que "jamais seria capaz de esquecer os gritos daqueles infelizes".

Em seu livro "Por trás do Véu da Pérsia e Arábia Turca" ("Behind the Veil in Persia and Turkish Arabia"), um viajante chamado M.E. Griffith descreveu suas experiências na região entre 1900 e 1903, inclusive seu testemunho da prática do emparedamento: "Pilares de pedra e tijolos no meio do deserto evidenciavam que pessoas haviam sido emparedados vivos. Através da planície o vento carregava os lamentos e pedidos de socorro por mais de três dias".

Ocorrências de punições por emparedamento ocorreram na Mongolia até 1914, com pessoas trancafiadas em caixotes de madeira que os impediam de sentar e mesmo deitar. Os caixões eram deixados em lugares isolados para que ninguém tentasse libertá-los. Pequenos buracos permitiam que a pessoa colocasse o rosto e os dedos para fora. A chuva por vezes concedia algum alívio, mas não havia esperança de sobreviver por muito tempo. Aos poucos a fome e a sede causavam a morte, isso quando o indivíduo não sufocava até a morte.


Horrível como possa parecer, emparedamento era ainda mais aterrorizante quando usado como método de sacrifício e na construção de monumentos ou prédios importantes. Na Europa existem diversos casos de pessoas aprisionadas nas fundações de prédios e pontes desde os tempos medievais. Muitas narrativas do período mencionam que sacrifícios por emparedamento, serviam para remediar problemas em construções e para fortalecer os alicerces evitando assim desabamentos. Uma pessoa devidamente presa e morta nos pilares de sustentação podia conceder a uma construção a força necessária para ela se manter por muito mais tempo. Ou assim, acreditavam alguns pedreiros e engenheiros da época.

Um documento encontrado na Sérvia descreve como um operário no século XIII foi levado até os subterrâneos de uma fortaleza em construção e emparedado pelos responsáveis pela obra. O homem foi drogado e seu corpo colocado em um nicho na base de um dos pilares principais. Em seguida uma parede foi erguida e ele abandonado para definhar e morrer. Ao mesmo tempo, sua força seria "transferida para a construção". Uma inscrição na parede de tijolos erguida para aprisioná-lo dizia "este homem deu a sua vida para que essa fortaleza pudesse perdurar".

A prática de prender pessoas atrás de paredes nos pilares de construções era conhecida também na Alemanha. Lá, entretanto, as vítimas do emparedamento quase sempre eram crianças; a ideia era que a inocência de uma criança sacrificada nas fundações de um castelo o tornava inexpugnável.

Um exemplo particularmente terrível envolve a construção do Castelo de Burg Reichenstein na Bavária. Enquanto estava restaurando o castelo de 400 anos, em meados do século XVI, o nobre Christoph von Haim foi assassinado por um camponês que o acusou de ter emparedado seu filho nas fundações do castelo. Além dessa criança, os engenheiros teriam sugerido que uma dúzia de crianças também deveriam ter o mesmo destino. Segundo rumores, as fundações escondem a tumba de pelo menos mais cinco vítimas emparedadas pela eternidade. Hoje, o castelo funciona como um hotel de luxo e é um lugar popular para a realização de casamentos.  


Chocante como possa parecer, sacrifícios por emparedamento também ocorriam na construção de igrejas e catedrais, como a de Vilmnitz, um distrito alemão próximo da cidade de Putbus. Durante a construção dessas igrejas, pouco depois da introdução do cristianismo na área, o projeto parecia amaldiçoado por problemas estruturais. Ao invés de buscar as causas desses problemas, os construtores culparam o demônio e decidiram que a melhor maneira de concluir a obra seria emparedando uma criança. O Conselho da cidade não gostou da ideia, mas acabou acatando a decisão dos construtores que afirmavam ser essa a melhor opção. Uma criança foi escolhida através de um sorteio e o destino dela foi servir de sacrifício nos pilares do templo.

É triste, mas evidências físicas atestam que a prática era comum em várias partes da Europa. Durante a demolição de uma ponte em Bremem em meados de 1800, operários encontraram os esqueletos de ao menos três crianças emparedadas nas fundações. O esqueleto de um homem adulto foi achado, preso ao pilar de sustentação da Igreja de Holsworthy, na Inglaterra em 1885. Em Praga, os restos de duas crianças foram descobertos após a Segunda Guerra, emparedadas nos subterrâneos de um forte erguido pelos nazistas. Os construtores aparentemente teriam recorrido a crenças antigas e tradições de seus antepassados para fortificar a obra.

Seja usado como forma de sentença de morte ou como sacrifício, o emparedamento é uma das formas mais torpes de execução conhecidas pelo homem. E o fato dessa tortura estar presente em inúmeras culturas apenas reforça a crença de que a humanidade como um todo é capaz da crueldade mais atroz quando o objetivo é matar, impor sofrimento e dor aos seus semelhantes.

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7 comentários:

  1. A humanidade como sempre, prova sua crueldade, o artigo está, como sempre muito bem escrito, é impressionante como uma prática tão insana ocorreu nas mais diversas regiões do planeta,a quantidade de detalhes desta postagem é muito bem vinda, apesar de , devido ao clima do assunto, grotesca, continuem com o incrível trabalho,meus parabéns.

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  2. Sempre postagens excelentes King! Bacana 👊

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  3. impressionante, me senti sufocado enquanto lia.

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  4. Esse casamento de tortura com execução foi muito empregada pela Inquisição, principalmente a espanhola, para punir o clero.

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  5. O negócio é tão bizarro que é difícil ler e não se sentir incomodado ou sufocado com isso. É um lance bem denso de ler e imaginar, mas como sempre humanos sendo humanos.

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  6. No século XX é XXI as pessoas morrem iguais baratas. Não é necessário ir a tempos tão distantes. Nunca se matou tanto na História da humanidade como se mata hoje. O problema é que as pessoas só acham que existe aquilo que a televisão mostra. Nesse exato momento na Coréia do Norte e na China tem gente morrendo igual bicho. A violência de antigamente deve ser contextualizada pela mentalidade antiga. Uma pessoa vivendo em 2022 que mal entende sua própria época, é incapaz de entender como era o mundo 1000 anos atrás. As vezes eu tenho dificuldade de entender como era minha vida 30 anos atrás sem celular e internet, imagina séculos...

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  7. Até hoje usado em Cuba pela polícia política contra os que pensam diferente. Lá se chama tapiamento

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