quinta-feira, 21 de março de 2019

Ratos nas Paredes - Resenha de um RPG Lovecraftiano da Editora Fábrica


É difícil medir a importância de Lovecraft e dos Mythos para os jogos de RPG atuais, mas é fato que o autor e suas criações estão intimamente ligados ao universo dos jogos de interpretação desde os seus primórdios. 

Parece haver algo na mitologia lovecraftiana que se encaixa como uma luva em RPG. Talvez seja o fascínio de encarnar um personagem normal que se transforma por ocasião de algum mistério sobrenatural em um investigador do desconhecido, uma pessoa devotada a explorar um mundo secreto, repleto de coisas assustadoras e aterrorizantes.

Um dos mais recentes RPG a beber da aparentemente inesgotável fonte dos Mythos, tem por título Ratos nas Paredes (Rats in the Walls, não por acaso o título de um conto de Lovecraft). O jogo foi escrito por Kobayachi e publicado lá fora em 2015. Sua proposta é oferecer um sistema com regras claras, que não se atém à detalhes e pormenores, indo direto ao ponto, permitindo ao mestre maior liberdade para se concentrar estritamente na narrativa.

Reminiscente dos clássicos Advanced Fighting Fantasy uma evolução dos livros jogos, o sistema de regras é bastante simples, mas é importante estabelecer uma distinção entre "simples" e "simplório". O princípio é que o jogo corra de maneira fluida e com poucos impedimentos que atrapalhem a narrativa e impeçam seu desenvolvimento. 

Usando apenas 2 dados de seis lados, os rolamentos são feitos exclusivamente pelos jogadores - ou seja, o mestre sequer toca nos dados. Trata-se de um sistema no qual a dificuldade para os testes é fixada em 8, podendo o rolamento ser modificado por um bônus ou penalidade (em geral +/- 2) de acordo com condições específicas e dificuldades na tarefa que se pretende realizar. 

Os rolamentos são feitos tendo como base um conjunto de cinco atributos que definem os pontos fortes e fracos de seu personagem. São eles: Músculo (que engloba força e constituição físicas), Destreza (que se refere a agilidade e rapidez), Raciocínio (Inteligência e Conhecimento), Violência (que lida com os fatores de agressividade) e Vontade (atributo que define a resistência mental). Os atributos possuem um amplo leque de opções e são bastante intuitivos. Se o personagem quer superar um obstáculo testa Músculo, se quer procurar informações ou lembrar de algum detalhe acadêmico rola Raciocínio, se pretende lutar com um cultista testa Violência, e assim por diante. Cabe ao mestre apenas ajuizar o grau de dificuldade do teste e explicar o resultado. Simples e rápido!

Os personagens são criados distribuindo uma quantidade de pontos nos atributos. Estes alteram o rolamento dos dados. Os pontos podem chegar até +3 durante a criação dos investigadores, sendo que +0 é o valor normal.

Existem profissões que definem a área na qual o investigador trabalha e suas vantagens ao desempenhar essa atividade. Ocupações típicas incluem Intelectual, Detetive, Médico, Diletante, Jornalista e outros tantos ramos de atividade típicos dos protagonistas das histórias lovecraftianas. Além de definir o que você faz, a Profissão concede uma pequena vantagem ao seu personagem que será útil no correr das aventuras. Um Intelectual, por exemplo tem mais facilidade para encontrar informações acadêmicas, um detetive sabe fazer interrogatório, um médico pode curar ferimentos e assim por diante.


Além de escolher uma ocupação, é preciso definir uma Reputação pela qual  seu personagem é conhecido. Essa reputação também será importante para conceder um aspecto único ao seu personagem. Reputações podem fornecer vantagens, criar facilidades e oferecer contatos. Finalmente, o personagem escolhe ou recebe o seu equipamento inicial. Pronto! Ele já pode sair e se meter em encrencas investigando algum caso sobrenatural. Construir seu personagem, já tendo em mente um conceito, é algo rápido e intuitivo, cinco minutos e está feito! 

Há ainda alguns pormenores.

O que seria de um jogo lovecraftiano sem um medidor de sanidade? Ratos nas Paredes possui um sistema de sanidade que contempla ir perdendo a noção da realidade e escorregar gradualmente na loucura a medida que se desenvolve problemas mentais cada vez mais severos. Também, bem no estilo das ambientações de horror cósmico, os personagens são frágeis e suas vidas estão sob constante ameaça - monstros e criaturas podem matar um personagem em uma rodada, assim como facadas ou disparos de armas de fogo. E aqueles que não morrem, podem carregar para sempre as cicatrizes de batalhas e velhos ferimentos. 

Os adversários e antagonistas são definidos através de blocos de estatísticas sucintos que permitem encontrar os detalhes pertinentes que serão úteis na interação com os personagens dos jogadores.

O jogo serve bem tanto a campanhas quanto aventuras one shot. É possível dosar o grau de horror desejado, permitindo construir cenários com um clima mais pulp, no qual é possível enfrentar os horrores empregando magias, rituais e armas encantadas ou em um estilo clássico no qual o horror cobra seu preço a cada revelação bombástica. A ambientação padrão do livro básico são os anos 20, mas é possível adaptar facilmente a época e construir aventuras em outros períodos, seja medieval, clássico ou futurista.

Ratos nas Paredes está chegando ao Brasil através de Financiamento Coletivo no Cartarse, promovido pela Editora Fábrica. Uma curiosidade é que a versão nacional será totalmente diferente da edição gringa no que diz respeito ao visual e arte. Sem entrar em detalhes, a versão original tinha uma arte um tanto genérica, já a nossa edição ficará à cargo de Diego Bassinello que promete dar um perfil mais Lovecraftiano ao produto final. Pelo pouco que foi disponibilizado como exemplo do estilo gráfico a ser usado, o resultado deve ser bem atraente. O novo conceito inclui ainda uma nova capa e ficha de personagens.

Junto com o Financiamento também está sendo oferecida uma aventura introdutória

Eu tive a oportunidade de jogar uma aventura online de Ratos nas Paredes narrada pelo Stefano Pelletti e achei a proposta bem interessante. Para um jogo leve, voltado intensamente para a interpretação e narrativa, o sistema funciona bem e deixa o mestre muito à vontade para desenvolver sua história sem ficar preso a mecânica. Para quem está começando ou que deseja um jogo leve para apresentar a novos jogadores é uma excelente pedida ouvir o ruído desses ratos.

Página do Financiamento Coletivo: RATOS NAS PAREDES


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