domingo, 17 de março de 2019

O Mundo brutal das Modernas Caça às Bruxas


Nós gostamos de pensar que vivemos atualmente em um mundo civilizado guiado pela razão e ciência, onde superstições e crendices estão mortas e enterradas, exceto por alguns poucos lugares que ainda preservam essas crenças ancestrais de nossa história. 

Ledo engano...

Existem lugares no mundo, por vezes até bastante avançados e no coração de países desenvolvidos, onde a crença nas artes negras e forças malignas continua forte como sempre, onde magia é considerada como algo real e perigoso e onde o medo do desconhecido permeia a sociedade influindo na vida das pessoas. Onde quer que exista uma crença diferente e pouco compreendida, existem aqueles decididos a destruí-la a todo custo, e embora muitos de nós possamos considerar os preceitos de algumas crenças como estranhos e incompreensíveis, existem aqueles dispostos a ir além. Perseguições, nos mesmos moldes das Caça às Bruxas de séculos atrás, continuam existindo em todos os cantos do mundo com alarmante frequência. Existe um mundo sombrio sob o nosso, onde para todos os efeitos magia, monstros e demônios são levados muitíssimo a sério, e onde batalhas contra essas forças tem lugar. E quer se pense que essas forças existem ou não, pessoas continuam morrendo.

Embora o termo "Caça às Bruxas" se refira a prática de encontrar, capturar e eliminar bruxas, ele é usado para cobrir um grande número de situações envolvendo punir transgressões de natureza espiritual. Isso pode incluir feitiçaria, magia negra, o uso de talismãs, totems e objetos místicos, o lançamento de magia, a realização de rituais e outras formas de emprego de magia. A crença que essas coisas são reais, está presente e muitas regiões do mundo, incluindo o Oriente Médio, muitas nações da África, em particular na África sub-Saariana, bem como em ilhas no Pacífico, regiões isoladas na América do Sul, na India, Nepal, Indonésia, Papua Nova-Guiné e partes da África do Sul, entre outras. Nesses lugares, diferentes modalidades de magia são consideradas muito reais, e seu uso é tido como uma séria ameaça à populações, mesmo em países modernos como a India e Arábia Saudita. Contudo, esse temos também persevera nos lugares menos esperados como nos Estados Unidos e na Europa que experimentaram o que podemos chamar de caça às bruxas moderna.


Existem muitas razões para alguém ser suspeito de praticar bruxaria.Por vezes a suspeita surge em função da crença que uma pessoa trouxe azar ou sofrimento para outra através de palavras cheias de maus agouros, maldições ou pragas. Em algumas culturas, maldições são tão temidas que considera-se possível matar através de palavras, e mais, uma maldição pode ser rogada não apenas sobre uma pessoa, as uma família, um vilarejo ou até uma cidade inteira.

Em alguns lugares, tudo que é necessário para que o clima de medo se instale é um acidente, uma seca prolongada ou um terremoto. Basta então que alguém seja apanhado agindo de maneira "suspeita" para ser rotulado como bruxo e responsável pelas tragédias que se abatem sobre outras pessoas. Doença, mortes inesperadas, loucura e uma miríade de calamidades, bem como simples azar e obra do acaso também podem ser enxergados como a ação de feiticeiros que manipulam forças malignas. Quando um terrível terremoto destruiu o Haiti, muitos acreditavam que o tremor havia sido causado por feiticeiros, o mesmo tendo acontecido no Paquistão em 2006, quando pessoas foram perseguidas em zonas rurais do país após um tremor mais forte.

O nascimento de animais e crianças com deformidades congênitas também são um sinal para muitos inequívoco da presença de feiticeiras operando suas magias nas proximidades. O princípio é que a presença de energias malignas afetam diretamente mulheres grávidas e a formação do feto. Em algumas regiões da Indonésia, mulhres grávidas são proibidas de sair de casa nos últimos 4 meses de gravidez, período em que, segundo as tradições, o feto pode ser pervertido pela ação de feitiçaria. Em regiões da Terra do Fogo, acredita-se que mulheres devem usar um patuá feito de pregos de ferro em volta do pescoço para anular as influências nefastas de feiticeiras.

Acusações de bruxaria também podem surgir quando uma pessoa é acusada de agir com inveja, avareza, ciúme, vingança ou simplesmente descaso diante de algum acontecimento. O "olho gordo" (ou "evil eye" em muitos países, literalmente traduzido como "olho maligno") é um tipo de maldição na qual uma pessoa afeta o sucesso e felicidade da outra,  simplesmente desejando a ela o pior. O que para nós, pode parecer muitas vezes, simples crendice, pode ser visto como crime em outras partes do mundo. Na Grécia é muito comum usar-se um amuleto na forma de olho para espantar o mau olhado, enquanto em Timor Leste pessoas podem ser detidas sob acusação de ter olhado para outras de maneira considerada suspeita.

Mulheres em muitos países são acusadas de bruxaria meramente por demonstrar impulsos sexuais. Em várias nações do Oriente Médio, uma mulher que demonstre exagerado interesse em atividade sexual pode ser considerada como uma bruxa. Algo pior ocorre em certas regiões da África em que o prazer sexual feminino é tido como algo essencialmente maligno e duramente combatido. Em algumas tribos subsaarianas, mulheres sofrem mutilação genital ao chegar na puberdade para evitar que elas sintam prazer durante o sexo. Ainda existe a crença de que o prazer feminino de alguma forma, rouba o prazer masculino ou ser
ve para extrair a força do homem.


Todas essas crendices e tradições presentes em culturas tão diversas e distantes demonstram uma preocupação constante e influenciam o surgimento de alegados "Caçadores de Bruxas". Sua função é desmascarar e revelar a presença de bruxos, combater suas ações e finalmente eliminá-los de uma vez por todas. Em alguns lugares, essa eliminação pode ser realizada através de exorcismos e rituais religiosos, mas em outras, "eliminar" significa exatamente exterminar.

Em muitas áreas onde se acredita em magia negra, tudo o que é necessário para que uma caçada tenha início é uma acusação. Investigações podem ser instauradas, direitos são facilmente quebrados e punições severas são impostas aos transgressores. Se o acusado tiver sorte, há algum tipo de sistema de justiça envolvido. Nesses lugares os suspeitos de bruxaria enfrentam algum tipo de julgamento, ainda que na maioria das vezes seja algo primitivo, injusto e meramente formal. tribunais investidos com autoridade podem decidir o destino de uma pessoa baseado em mera especulação e testemunhas. Os procedimentos destes tribunais e de seus oficiais se baseiam inteiramente em suas próprias crenças e superstições. Contudo, o pior é quando não há sequer julgamento ou decisão oficial, tudo que basta é um caçador carismático e uma turba impressionável que aceite sua palavra. Punições violentas como chibatadas, marcas de vergonha e banimento são algumas das penas, mas linchamentos e tortura também ocorrem. 
  
Em Gana, uma nação na África, Caça à Bruxas acontecem com surpreendente frequência nas regiões rurais. Uma das maneiras de se reconhecer se um acusado tem ou não envolvimento com magia negra envolve cortar o pescoço de uma galinha e lançá-la sobre uma mesa. Se ave morrer de costas a pessoa é inocente, mas se ela cair de frente o acusado é um bruxo. Em Zambia, espelhos são usados para verificar o reflexo de um acusado de bruxaria já que aqueles envolvidos com magia tem um reflexo "estranho". Ironicamente quem verifica o reflexo é um feiticeiro reconhecido que presta serviços para a justiça. Ele é capaz de dizer com certeza se o reflexo apresenta sinais de ter envolvimento com magia proibida ou se a pessoa realizou um simples ritual de "magia branca". 

O ofício de "Buscador de Bruxos" é bastante importante na África do Sul, onde indivíduos especialmente treinados são capazes de discernir um trabalho de magia negra de um simples e inocente ritual. Caçadores empregam um vasto repertório de métodos que os ajudam a extrair confissão, estes vão desde humilhação pública e exposição até tortura pública. No Zimbabue até poucos anos atrás existiam leis que permitiam usar ferros em brasa para extrair confissões de acusados de feitiçaria. Em tribunais mais "civilizados", uma corte é formada para trabalhar as acusações e analisar as evidências. Não há advogados, mas oficiais que estudam o caso com suposta imparcialidade e cuja função é dar a sua opinião sobre cada caso.


Mas isso é quando acontece um julgamento. Na maioria das vezes, a mera suspeita é suficiente para encarar alguém como culpado de praticar magia negra. De qualquer maneira, uma vez que alguém é condenado pela prática de bruxaria as repercussões dependem principalmente de sua cultura. Em Camarões, pessoas que são condenadas por bruxaria são obrigadas a consumir uma quantidade enorme de carne até vomitar o que, segundo as crenças, ajuda a expulsar as forças malignas que habitam seus corpos. Em Gambia, feiticeiros são aprisionados em centros de detenção onde recebem uma espécie de tratamento que os ajuda a purgar as energias demoníacas de seus corpos. Para isso, eles devem consumir bebidas e misturas especiais que provocam vômito e diarreia que ajudam a expelir o mal. Da mesma maneira, em Zambia, bruxos são obrigados a beber uma poção especial chamada kucapa, que supostamente extinguem a magia em seu organismo impedindo que eles prossigam em suas atividades.

As punições no entanto podem ser bem mais violentas e humilhantes. No Iêmem um acusado de feitiçaria pode receber até 10 chibatadas em praça pública por usar de sortilégio ou por usar magia. Se a magia for com o intuito de matar ou ferir, a pena pode ser aumentada e o criminoso pode receber uma marca de ferro quente na face, no pescoço ou na mão. Em Omã, a pena por praticar bruxaria pode ser o banimento e a renúncia da família que declara a pessoa como se estivesse morta. A pena prevê ainda que ela seja destituída de seus bens e forçada a usar uma marca que a identifique como feiticeira, uma condição que equivale a se tornar um pária.  

Em alguns países, o governo detém o direito de deter, punir e executar aqueles que são acusados de bruxaria. É dever do Estado sancionar a ação de "caçadores de bruxas" e fornecer um devido processo legal para que os acusados enfrentam o processo. Esse é o caso expresso da Arábia Saudita. onde indivíduos acusados de praticar magia negra são decapitados em praça pública. Mais comum do que esse método, em certas partes do Irã e Afeganistão, os acusados de praticar magia podem ser  apedrejados até a morte, surrados com pedaços de pau e até mesmo incinerados dependendo das leis locais. Muitos acusados preferem fugir, antecipando o que está por vir, antes que um bando furioso os procure para obter a punição.    

Mesmo que o condenado não enfrente a pena capital, eles devem esperar algum tipo de brutalidade e violência. No Sudão, até alguns anos trás, mulheres acusadas de praticar magia negra enfrentavam uma pena cruel que previa que elas fossem entregues a oficiais que tinham liberdade para estuprá-las. Homens acusados de feitiçaria no Djibuti podem perder a língua, a mão direita ou até mesmo os genitais. Em Gana, os acusados são enviados para reservas especiais - os campos de bruxos, onde podem viver, desde que prometam jamais deixar os limites dessa área demarcada.  


É estranho, mas aqueles que procuram esses santuários acabam encontrando o mesmo tipo de superstição que os fizeram correr. Muitos dos refúgios são controlados por feiticeiros credenciados que preparam poções e realizam exorcismos com o intuito de inibir os poderes dos recém chegados. Além disso, os limites das reservas são "magicamente protegidos" por totems que impedem a realização de magias - ou assim dizem.

Uposagn é uma bruxa, acusada de ter realizado um ritual de magia negra que matou uma mulher em sua aldeia no interior de Gana. Para escapar da perseguição, ela aceitou se confinar em um dos campos e se submeter ao "tratamento" que elimina sua magia. Ela vive no Campo Gnani há mais de dois anos:

 "Eu herdei os meus poderes do meu avô. As pessoas que me perseguiam vieram uma noite. Fui perseguida durante a madrugada por uma multidão armada com machetes. Eles me bateram com porretes e tentaram me matar. Por pouco não conseguiram. Eu resolvi vir para Gnani. Meus poderes não funcionam aqui, os feiticeiros retiraram eles através dos seus rituais assim que cheguei. Ao menos aqui, me sinto segura".

Esse tipo de perseguição empreendido contra feiticeiras e bruxos sempre foi comum, mas nos tempos modernos parece ter aumentado. Não há um número, mas acredita-se que mais pessoas são mortas hoje, acusadas de bruxaria do que em qualquer outro período da história, inclusive na Idade Média. Os casos de violência contra praticantes de magia negra são tantos que fez as Nações Unidas e grupos de direitos humanos estimarem que milhares de pessoas são mortas anualmente , e possivelmente milhões são torturadas, agredidas, feridas e banidas. As Caça à Bruxas são frequentes e autoridades locais tendem a fechar os olhos para violência e violações, isso quando não participam ativamente  delas. Surpreendentemente muitos casos não estão restritos a áreas rurais afastadas e zonas rurais com pessoas sem educação e supersticiosas. Em Papua Nova Guiné, por exemplo, a crença em magia negra e bruxaria persiste em todas as cidades, mesmo na Capital Port Moresby. Lá, não é raro que os jornais tragam notícias a respeito de bruxos capturados e pessoas sendo processadas por se valer de magia negra.



Recentemente, uma quantidade assustadora de casos ajudaram a lançar uma luz sobre ocorrências de caça às bruxas. Em 2008, uma sanguinária perseguição no Quênia resultou na captura e queima de 11 pessoas acusadas de bruxaria bem diante de autoridades e testemunhas que não conseguiram impedir o linchamento. Em 2012, no Nepal, Dhegani Mahato, uma mulher de 40 anos, foi acusada por um chefe tribal de ter provocado uma doença em uma pessoa do vilarejo em que viviam. Os membros da família de Mahato a agrediram com porretes e pedras até que ela perdesse a consciência, em seguida atearam fogo ao seu corpo com gasolina, a matando. Ao menos nesse caso, a polícia agiu prendendo 10 pessoas envolvidas no assassinato, mas as penas foram mais leves do que o esperado. Também em 2012, Maria Berenice Martinez, foi acusada de bruxaria em sua cidade Santa Barbara, na Colombia. Ela teve os cabelos raspados, foi arrastada pelas ruas e agredida por populares. Quando ela enfim foi resgatada, seus perseguidores atearam fogo a sua casa e ela morreu no ncêndio.

No ano seguinte, 2013 também ocorreram vários casos de caça às bruxas noticiados pela imprensa. Talvez o mais famoso e perturbador tenha ocorrido em Mount Hagen, Papua Nova Guiné. A jovem Kepari Leniata de 20 anos foi acusada pela família de ter matado um menino de seis anos usando magia negra. A mulher foi capturada em sua casa, surrada, despida, coberta de gasolina e publicamente incendiada diante de centenas de pessoas que gritavam e aplaudiam a cena medonha. A polícia não foi capaz de intervir. No mesmo ano ocorreu um segundo caso em Papua, dessa vez envolvendo três mulheres e dois homens que foram feitos prisioneiros e torturados com ferros em brasa por vinte dias em uma cadeia. A acusação contra eles era de que praticavam feitiçaria e que estavam em conluio com forças diabólicas. Os cinco acabaram sendo assassinados e seus corpos incinerados. Também em 2013, outras quatro mulheres foram torturadas e uma delas decapitada após serem acusadas de bruxaria, mais uma vez em Papua.

Enquanto isso, na India, um casal em Assam, foi acusado de praticar magia negra. Os dois foram agredidos por uma turba violenta que usou machetes e machadinhas para matá-los e em seguida esquartejar os cadáveres. A violência não ficou confinada lá. Em Chattisgarh, uma mulher idosa foi assassinada à pedradas e sua filha estuprada por uma multidão que as acusava de realizar magias e roubar cadáveres.


Engana-se quem pensa que essa onda de Caça às Bruxas se restringe aos lugares menos desenvolvidos. 

Em 2014, Carlos Alberto Amarillo brutalmente matou sua namorada e uma de suas filhas usando um martelo. O local onde ocorreu essa tragédia não era um recanto isolado do terceiro mundo, mas a cidade de Nova York. Amarillo estava convencido que as mulheres eram bruxas e estavam conspirando para matá-lo usando magia negra. Identificadas como Estrella Castaneda, de 56 anos e Lina Castaneda de 25, as duas foram encontradas mortas com fronhas enfiadas na cabeça e mãos amarradas nas costas. O assassino contou às autoridades que ele estava sob ataque de magia negra lançada por mãe e filha que realizavam trabalhos de vodu. Em 2010, na Inglaterra um rapaz de 15 anos foi torturado e morto no East London depois de ser acusado de praticar bruxaria. Um tio foi o principal responsável pelo assassinato, ele dizia que o rapaz estava envolvido com magia negra.

Tais casos chocantes tem se multiplicado de maneira alarmante e caçadores de bruxas modernas tem agido cada vez mais impunemente. O tamanho do problema é desconhecido já que muitas mortes acabam acobertadas ou não são satisfatoriamente investigadas pelas autoridades. Em outros casos, os assassinatos acabam sendo sancionados pelo próprio governo que incentiva e promove as execuções de alegados feiticeiros e bruxos como uma maneira de "limpar a sociedade". 

É notável que embora a maior parte de nós acreditemos viver na era da razão e em tempos esclarecidos, tal coisa continue acontecendo. Muitos acreditam que a Caça às Bruxas é algo relegado ao nosso passado e momentos menos agradáveis de nossa história. Infelizmente, na realidade, trata-se de algo incrivelmente contemporâneo. A "luta contra magia negra" e "feitiçaria" continua sendo travada e muitos de nós não fazemos nem ideia do que está acontecendo. Não importa se acreditamos que a magia existe ou não, essas mortes são reais e vão continuar acontecendo.

5 comentários:

  1. Frequentes perseguições de casas de umbanda por evangélicos da IURD são exemplos claros de caça as bruxas modernas.

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  2. Cara, eu não fazia ideia de que isso ainda acontecia. E o mais surpreendente é que acontece até em países super desenvolvidos, como citou.

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  3. Loucura!! Fico imaginando o número de casos assim que aconteceram no Brasil e não foram devidamente investigados ou até mesmo acobertados.

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  4. Não faz muito tempo, aqui no Brasil, uma mulher foi perseguida linchada e morta pois o bairro acreditou que ela era uma bruxa. Alguém mais se lembra desse caso?

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