sexta-feira, 24 de março de 2023

O Voo das Strzyga - Feiticeiras aladas do folclore eslavo


Na mitologia antiga da Europa nenhum demônio, horror noturno ou monstro era mais temido que a Strzyga. No folclore dos povos eslavos, a Strzyga e também a Strigoi, tinham várias formas e atendiam por diferentes nomes. Cada região cunhou uma peculiaridade e ajudou a construir esse mito tão antigo quanto aterrorizante.

As lendas remontam à antiguidade clássica, estando elas presentes em histórias, documentos e até em tampas de caixões. Os gregos a conhecimento como Striga, um monstro alado que simbolizava o mau agouro, as tragédias e a morte iminente.

Nas crenças gregas, a Striga podia ser um tipo de bruxa com vastos poderes sobrenaturais. Elas dominavam as artes negras, a feitiçaria, criavam maleficios e praticavam necromancia. Tinham acesso ao submundo, de onde tiravam energias para alimentar seus rituais com ingredientes que incluíam ossos, dentes e a pele dos mortos. 

Elas também eram capazes de se transformar em enormes aves negras. Quando voavam sobre uma casa, alguém ali estava fadado a morrer. Pássaros negros eram tão temidos que os gregos os evitavam à todo custo.


O mito da Striga também encontra eco no do vampiro, já que elas também eram parasitas que se alimentam dos vivos. Em registros datando do século segundo antes de Cristo, a Striga era descrita como um predador voraz. Ela podia buscar seu sustento no fôlego, no sêmen ou no sangue dos vivos. Mais comum era a crença de que a criatura se alimentava da energia das suas vítimas, algo que os gregos chamavam "spiritus vitae". Para isso o monstro se deitava sobre a vítima, usando sua força sobrenatural afim de mante-la imobilizada. Em seguida aproximava sua boca da boca da presa e sorvia sua energia vital. Uma Striga podia matar uma pessoa deixando-a fraca após repetidas visitas.

Os gregos mencionavam cemitérios como o esconderijo habitual da Striga. Sendo seres da escuridão, elas se sentiam mais à vontade vagando à noite, buscando a segurança de uma cripta ou de uma sepultura vazia para passar o dia. Na Tessalonica era comum os cemitérios usarem desenhos e símbolos que remetiam a Striga para afastar os ladrões. Por essa razão, muitas tampas de caixões e lápides traziam alguma menção a esses seres.

Como ocorreu com muitos elementos da cultura grega, os romanos adotaram esse mito, renomeando-o Strix. A versão  romana guardava similaridade com a lenda grega, contudo podia ser ainda mais aterrorizante. 


De acordo com o historiador romano Servilio, a Strix era uma ave de grande porte, com uma face humana feminina, braços cobertos de penas cinzentas terminando em dedos e garras recurvas. Podiam ter olhos grandes e amarelos que lhes permitia enxergar na escuridão. Eram capazes de voar e de andar em duas pernas, falavam como uma mulher e emitiam silvos quando irritadas, como falcões. Em algumas versões eram dotadas também de um bico usado para perfurar e beber o sangue de suas presas. Seu hálito também era venenoso e um sopro direcionado a uma pessoa podia cegar ou fazer um homem perder os sentidos. A Strix se empoleirava no telhado das casas e ficava ali esperando todos dormirem. Então descia silenciosamente e soprava no quarto da vítima escolhida, contaminando o ar com um cheiro ocre que causava pestilencia. A doença podia levar à uma condicao que se assemelhava à morte. A pessoa acaba sendo enterrada viva, a Strix então a alcançava e devorava.

Para se proteger da criatura os romanos desenhavam símbolos de proteção sobre a porta ou nas chaminés. Também penduraram réstias de cebola e alho nas janelas que deixavam a criatura nauseada. A Deusa Vesta que zelava pelas casas era inocada para proteger a moradia contra a presença indesejada da Strix.

Mesmo assim, quando uma pessoa tinha uma morte repentina, muitos acreditavam que era obra de uma Strix e por isso o corpo sob suspeita só era enterrado após alguns dias para se ter certeza de que ele estava morto. O maior temor era a crença de que a Strix podia transformar as pessoas em seus escravos, reduzindo-os a uma condição de vida apos a morte. Um escravo podia ser destruído com o corpo sendo incinerado. Se uma Strix surgisse, ninguém estaria seguro, sobretudo crianças, já que elas eram a presa favorita da criatura.


Para os romanos, ambos sexos se tornavam Strix, mas a versão feminina era mais poderosa podendo lançar maldições apenas com um mau olhado. Servilio descrevia pessoas fulminadas pelo olhar do monstro e familias inteiras doentes com a exposição ao hálito infernal.

Mas de onde surgia tal criatura? Qual a origem do monstro?

Segundo o mito, pessoas que nasciam com dois corações, duas fileiras de dentes ou duas almas, estavam destinadas a se tornar uma Striga. Uma das características duplas era habitada pelo espírito da Striga que é originalmente uma manifestacao invisível e incorporea. Esta se apossava do corpo e matava a outra metade, tornando-se a única força a habitar a vítima. Uma pessoa normal também podia ser transformada se tivesse contato intimo com o monstro.

O mito da Strix romana foi carregado para o Leste Europeu dando lugar a Strzyga em algum momento da Idade Média. A criatura na região dos Balcãs estaria mais associada à feitiçaria do que ao vampirismo, ainda que também se alimentasse do sangue e energia dos vivos.


A Strzyga era sempre uma mulher envolvida com bruxaria e que recebia poderes profanos do Diabo em pessoa. Para ganhar esses poderes a Strzyga firmava um acordo com as trevas, alienando a sua alma imortal e oferecendo eterna servitude. O acordo era selado quando ela copulava com o Diabo e recebia dele uma marca: um dente adicional, um chifre oculto em meio aos cabelos ou ainda um sexto dedo. Essa era a fonte de poder da Strzyga, um apêndice que funcionava como repositório mágico. Não por acaso, tais itens se tornavam valiosos para feiticeiros.

A característica mais marcante dessas bruxas é que elas podiam assumir a forma de grandes pássaros, em especial corujas, gralhas ou corvos. Nessa forma elas espionavam os vilarejos e se aproximavam dos camponeses que escolhiam para suas tramas malignas. Nada dava mais satisfação a elas do que corromper homens honestos, arregimentar mulheres para sua causa e devorar crianças.

Para se proteger da Strzyga as mulheres faziam tramas de galhos que eram penduradas nas janelas, vertiam água benta no batente das portas e deixavam sangue de porco em tigelas como oferenda que substituía o sangue das crianças tão cobiçadas pela besta.

No século XVI havia a crença de que as Strzyga eram responsaveis pelo Sabá das Feiticeiras. Eram elas quem ensinavam às jovens mocinhas os rituais de sortilégios que as levariam a servir o diabo. Nessas reuniões, na parte mais escura da floresta, as bruxas transformavam suas cúmplices em aves pela primeira vez e elas voavam pelo céu noturno experimentando um êxtase profano. Aquelas que cediam a essa tentação passavam a acompanhar a Strzyga sendo chamadas de Strigoi.


Segundo superstições eslavas, uma Strigoi podia ser revelada se a moça em questão não fosse capaz de tecer uma manta tradicional. Em outras versões, uma moça que não casava, uma esposa sem filhos ou uma prostituta, também poderia ser recrutada pela Strzyga. Para afastar dúvidas, as meninas aprendiam desde cedo como fazer trabalhos manuais e eram preparadas para o matrimônio. 

Acredita-se que lendas sobre a Strzyga e as Strigoi tenham se mantido populares em regiões no interior da Romênia, Iugoslavia, Bulgária e Polônia até o início do século XX. Mas ainda hoje, há lugares onde a crença em tais seres se mantém inabalável. Festivais tradicionais são conduzidos com o objetivo de manter essas entidades sobrenaturais afastadas e preservar os costumes regionais. 

As bruxas ainda voam nesses lugares, alçadas para os céus por grandes asas de coruja, e as pessoas guardam um saudável respeito sobre essas velhas tradições. 

Um comentário:

  1. No nosso folclore brasileiro, também temos uma versão Striga, a Matinta Pererá, uma bruxa que se transforma em uma ave devoradora de crianças.

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