O diabo sempre foi uma figura central no imaginário da humanidade.
Toda cultura, toda sociedade possui o seu equivalente. Uma figura de maldade lendária, dedicado a explorar as mazelas da humanidade e obter para si o qie existe de mais valioso: a alma dos mortais.
O diabo é sempre retratado como esperto, astuto e perspicaz. Uma figura que usa suas habilidades para encantar e convencer as pessoas de que suas intenções são as melhores e que um empurraozinho seu resolve a maioria dos problemas.
Desde que o mundo é mundo, e que o diabo é o diabo, a figura do demônio esta associada aos pactos. A barganha diabólica sempre fez parte da mitologia que cerca essa figura sinistra. O modus operandi é sempre o mesmo: um indivíduo desesperado, necessitado ou curioso contata o diabo e ouve sua proposta tentadora. Decide então aceitar ou não, já que livre arbítrio é parte essencial da coisa.
Como bom negociador que é, o diabo parece ter uma habilidade notável de saber o que a pessoa mais deseja, o que aquece seu coração e atrai seu olhar. Ele é insidioso, sinaliza com aquilo que está fora do alcance e oferta o quase impossível.
Mas tudo tem seu preço!
Ele sempre quer algo em troca de sua ajuda. Submissão, devoção, serviço, ou mais frequentemente, a alma da pessoa. É essa a moeda de troca no câmbio infernal: alma que sobe fora de seu alcance, alma que desce direto para suas garras. Nada é mais valioso para o "coisa ruim" do que a alma de alguém puro que a oferece de bom grado, mas, verdade seja dita, ele aceita qualquer um.
Tão popular quanto a história do diabo que oferece a negociação, são as histórias de indivíduos que aceitam a proposta e tentam vence-lo em seu próprio jogo. "Ser mais esperto que o diabo" e derrotá-lo em seus termos é para poucos. Enrolar, ludibriar, passar o grande negociante para trás, parece ser a meta de um sem número de indivíduos e claro, personagens da literatura.
A origem disso pode ser simplesmente contar uma boa história, provar que o diabo não é infalível ou ainda, mostrar que sempre há esperança para aqueles que se arrependem. O pacto não é definitivo e, mediante a esperteza do signatário, é possível desfazer o mais intrincado contrato. Ou ao menos, é no que apostam vários autores.
Pois bem... "Pactos", da Editora Darkside oferece ao leitor seis contos onde a barganha com o Diabo é a premissa básica. São histórias curiosas: algumas em tom de anedota, mais leves e divertidas, outras mais sérias e arrepiantes. Todas elas, no entanto, se debruçam sobre as implicações de desejar algo além do alcance e do que se está disposto a abrir mão para conseguir.
Alguns dos contos contém críticas sociais contundentes e fazem uma observação mordaz da hipocrisia e da falsa moralidade, sobretudo das instituições. São boas histórias, cada uma ao seu modo contribuindo para o tema sugerido.
A seleção conta com nomes consagrados da literatura como Nathaniel Hawthorne, Mark Twain, Edgar Allan Poe e Washington Irving que oferecem sua interpretação da célebre negociação com a temida chancela diabólica. Como ocorre em toda antologia, há contos bons e outros nem tanto, mas é inegável a qualidade deles, ainda que alguns possam ser um pouco maçantes.
O primeiro é "O Jovem Goodman Brown", de Hawthorne, uma fábula moral se passando na velha e pecaminosa cidadezinha de Salem, palco da famosa Caça às Bruxas nos tempos coloniais. Aqui temos um jovem ponderando sobre vender ou não sua alma, enquanto descobre que outros individuos, supostamente mais virtuosos do vilarejo, já o fizeram.
"O Diabo e Daniel Webster" do poeta Stephen Bennet é o segundo conto. Ele narra a tentativa de um sujeito que firmou um pacto diabólico de desvencilhar-se do contrato. Para isso ele contrata um advogado para defende-lo e este pede a formação de um tribunal do juri (composto por vilões e criminosos famosos) para deliberar sobre o veredito.
Mark Twain, um dos pais fundadores da literatura norte-americana nos oferece "Vendida para Satã", um conto curto no qual o diabo e um investidor discutem sobre as implicações da barganha e da verdadeira riqueza.
Cabe ao lendário Edgar Allan Poe contribuir com uma peça satírica menor intitulada "O Diabo no Campanário", enquanto Harriet B. Stone traz "Como Vencer o Diabo", as duas histórias tem seus méritos, mas ao meu ver são as mais fracas da antologia.
Já "O Diabo e Tom Walker" de Washington Irving é bem mais interessante e instigante em sua proposta de analisar a cobiça e avareza humanas e suas consequências.
Além dos contos, o livro se esmera no quesito de extras com uma belíssima introdução de Márcia Heloísa que organizou e traduziu os contos selecionados. O Posfácio de Pedro Pone também é inspirador. O volume conclui com referências cinematográficas de filmes e seriados que exploram o tema com fotos de produção e cartazes. O conteúdo é bonito e as referências válidas, embora o espaço pudesse ser melhor aproveitado com outros contos.
Visualmente, "Pactos" é sensacional, uma produção de qualidade e beleza incríveis como se tornou padrão nas publicações da Editora Darkside. A capa remetendo aos clássicos livros de magia negra, com tratamento fosco envelhecido se sobressai na prateleira e convida a folhear as páginas de borda escura. O bode e a cabra negra, animais ligados à mitologia diabólica estão em toda parte: na capa, na arte interna e mesmo nas fotos dos autores que são sempre escoltados por tais animais. O resultado é sinistro e casa bem com o tema.
Em um acervo de livros incrivelmente bem produzidos, ouso dizer que "Pactos" talvez seja um dos trabalhos mais bonitos da Darkside. Um deleite para os colecionadores que apreciam um material de qualidade gráfica irretocável.
O livro pode ser encontrado na página oficial da Darkside, onde pode ser adquirido com alguns mimos - no caso cartões postais, ou achado em lojas virtuais e livrarias.
Uma boa pedida!
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