quinta-feira, 13 de julho de 2023

Sawney Bean - A Lenda do Clã de Canibais que aterrorizou a Escócia


É difícil saber ao certo onde terminam os fatos e onde tem início a lenda de Sawney Bean.

Chamar a história do clã de Sawney Bean de "história" também parece um tanto impróprio; existem contos populares, lendas locais e uma infinidade de rumores. Embora possa haver algum fundo de verdade, não há uma base suficientemente confiável para considerar os eventos como reais. Após tantos anos, seria impossível que a narrativa não recebesse acréscimos e adulteração.

Passados mais de 500 anos, ele ainda causa impacto no folclore de sua terra natal, a Escócia. Amplamente considerado a inspiração por trás de um sem número de relatos chocantes envolvendo famílias entregues ao mais pérfido dos tabus: o Canibalismo

Sawney Bean pode ser considerado também como uma figura mítica; dizem que no século XVI, seu nome era mais conhecido em sua pátria do que o do Papa e do Rei em pessoa. Ele era enormemente temido e o terror que seu nome despertava continuou provocando arrepios ao longo dos séculos seguintes. É claro, tudo isso pode ser produto de propaganda; mesmo que ele não tenha existido exatamente como os contos sugerem, sua história não é menos significativa. Examinada e analisada incontáveis vezes, aumentada e dissecada criteriosamente, mesmo os historiadores não sabem o que fazer com os dados disponíveis. Cada fonte acrescenta um detalhe que contribui para tornar tudo ainda mais chocante e dantesco. 

As versões mais aceitas dizem que Sawney Bean, nasceu com o nome Alexander Bean e foi o líder de um clã escocês que se estabeleceu no sudoeste do país em algum momento entre os anos 1400 e 1500. Eram tempos difíceis, quando a existência esbarrava em horríveis privações que constituíam um obstáculo à sobrevivência. Segundo a lenda, Sawney Bean foi o responsável por levar sua família a assassinar e canibalizar mais de 1.000 vítimas. A ideia de uma família de assassinos maníacos buscando vítimas inocentes, matando e por fim devorando seus restos, parece o roteiro de um filme de terror moderno, contudo é exatamente o que dizem as narrativas.

Alexander "Sawney" Bean teria nascido em uma família honesta que trabalhava com plantio, mas que em dado momento se viu forçada ao trabalho de escavar e abrir valas. Era uma tarefa árdua,  mas necessária, sobretudo na estação das chuvas, quando alagamentos ocorriam com frequência. Cansado do trabalho, Bean abandonou o negócio da família e tentou o ofício de peleiro, curtindo e costurando couro, mas não foi bem sucedido.


Em algum momento ele conheceu uma mulher chamada "Black" Agnes Douglas que segundo algumas versões seria uma prostituta acusada de matar e roubar alguns de seus clientes. Douglas era uma mulher disposta a fazer qualquer coisa para sobreviver; quando jovem foi atraente, com cabelos negros que lhe valeram o apelido. Contudo, a vida no meretrício drenou seus encantos e a deixou amarga e cruel. Ainda assim, Bean a desposou em Ayrshire e decidiu viver com ela. 

Os dois deixaram o vilarejo para tentar a sorte em uma caverna no litoral entre Girvan e Ballantrae. Era uma região escura e isolada, pontilhada por formações rochosas e pântanos salgados. A caverna escolhida por eles era conhecida como Bennanne (que significa garganta) e seus túneis se estendiam por mais de uma milha rocha adentro. Eles exploraram o complexo e decidiram fazer daquele lugar seu lar, vivendo como uma família primitiva não muito diferente daquelas que ali habitavam na Idade da Pedra.

Afastados da sociedade, eles tentaram sobreviver da pesca e do que conseguiam extrair das charnecas próximas - cogumelos, frutas e pássaros. As dificuldades, no entanto deviam ser enormes, o que fez com que passassem privações. Dois de seus filhos recém nascidos teriam morrido de má nutrição ou das muitas moléstias que eram coletivamente chamadas de febre do pântano. No inverno, o frio quase os congelada e a fumaça das fogueiras dentro da caverna por pouco não os sufocava.  Ainda assim, eles conseguiram sobreviver por dez anos e constituir uma pequena família.

Em algum momento, Sawney e Douglas cederam a tentação de emboscar viajantes que cruzavam a estrada que passava a alguns quilômetros de seu covil. Essa via, embora deserta e erma, era uma das únicas que ligava aquela região ao grande centro urbano da época - Edimburgo. Por ali passavam fazendeiros e comerciantes que levavam seus produtos para vender nas feiras. O roubo se converteu rapidamente em sua atividade principal e para evitar reconhecimento eles assassinavam suas vítimas. Os corpos eram amarrados a pedras e afundados nas águas ou então sepultados em cavernas profundas onde não seriam encontrados.


É possível que a peste que assolou a região ao longo desse período tenha levado um número de camponeses a buscar refúgio nas cavernas onde a família havia se estabelecido. Sawney Bean se converteu em um tipo de autoridade na área, aceitando ou negando a presença de novas pessoas. Ele era quase um chefe tribal e como tal, construiu seu próprio clã. Bean selecionou à dedo quem poderia ficar, escolhendo os que acatavam suas ordens e que ajudariam nos roubos. Os rumores dão conta de que o bando cresceu, aceitando homens e mulheres desesperados e sem perspectivas. A quadrilha espreitava pelas colinas, observando a passagem de viajantes e descendo sobre aqueles que julgavam carregar algo de valor. Atacavam, saqueavam e matavam sem qualquer pudor. Viviam todos nas cavernas profundas em uma estrutura primitiva onde compartilhavam tudo, inclusive a intimidade dos casais. Sawney Bean e sua esposa, no entanto eram os chefes e sua palavra era lei, as ordens eram obedecidas sob pena de banimento ou execução.

Contando com 18 membros, o bando era uma ameaça constante e isso começou a afastar os viajantes que temiam cruzar aquela estrada insalubre. O bando teve de se afastar do seu covil e atacar os que tentavam a sorte por estradas secundárias. Em dado momento lhes ocorreu que, para garantir que nunca fossem identificados, não era o bastante matar, mas precisavam fazer os cadáveres desaparecer para sempre. Durante um inverno especialmente rigoroso o Clã teve a macabra ideia de usar os corpos como base de uma dieta rica em proteínas. As vítimas eram arrastadas para as profundezas das cavernas, esquartejadas e lançadas em grandes caldeirões e potes onde viravam cozido. 

A dieta se provou eficaz, resolvendo dois problemas para o clã que continuou crescendo. Agnes Douglas a essa altura havia tido mais de 14 crianças, cada uma com um apetite pouco saudável por carne humana. O clã se desenvolveu chegando a ter mais de 40 indivíduos, além de crianças incestuosas nascidas e criadas naquele regime comunal digno de pesadelos. Ao longo de duas décadas, gerações de bebês cresceram nas Cavernas de Bennane, refinando suas habilidades de assassinato e culinária canibal, incluindo a arte de salgar e conservar carne humana. Também confeccionavam roupas e utensílios com couro esfolado das vítimas, cabelos, ossos e até tendões cuidadosamente desfiados para fazer linha de costura. 

As autoridades locais já haviam estabelecido que alguma coisa sinistra estava acontecendo naquela região erma, mas não tinham noção da dimensão das atrocidades cometidas. Na Idade Média, não existia um senso confiável da população, contudo o número crescente de desaparecidos chamava a atenção. Embora buscas tenham sido conduzidas para localizar as pessoas sumidas ou seus assassinos, ninguém jamais pensou em vasculhar as profundezas da Caverna Bennane e seus arredores. Na falta de vítimas o bando escolhia um dentre eles para ir para o caldeirão e garantir o sustento dos demais. 


Em face do temor de cruzar aquela área remota, as presas começaram a rarear o que forçou o clã a buscar alvos cada vez mais longe. O crescimento do clã aumentava a demanda por carne e a coisa chegou ao ponto em que o roubo se tornou secundário diante da necessidade por alimento. Eles invadiam fazendas, atacavam camponeses solitários e sequestravam crianças que se afastavam de suas casas. Também haviam se especializado em emboscadas, atacando seus alvos aos urros, vestindo suas roupas de couro humano para causar o máximo de terror nas vítimas.  
  
No entanto, o bando não conseguiria manter suas ações temerárias em segredo para sempre. Certa vez o bando de Sawney Bean que estava à procura de vítimas avistou um grupo que voltava de uma feira. Os canibais avançaram sobre a caravana como sempre faziam: golpeando e estripando quem encontravam pela frente. Percebendo que não adiantava se render, um fazendeiro investiu com seu cavalo indo para cima de seus implacáveis atacantes. Ele conseguiu escapar, sendo perseguido por pelo menos meia dúzia de canibais em seu encalço. Para sua sorte, ele acabou encontrando uma comitiva armada que vinha da mesma feira e que escoltava um nobre. Após um encontro breve e violento, a tropa de Sawney Bean se viu, pela primeira vez, em desvantagem numérica e imediatamente recuou para a caverna afim de considerar a situação. 

Os guardas investigaram o local da emboscada e verificaram que muitas vítimas já haviam sido evisceradas e mutiladas a golpes de machado. Eles estavam sendo preparados para ser levados até o covil dos canibais. Durante a retirada foram deixados para trás evidenciando que algo sinistro estava prestes a acontecer com os cadáveres.

O fazendeiro sobrevivente e o nobre se apresentaram diante do Chefe Magistrado de Glasgow que depois de ouvir o relato macabro juntou as peças com a extensa lista de desaparecidos ao longo dos anos. Por sorte o Rei Jaime I em pessoa estava na região em visita oficial e ouviu o relato atônito. Ele prontamente seguiu para Ayrshire acompanhado de um pequeno exército de quatrocentos soldados e uma matilha de cães rastreadores, além de voluntários locais. E assim deram início a uma das maiores caçadas humanas que o país havia visto.


Como antes, a busca se concentrou no interior de Ayrshire e, como antes, o paradeiro dos canibais não foi encontrado. Entretanto, uma profusão de restos humanos descartados, ossadas e objetos foram achados nos bancos de areia do pântano. Furioso o monarca ordenou que um contingente ainda maior fosse deslocado para a região e que a área de busca fosse ampliada. Dias depois, cães farejadores sentiram o cheiro de carne humana em decomposição enquanto passavam por uma caverna parcialmente selada. Ao abrir acharam lá dentro sepultados os restos de uma dúzia de vítimas. Isso deu aos perseguidores a noção de que o bando estaria escondido em cavernas.

Rastreando cuidadosamente a área, os soldados localizaram uma trilha que levava para uma área isolada e de difícil acesso. A patrulha foi recebida violentamente por um bando fortemente armado, mas este teve de recuar diante de uma saraivada de mosquetes. O rastro que eles deixaram levava até a entrada da Caverna de Bennane. 

Reforçada por um contingente de 80 homens contatados às pressas, os soldados iniciaram a invasão com espadas desembainhadas. À luz de tochas improvisadas a tropa seguiu pelos túneis sinuosos até as profundezas do covil maligno, lar da Família de Sawney Bean. Nada poderia tê-los preparado para a visão abominável que testemunharam naquele dia. As paredes úmidas da caverna estavam repletas de fileiras e mais fileiras de membros e partes de corpos humanos, como carne pendurada em um açougue. Haviam crânios adornando as passagens e ossos colados na moldura das portas. Velas feitas de gordura humana crepitavam nos cantos que serviam de dependências para homens, mulheres e crianças selvagens. Outras áreas da caverna guardavam fardos de roupa, pilhas de objetos, anéis e joias - tudo roubado ao longo de décadas. Haviam túneis repletos de ossos e uma câmara especialmente medonha que servia como uma rústica cozinha. Ali, encontraram tachões, caldeirões e panelas de ferro com restos de banquetes canibais antigos. Uma despensa completa continha o estoque salgado de carne humana pertencente ao clã.  

Após uma luta feroz travada nos corredores, a caverna foi sendo conquistada metro a metro. Alguns foram mortos, mas o restante da família, 58 indivíduos, foram capturados e amarrados na entrada da caverna. Entre eles estavam Sawney Bean e sua esposa, os dois já bem idosos mas ainda suficientemente lúcidos e notavelmente saudáveis. Por ordem real o bando foi preparado para seguir rumo a Edimburgo e uma escolta especial foi organizada para impedir que a população, ciente dos crimes perpetrados, os linchassem.  


Os réus foram conduzidos até a masmorra e colocados à ferros, inclusive crianças e adolescentes. Os crimes foram considerados tão hediondos que o sistema de justiça l pelo qual a Escócia era famosa, foi abandonado. Em detrimento de um processo longo e desgastante que iria expor todos os meandros do horrível caso,  toda a família foi sumariamente condenada à morte. Os legisladores recorreram ao Rei para que ele desse aval para que os criminosos fossem executados o mais rápido possível já que os prisioneiros da masmorra real ensaiaram um motim visto que temiam dividir a prisão com aqueles monstros.

No dia seguinte, vinte e quatro homens do clã tiveram um destino semelhante ao de muitas de suas vítimas. A sentença foi cumprida de forma cruel, como era comum naquele tempo. Eles tiveram pernas e braços amputados por golpes de machado ou espada e foram deixados sangrando lentamente no patíbulo até a morte, vigiados por suas mulheres. O sangue foi tamanho que testemunhas disseram que o fedor podia ser sentido a quilômetros de distância. As vinte e duas mulheres consideradas culpadas de conluio nas mortes e de terem preparado a carne, foram queimadas como bruxas em grandes fogueiras acesas fora da cidade. A elas não foi permitida a piedade de serem enforcadas antes e portanto seus corpos arderam na pira até nada restar. As crianças foram poupadas, mas a maioria delas foi mandada para fora da Escócia, as que restaram deram origem a boatos sobre canibalismo nas décadas seguintes.

Uma das razões pela qual a história de Sawney Bean não pode ser validada é que não restaram documentos e nem registros dos eventos. Tudo que se tem são alguns poucos comentários feitos por historiadores que viveram no século XVII em diante e diários que mencionam o ocorrido. Contudo não é possível dizer ao certo como estas pessoas obtiveram as informações ou se elas adulteraram o incidente.

Relatos dão conta de que o Clã ficou ativo por pelo menos 30 anos e que nesse período teria feito mais de 1000 vítimas, mas é virtualmente impossível saber ao certo se tal número pode ter sido atingido. Também é inviável comprovar todos ou mesmo alguns dos detalhes macabros que rondam a lenda. Entretanto, Sawney Bean e seu clã homicida sempre foram extremamente populares na Escócia. Verdadeiro bicho papão nas Ilhas Britânicas, ele é tido como um dos maiores homicidas que viveu nas Ilhas Britânicas.

5 comentários:

  1. eu me perguntava de onde surgiu o esteriotipo de filmes americanos de caipiras incestuosos canibais, obrigado por responder

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  2. Mesmo não tendo como validar essa história, ainda assim é de se imaginar o choque que foi para aquela sociedade saber de crimes macabros como esse.

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  3. Essa história me fez lembrar de um quadrinho iniciado por Ennis. Ou melhor, um arco derivado desse quadrinho: Crossed Plus 100, escrito por Alan Moore, contando a trajetória de uma Terra pós-apocaliptica, cem anos após o surto de uma pandemia que transforma seres humanos em maníacos insanos. Havia então, um psicopata, Beau Salt, que foi infectado no começo, mas não perdeu o "seu juízo". Ele conseguiu recrutar alguns outros infectados e passou a treiná-los, criando, assim, uma espécie de clã; exatamente como descrito no artigo. Teria Moore, se inspirado na história de Sawney Bean?

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    1. A história me lembrou filmes como Quadrilha de Sádicos ou mesmo O Massacre da Serra Elétrica, fiquei imaginando se todas essas histórias mais recentes se originaram dos relatos sobre o clã Sawney Bean.

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  4. Fictícia ou não, essa história mostra como o ser humano é o monstro mais aterrorizante que existe, porque é o único monstro que existe de verdade!

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