A história do sequestro e assassinato de uma jovem criança chamada Elsie Paroubek na primavera de 1911 é quase um conto esquecido nos anais do crime de Chicago. Poucos, exceto os historiadores mais dedicados, lembram dos detalhes sobre o caso hoje em dia, mas na época, seu desaparecimento e as subsequentes buscas envolveram policiais de três estados, motivando o povo de Chicago a encontrar um culpado.
Os artigos de jornal dedicados ao caso deixavam a população em suspense e faziam com que a esperança fosse renovada, contudo, no fim, a história não teve o tão desejado final feliz. Até hoje, o assassinato de Elsie Paroubek permanece sem uma solução e é provável que ela jamais seja encontrada.
A mãe de Eliška "Elsie" Paroubek nasceu Karolína Vojáček em novembro de 1869, em Míčov, Boêmia Oriental, onde hoje é a República Tcheca. O pai de Elsie, František (Frank) Paroubek, também nasceu na Boêmia em 1867 e aos 15 anos, veio para os Estados Unidos seguindo o fluxo de imigrantes em busca de uma vida melhor na América. Ele e Karolina se casaram em 1892. Frank trabalhava como pintor de paredes enquanto Karolina cuidava da casa e criava os filhos. Eliška (Elsie) foi sua sétima criança. Ela era uma menina feliz com cabelos cacheados de um dourado brilhante, olhos azuis e sorriso fácil. Todos se encantavam com a garotinha de jeito espontâneo.
Na manhã de 8 de abril de 1911, Elsie, então com cinco anos, deixou sua casa na South Albany Avenue, em Chicago, dizendo à mãe que iria visitar a tia, que vivia na vizinhança. Virando à esquerda na rua 22, ela encontrou sua prima de nove anos, Josie Trampota, e outras crianças que estavam ouvindo um tocador de realejo na rua. Quando o sujeito se moveu para outra esquina, as crianças o seguiram passando pelo portão da Sra. Trampota. A essa altura, Elsie, não estava mais com elas e ninguém percebeu que ela havia sumido.
Várias horas depois, a mãe de Elsie foi até a casa dos Trampota. Ao chegar na casa da irmã, Karolina soube que Elsie não havia chegado lá. Como a menina tinha muitos amigos na vizinhança, as mulheres presumiram que ela devia estar visitando outra casa. Às 21 hs naquela noite, Frank Paroubek voltou do trabalho e soube da ausência de Elsie. Ele não estava tão despreocupado quanto sua esposa e cunhada e foi imediatamente à delegacia de polícia para relatar o desaparecimento da criança. Inicialmente, a polícia concordou que era provável que ela estivesse com amigos, mas quando Elsie não voltou para casa na manhã seguinte, o capitão John Mahoney assumiu o comando das buscas.
Um grupo de ciganos nos anos 1910 |
Detetives de várias delegacias vasculharam a vizinhança e logo surgiram suspeitos. Um menino chamado disse aos detetives liderados pelo inspetor Stephen Healey, que tinha visto uma carroça (identificada como pertencente a ciganos em alguns relatos) descendo a rua a um quarteirão a oeste de onde Elsie foi vista pela última vez. Havia duas mulheres na carroça e uma delas segurava uma garotinha. A polícia sabia de vários acampamentos ciganos ao longo do rio Des Plaines, e foram até lá para falar com os residentes. Eles disseram aos investigadores que uma carroça partiu na manhã de 9 de abril.
Embora a ideia de ser "roubado por ciganos" pareça absurdo hoje, a teoria era plausível na época porque o desaparecimento de Elsie era quase idêntico ao de um menina chamada Lillian Wulff, que havia sido encontrada com ciganos quatro anos antes. O preconceito com ciganos era grande em Chicago e as tradições deles eram vistas com desconfiança na cidade. Alguns achavam que ciganos levavam crianças para trabalhar como escravas ou que as sequestravam com propósitos ainda mais terríveis.
Detetives da Maxwell Street vasculharam os bairros italianos em torno das ruas West 14th e South Halsted, onde foi relatado que uma garota que se encaixava na descrição de Elsie havia sido vista com um tocador de realejo. O governador de Illinois, Dan S. Deneen, pediu ao público que ajudasse na busca. Logo, havia milhares de pessoas à procura da garotinha - mas ela não estava em lugar nenhum.
Frank Paroubek, acompanhado por detetives saiu em busca da carroça cigana e que originalmente se acreditava estar indo para Round Lake, Illinois, uma pequena cidade a cerca de 80 quilômetros de Chicago. Havia cerca de sete carroças acampadas lá na época e os fazendeiros locais foram alertados para ficarem atentos a uma criança com a descrição de Elsie. Infelizmente, muitos deles se encarregaram de questionar os ciganos e até revistar suas carroças. No meio da noite, o bando levantou acampamento, indo para Volo, Illinois. Os residentes de Volo relataram a presença de uma criança que correspondia à descrição de Elsie com os ciganos, acrescentando que ela parecia estar dopada. Eles também tentaram revistar os vagões, mas os ciganos escaparam novamente e partiram para McHenry, Illinois, a cerca de 100 quilômetros de Chicago. Quando a polícia finalmente os alcançou, eles descobriram que a garotinha era cigana e não combinava em nada com Elsie, exceto pelo fato de serem da mesma idade.
A teoria da polícia era de que os ciganos sequestravam crianças pequenas por conta de um "desejo de criar crianças de olhos azuis e cabelos claros". Existiam teorias ainda mais inflamatórias, sobre o porquê dos ciganos levarem uma criança. Muitas pessoas achavam que os ciganos tencionavam criar a menina entre eles até ela atingir a idade certa para casar com um misterioso "Rei dos Ciganos". Também se mencionava a suspeita dela poder ser usada como escrava. Finalmente havia uma suspeita ainda mais bizarra, de que a menina seria sacrificada para que o bando ganhasse algum benefício especial através de seus rituais diabólicos.
Um cartaz de reconhecimento de Elsie |
O caráter sensacionalista dos tabloides da época e o preconceito da população foi manipulado até extremos. Em toda região de Illinois ciganos eram vistos como culpados e casos de violência emergiram em alguns pontos.
O Chicago Daily News consistentemente descrevia Elsie como pequena, "tendo longos cabelos dourados encaracolados, olhos azuis e bochechas rosadas e rechonchudas, com uma covinha proeminente em cada uma. Na época em que ela desapareceu, ela usava um chapéu vermelho, um vestido vermelho, meias pretas e botas pretas de cano alto".
A buscas prosseguiam em todo estado. Em Sycamore, o chefe da polícia local acompanhou Frank Paroubek quando ele investigou várias carroças ciganas em Cherry Valley. Mas eles não encontraram nenhuma criança parecida com Elsie. Enquanto isso, os policiais da Hinman Street responderam às perguntas dos repórteres sobre uma nota de resgate de 500 dólares recebida por Karolina. Eles "negaram conhecimento oficial do pedido de resgate, mas admitiram que este poderia ser verdade". Nada veio da suposta nota de resgate.
Na segunda semana após o desaparecimento de Elsie, Lillian Wulff, então com 11 anos, procurou a polícia para oferecer ajuda. Ela havia sido objeto de uma caçada idêntica quatro anos antes, quando foi levada por ciganos e forçada a trabalhar por seis dias como mendiga. Ela foi recuperada depois de ser vista por um fazendeiro enquanto caminhava atrás de uma carroça cigana nos arredores de Momence, Illinois. Lillian forneceu todos os detalhes sobre o comportamento dos ciganos. Um dos homens que sequestrou Lillian foi localizado na prisão e sugeriu que a polícia contatasse Elijah George – o "Rei dos Ciganos" – para obter ajuda. George foi encontrado e levado para Joliet, mas "não deu nenhuma informação útil" e foi liberado. Nesse ponto, o inspetor Healey ordenou que o canal de drenagem fosse dragado, juntamente com uma busca de poços, cisternas e locais semelhantes.
A menina Lilliam Wulff, que também foi sequestrada |
Em 30 de abril, Elsie já estava desaparecida há três semanas e a cidade continuava em alvoroço. Frank Paroubek, desesperado, consultou um médium psíquico, que disse que Elsie estava em Argo, Wisconsin. Ela estaria viva, mas trancada em algum lugar, possivelmente um porão. Policiais foram despachados para a área indicada, mas não acharam sinal da garota. Invadiram casas, bateram de porta em porta de todas as casas com porão, mas nada foi achado. A busca foi de Illinois a Wisconsin, de Wisconsin a Minnesota e depois de volta a Illinois - mas sem sorte.
No meio da investigação, algo sinistro estava ocorrendo. Alguns dias após o desaparecimento de Elsie, Frank Paroubek começou a receber cartas anônimas de uma fonte desconhecida. As cartas, descritas como "insultuosas", eram todas escritas em inglês, que ele não sabia ler. Ele pediu aos vizinhos que traduzissem. As cartas afirmavam que Elsie havia sido levada por alguém que "odiava" os Paroubeks e acusava a família de maltratá-la. Há boatos de que as cartas continham estranhos símbolos ou glifos, entre os quais pentagramas desenhados nas bordas. Mas não há como saber, pois Frank ficou tão zangado com as acusações que queimou as cartas.
A polícia estava sobrecarregada com ligações telefônicas. Cada vez que uma garota de vestido vermelho era avistada em um acampamento cigano, a denúncia era feita à polícia. Em 1º de maio, porém, os investigadores abandonaram a ideia de que Elsie havia sido roubada por ciganos e voltaram seus esforços para procurar poços e dragar rios e canais. Políticos aproveitaram a situação para atacar a polícia acusando-a de apatia porque os pais de Elsie eram pobres.
Enquanto isso, dois detetives ainda procuravam o autor das cartas enviadas aos Paroubek. Eles acreditavam que um homem que morava na vizinhança sabia detalhes sobre o caso. A suspeita é que ele era um tipo de ocultista e que estava envolvido com feitiçaria e magia negra. O homem foi levado a delegacia e interrogado por 6 horas, mas não forneceu pistas válidas.
Localização onde o corpo foi encontrado |
A busca não durou muito. Passados dois dias, um engenheiro elétrico junto com outros funcionários da usina de Lockport perto de Joliet, perceberam algo flutuando no canal de drenagem. A princípio pensaram que era um animal de uma das fazendas próximas, mas três horas depois, percebendo que se parecia com uma criança, enviaram um barco para trazê-lo até a praia. Um agente funerário foi chamado para examinar o corpo e disse que parecia se encaixar na descrição de Elsie Paroubek. Ele afirmou acreditar que o corpo estava na água há várias semanas dado o estado de decomposição. Os relatórios originais diziam que "não havia marcas evidentes de violência" no corpo.
O legista notificou as autoridades de Chicago, estas enviaram um oficial à casa dos Paroubek. Quando a mãe viu o policial de rosto sombrio em sua porta, chapéu na mão, Karolina Paroubek gritou: "Mé drahé dítě!" (Minha querida criança!) e implorou para que lhe dissessem que Elsie estava viva. O pai foi levado até a funerária à noite. Ele disse: "As roupas parecem com as de Elsie. Mas o rosto - não consigo reconhecê-lo. Só a mãe dela pode dizer."
Na manhã seguinte, Karolina foi levada à funerária e identificou positivamente a menina morta como sua filha. Ela teria dito: "É você, minha querida. Graças a Deus encontramos você e você não está nas mãos dos ciganos."
O boletim da necropsia oferceu as seguintes informações: "O corpo parece ter estado na água por cerca de um mês, o que corresponderia à data do desaparecimento de Elsie Paroubek. As roupas que ela vestia na ocasião coincidiam em todos os aspectos com as encontradas no cadáver. Exceto apenas quanto à cor dos olhos, que não pode ser claramente observada quanto à cor, as descrições eram idênticas.”
Arranjos foram feitos para um inquérito e Frank Paroubek foi chamado como a primeira testemunha. A despeito dos apontamentos do legista, ele insistiu que sua filha havia sido assassinada. Por meio de um tradutor, ele disse ao júri: "Tenho certeza de que os ciganos roubaram minha filha e, quando souberam que estávamos atrás deles, a mataram e jogaram seu corpo no canal".
Jornal da época com a notícia da morte de Elsie |
Com essa afirmação, o caos estourou na sala do júri. Karolina começou a gritar e saiu correndo da funerária onde o inquérito estava sendo realizado. "Ela foi assassinada, assassinada!" insistia aos berros. Frank finalmente conseguiu acalmá-la e ajudou-a a embarcar em um bonde para casa. Os resultados do inquérito foram inconclusivos. O legista declarou: "Este caso atraiu tanta atenção que um novo exame mais minucioso será feito. Queremos que o estômago da menina seja examinado e também os pulmões. O pai suspeita de homicídio. Certamente é possível que ele esteja certo."
Durante a segunda autópsia, dois médicos, confirmaram que Elsie não havia se afogado - pois não havia água em seus pulmões. Outro especialista disse que ela havia sido "atacada" (um eufemismo para estuprada) e assassinada antes de seu corpo ser colocado na água. Mais tarde as autoridades disseram à imprensa que ela havia sido "maltratada" pelo assassino. Eles também encontraram "cortes profundos" no lado esquerdo de seu rosto. Por fim, o legista concordou com Frank Paroubek quanto às prováveis circunstâncias da morte de Elsie - a menina havia sido assassinada. "Acreditamos que o sequestrador da criança a sufocou até a morte - possivelmente colocando a mão sobre sua boca enquanto apertava sua garganta".
O funeral de Elsie foi realizado em 12 de maio, no gramado da frente da casa de Paroubek. Quase 3 mil pessoas se amontoaram no quintal, ao redor da casa, ao longo das varandas e nas casas próximas. Os policiais da reserva foram encarregados de manter a ordem e impedir que a multidão derrubasse a cerca.
O minúsculo caixão branco de Elsie foi colocado em dois suportes de latão, cercado por lírios e cravos enviados pelo prefeito e vários funcionários da cidade. Oito garotinhas vestidas de branco trouxeram enormes ramos de flores. Karolina estava sentada na cabeceira do caixão, enquanto Frank e as outras crianças estavam por perto. Os Paroubeks não eram religiosos, então um serviço simples bastou. A maioria dos participantes seguiu o caixão de Elsie até o Cemitério local. Após o enterro houve um novo surto de violência voltado contra a comunidade de ciganos de Chicago. Há relatos de brigas, agressões e do incêndio de duas carroças pertencentes a ciganos. depois disso, a comunidade se afastou de Illinois temendo maiores represálias.
Terminado o enterro, a investigação policial foi revigorada, apesar do tempo decorrido. O chefe de polícia John McWeeny prometeu dedicar toda a força policial de Chicago para encontrar o assassino. A recompensa por informações que levassem ao culpado aumentou para 1200 dólares e deixou a cidade em estado de alerta.
O dedicado Chefe de Polícia McWeeny |
Os investigadores logo encontraram um suspeito – um homem chamado Joseph Konesti. Descrito como um "boêmio barbudo" e um "vendedor de bugigangas" acusado de "atrair meninas para sua cabana perto do canal de drenagem" – o mesmo canal onde o corpo de Elsie foi descoberto. Ele morava em um barraco a cerca de um quilômetro e meio da casa de Paroubek e era "visto com frequência" nas proximidades. A dona do barraco em que ele morava, a Sra. David Shaughnessy, disse à polícia que havia reclamado com Konesti por ele "trazer crianças para dentro de casa" e o havia despejado em 9 de maio. Muitos achavam que ele podia ser o culpado, mas antes dele poder ser interrogado, o sujeito se jogou na frente de um trem. Cinco dias depois, porém, ele foi inocentado de qualquer irregularidade pois possuía um álibi sólido.
A certa altura a polícia cercou uma casa perto das ruas Madison e Robey onde segundo testemunhas ocorriam "sessões espíritas" e "rituais de satanismo". A suspeita era que a menina teria sido levada para aquele lugar e assassinada como parte de um ritual. Impressiona a quantidade de denúncias feitas sobre um possível componente oculto nesse crime e que poderia ter motivado a morte da criança. Muitas mães temiam que seus filhos tivessem o mesmo fim e providências foram cobradas para coibir qualquer tipo de "rituais satânicos" em Chicago.
À despeito de todas ações, buscas, testemunhas e suposições, o assassino não foi encontrado. Após mais de um século, não sabemos o que realmente aconteceu com a pequena Elsie Paroubek.
A história da menina Elsie foi gradualmente esquecida até se tornar uma triste nota de rodapé na história. Contudo, ela serviu como base para a polícia norte-americana estruturar os procedimentos de busca por desaparecidos e estabelecer um modo de perseguir sequestradores. A história de Elsie também se tornou fonte de inspiração para o estranho romance "As Meninas Vivian no Reino do Surreal" escrito por Henry Darget na década seguinte. O livro falava de crimes cometidos contra crianças e que sofriam nas mãos de adultos. Por algum tempo, após a publicação do livro, algumas pessoas desconfiaram que Darger poderia estar envolvido no crime, mas ele jamais chegou a ser investigado formalmente.
Após o encerramento das buscas, a família Paroubek se desfez. Dois anos depois, no aniversário do funeral de Elsie em 1913, Frank Paroubek morreu de um ataque cardíaco fulminante. Ele tinha apenas quarenta e cinco anos. Karolina viveu até 9 de dezembro de 1927 e faleceu de doença respiratória. Todos os três estão enterrados juntos no Cemitério Nacional Bohemian de Chicago. Em seu túmulo foi colocada uma lápide com seus nomes e os dizeres "separados pela tragédia, reunidos na morte".
De lá pra cá, milhares de casos de desaparecimento, crime e morte envolvendo crianças aconteceram e estão acontecendo sem ganhar os holofotes da mídia mercenária. "O Homem é o Lobo do Homem!"
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